quinta-feira, 28 de novembro de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Investigação da PF foi técnica, ampla e detalhista

O Globo

Inquérito traz evidências robustas contra os envolvidos na tentativa de golpe de Estado

É ao mesmo tempo profunda, robusta e assustadora a investigação que resultou no relatório da Polícia Federal (PF) descrevendo, ao longo de 884 páginas, a trama urdida nos bastidores do governo Jair Bolsonaro para dar um golpe de Estado e impedir a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Baseado não só em depoimentos, mas sobretudo em cruzamentos de informações colhidas ou recuperadas de celulares, computadores e anotações dos acusados, o inquérito traz um farto e consistente material à disposição da Procuradoria-Geral da República para apresentar denúncia.

A PF pediu o indiciamento do ex-presidente Jair Bolsonaro e de outros 36 envolvidos, entre eles o general Walter Braga Netto (ex-ministro da Defesa, da Casa Civil e candidato a vice na chapa de Bolsonaro em 2022), o general da reserva Augusto Heleno (ex-chefe do GSI), o general da reserva Paulo Sérgio Nogueira (ex-ministro da Defesa), o almirante Almir Garnier (ex-comandante da Marinha) e o general da reserva Mário Fernandes (ex-secretário executivo da Secretaria-Geral da Presidência, preso na semana passada).

No documento, tornado público pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), a PF narra pela primeira vez em detalhes aterradores a participação de Bolsonaro na trama. Afirma haver provas inequívocas de que ele “planejou, atuou e teve domínio de forma direta e efetiva” no plano de golpe. Descreve situações e apresenta evidências para corroborar que Bolsonaro sabia e participou de tudo. Uma delas é a reunião convocada por ele em dezembro de 2022 com os comandantes militares para apresentar-lhes a minuta de um decreto que abriria espaço ao golpe de Estado e pedir-lhes apoio para a empreitada. Apenas Garnier assentiu. O comandante do Exército, general Freire Gomes, e o da Aeronáutica, brigadeiro Carlos Baptista Júnior, rechaçaram firmemente o golpe— e voltariam a rechaçar. No entender da PF, a intentona só não vingou porque chefes militares resistiram.

Embora muitas das informações já tivessem vindo a público, como o plano estarrecedor para matar Lula, o vice Geraldo Alckmin e Moraes, o relatório traz fatos surpreendentes. É o caso de uma agenda apreendida na casa do general Augusto Heleno. em que ele sugere estratégias para não cumprir decisões judiciais e impedir a PF de executar mandados considerados “ilegais”, ainda que emitidos por juízes. Uma apresentação de 2021 já trazia planos para tirar Bolsonaro do país em caso de fracasso. Há ainda mensagens do então diretor da Abin, Alexandre Ramagem, insuflando Bolsonaro a aderir à ruptura ao longo de 2022. Outra evidência do alcance do golpismo é o documento “Operação 142”, encontrado com um assessor de Braga Netto, que traçava o roteiro do golpe com base numa interpretação estapafúrdia do artigo 142 da Constituição. A ação seria seguida de pronunciamento em cadeia nacional, “anulação de atos arbitrários do STF”, “anulação das eleições”, “substituição de todo o TSE” e outras barbaridades.

PGR deve agora se debruçar com afinco sobre o relatório para apresentar as denúncias que julgar pertinentes ou pedir mais investigações. É fundamental unir agilidade e correção no trabalho. Os fatos descritos pela PF são de extrema gravidade. Merecem resposta firme e, ao mesmo tempo, justa. Não só para que não se repitam, mas também para o país recobrar um clima de normalidade democrática.

Congressistas fariam bem em assumir protagonismo no programa de cortes

O Globo

Proposta anunciada pelo Executivo só tem a ganhar se incorporar ideias de PEC sugerida por deputados

Em pronunciamento em rede nacional, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, anunciou enfim o tão adiado pacote de corte de gastos do governo. Não entrou em detalhes, mas pelas informações disponíveis é razoável concluir que as medidas ficarão aquém do ajuste fiscal necessário para conter a explosão da dívida pública. O governo anunciou a intenção de economizar R$ 70 bilhões em dois anos. Só que, entre benesses, como isenção de Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil, e promessas de cunho social, não deixou claro como a meta será atingida. Melhor faria se buscasse inspiração nas ideias da Proposta de Emenda Constitucional dos deputados Pedro Paulo (PSD-RJ), Kim Kataguiri (União-SP) e Julio Lopes (PP-RJ). Ela estabelece mudanças capazes de resgatar, de forma duradoura, o equilíbrio das contas públicas.

A questão a resolver é conhecida: o governo gasta mais que arrecada e precisa se endividar para pagar as contas. Com o fim do teto de gastos, o novo arcabouço fiscal criou armadilhas que, ao longo do tempo, farão as despesas crescer sem sustentabilidade. Quebrar esse ciclo de irresponsabilidade fiscal é urgente. Infelizmente, até o momento, todas as medidas tomadas para deter o crescimento da dívida têm sido tímidas. Em vez de mudanças estruturais, a opção tem sido privilegiar cortes paliativos para fechar as contas no curto prazo. A proposta de Pedro Paulo, Kataguiri e Lopes tenta romper essa lógica.

O texto busca desindexar e desvincular várias rubricas do Orçamento, com o objetivo de criar regras razoáveis e obter uma economia de R$ 1,5 trilhão ao longo de dez anos. A começar pela desvinculação dos benefícios previdenciários do salário mínimo, cuja política de reajuste permite, desde o ano passado, aumentos acima da inflação. Não faz sentido aposentados, cujos gastos são inferiores aos de quem trabalha, obterem ganhos reais. O mesmo vale para os benefícios assistenciais. Para corrigir isso, a PEC determina que o critério de correção entre 2026 e 2031 será a inflação, suficiente para manter o poder de compra dos beneficiários. Depois, uma nova definição deverá ser feita a cada quatro anos.

O texto também tenta reduzir o engessamento do Orçamento. Mais de 90% da receita tem destino obrigatório: salários de servidores, Previdência e despesas com Saúde e Educação. Nos Estados Unidos, os gastos obrigatórios equivalem a 62% da receita. Na Coreia do Sul, 53%. A PEC dá ao governo a prerrogativa de definir prioridades ao revogar os pisos de Saúde e Educação. Em alguns anos, as despesas poderiam ficar acima da atual. Em conjunturas mais difíceis, abaixo.

A proposta ainda procura corrigir outras incongruências. O texto da PEC merece toda atenção do Parlamento. Os gastos no Brasil carecem de racionalidade, e o Executivo, como se depreendeu do pronunciamento de ontem, não tem demonstrado a vontade política necessária para encarar esse desafio com a devida determinação.

Planos fiscais de deputados e governo têm de andar juntos

Valor Econômico

Proposta apresentada na Câmara contém conjunto de boas ideias que deveriam ser discutidas junto com a PEC que o governo vai enviar ao Congresso com medidas para sustentar o regime fiscal

No vácuo deixado pela interminável discussão no governo sobre o pacote de ajuste fiscal - anunciado em linhas gerais ontem à noite e a ser detalhado hoje -, três deputados apresentaram uma proposta de PEC na Câmara dos Deputados que levariam a uma economia de gastos de pelo menos R$ 1,1 trilhão em dez anos. O projeto dos deputados Pedro Paulo (PSD-RJ), Júlio Lopes (PP-RJ) e Kim Kataguiri (União-SP) toca em vários pontos que o governo está avaliando, mas pelo visto tomam um caminho diferente. A parte central da proposta se baseia em ideias sugeridas por Paulo Bijos, ex-secretário-adjunto da Secretaria de Orçamento Federal, do Ministério do Planejamento.

As ideias de Bijos estão em um estudo da Consultoria de Orçamento da Câmara, e seu ponto de partida é que o caminho mais viável para se obter a redução da velocidade da dívida pública, e depois sua estabilização, não seria um corte de despesas, mas um freio em seu ritmo de expansão, hoje insustentável. Seria um caminho “gradualista de reequilíbrio fiscal” via controle da despesa. Difere do novo regime fiscal na premissa de que “não há margem substantiva para novos aumentos de receita”. A carga tributária brasileira, de 33%, é a mais alta da América Latina e está próxima dos 34% da média dos países ricos da OCDE.

A meta das medidas propostas por Bijos é chegar a um superávit primário estrutural de 1,5% do PIB, capaz de estabilizar a dívida ao longo do tempo. O tamanho da dívida brasileira é maior do que a dos países emergentes e traz preocupação. O Brasil gasta fatia maior do orçamento com juros quanto mais elevada ela for, e torna maior a dependência dos credores em sua rolagem. Se os financiadores considerarem a dívida muito alta, os juros terão de subir mais, agravando a percepção de insolvência e aumentando o déficit. O final do processo é mais inflação.

A proposta da PEC de maior impacto, e de provável maior dificuldade política e jurídica, é a desvinculação do salário mínimo dos benefícios do Regime Geral da Previdência Social (RGPS) e do Benefício de Prestação Continuada (BPC). A vinculação dessas duas rubricas ao mínimo já representa 50% das despesas primárias e 9,8% do PIB. Bijos, em seu estudo, considera que a vinculação ao mínimo carece de “lógica atuarial”. Para ele, o aposentado tem direito a valores referentes a remunerações passadas e, uma vez na inatividade, “deve ter sua aposentadoria protegida contra a corrosão inflacionária”.

Além de os dois benefícios, em especial o do RGPS, puxarem o aumento das despesas obrigatórias, eles escapam ao limite de aumento de gastos do regime fiscal. O motivo é que eles acompanham a evolução demográfica, que se tornou desfavorável ao Brasil. “As despesas do RGPS e do BPC são impulsionadas pelo envelhecimento populacional e adicionalmente impactadas pela política de valorização do salário mínimo. Essa dupla propulsão é fator crítico para o aumento do gasto público no Brasil”.

A proposta de PEC tornaria constitucional sua correção pela inflação, para manter seu poder aquisitivo. Qualquer ganho real deveria ser avaliado periodicamente, levando em consideração a situação atuarial do RGPS, do estado fiscal do país e da economia como um todo. Na simulação feita no estudo de Bijos, a indexação desses gastos à inflação traria uma economia de R$ 1,1 trilhão. Caso se concedesse aumento real no piso de elevação das despesas permitido (0,6%), a economia ainda seria expressiva, de R$ 890 bilhões.

Outra sugestão da PEC dos deputados é desvincular das receitas os pisos de saúde, educação e do Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) por três anos (de 2026 a 2028). O governo estudou incluir a medida em seu pacote, ligando-a ao aumento permitido pelas despesas em geral (0,6% a 2,5%), mas não se sabe se ela será adotada. A proposta da PEC é voltar ao esquema do antigo teto de gastos, de colocar obrigação constitucional de corrigi-las pela inflação. Não haveria corte de gastos.

A vinculação dos pisos de saúde e educação às receitas desequilibrou o regime fiscal, pois sua expansão tem ocorrido a um ritmo muito superior ao instituído às demais despesas pelas regras fiscais. Ela traz em si gastos maiores e, segundo estudo de Bijos, “torna o gasto público mais volátil, pró-cíclico e acrítico, e desacompanhado de critérios de desempenho”. Corrigi-los pela inflação permitiria uma economia de R$ 97 bilhões em três anos.

Outras ideias da PEC são dos próprios deputados. Eles propõem suspender os aumentos acima da inflação para o salário mínimo e um corte de 10% nos gastos tributários, hoje de 4,8% do PIB, até 2031. O abono salarial seria limitado a quem ganha um salário mínimo e não até dois mínimos, como é hoje. Ele seria extinto em 2031, e até lá a economia seria de R$ 15 bilhões.

Não se sabe se os parlamentares conseguirão apoio de 168 deputados para a proposta tramitar. Mas é um conjunto de boas ideias que deveriam ser discutidas junto com a PEC que o governo vai enviar ao Congresso com as medidas para sustentar o regime fiscal. Como atrativo ao apoio dos governistas, elas não tratam de corte drástico de despesas.

O que Bolsonaro admite na trama golpista já é gravíssimo

Folha de S. Paulo

Ex-mandatário confirma que debateu estado de sítio, negado por chefes de Forças; medida extrema se basearia em mentiras

Jair Bolsonaro (PL) só não levou adiante um golpe de Estado "em razão de circunstâncias alheias à sua vontade" —eis uma afirmação incontestável do inquérito da Polícia Federal acerca das tratativas do então presidente e de auxiliares, a maioria do meio militar, para não entregar o poder após a derrota eleitoral de outubro de 2022.

O próprio Bolsonaro, afinal, já desistiu de negar sua participação em um episódio central e bem esmiuçado nas investigações da PF: as discussões internas para a decretação de estado de sítio e de defesa ou operação de Garantia da Lei e da Ordem antes da posse do eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Argumenta o ex-mandatário que tais instrumentos estão previstos na Constituição, o que descaracterizaria golpismo. A linha de defesa formalista não dá conta, porém, do absurdo que teria sido adotar alguma dessas providências extremas sem nada que as justificasse além de mentiras grosseiras sobre as urnas eletrônicas e o processo eleitoral.

Para tal obviedade chamaram a atenção, na época, os comandantes do Exército, general Freire Gomes, e da Aeronáutica, brigadeiro Baptista Júnior, que relataram ter barrado a quartelada. O então chefe da Marinha, Almir Garnier Santos, preferiu o silêncio ao ser ouvido pela PF.

São fatos gravíssimos e não sujeitos a especulações. Restará, num muito provável processo mais à frente, examiná-los à luz da legislação de defesa do Estado democrático de Direito.

Menos documentado, até o momento, é o papel de Bolsonaro em um plano ainda mais tresloucado e macabro para assassinar Lula, seu vice, Geraldo Alckmin (PSB), e o ministro Alexandre de Moraes, então à frente da Justiça Eleitoral —que, segundo o inquérito da PF, corria em paralelo aos debates sobre o decreto golpista.

Nesse caso, as conclusões da investigação se amparam nos contatos entre o então mandatário e militares envolvidos na conspiração, datas e horários de reuniões.

É notório que, após o segundo turno da eleição, Bolsonaro mergulhou em silêncio de mais de um mês, só quebrado em 9 de dezembro por um discurso improvisado e dúbio a apoiadores. Ali, em vez de algum gesto de grandeza no reconhecimento da derrota, saiu-se com a declaração de que "as Forças Armadas são o último obstáculo para o socialismo".

No penúltimo dia daquele ano, embarcou para os EUA, onde ficaria até 30 de março. Em 8 de janeiro de 2023, bolsonaristas ensandecidos invadiram as sedes dos três Poderes esvaziadas num domingo em Brasília.

A PF busca traçar um fio condutor entre todos esses acontecimentos, o que ainda passará pelo crivo da Procuradoria-Geral da República e, após a esperada apresentação de denúncia, pelo Supremo Tribunal Federal. Sobram evidências da hostilidade de Bolsonaro à democracia, o que não pode ser pretexto para negligenciar o rigor e o equilíbrio no julgamento de seus atos.

Não é papel do Supremo agir como fiscal de preços

Folha de S. Paulo

Decisão de Dino, que muda valores cobrados por cemitérios em SP gera insegurança jurídica; STF deve buscar autocontenção

Numa canetada, o ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal, determinou que os cemitérios paulistanos privatizados voltem a cobrar as tarifas vigentes antes da concessão, em março de 2023, reajustadas pelo IPCA. A decisão vale até que o plenário da corte julgue a constitucionalidade da lei que permitiu a privatização.

Há de fato uma espécie de crise nos cemitérios da cidade. O número de queixas contra o serviço subiu significativamente. Até novembro deste ano, o Procon registrava 442 reclamações; em 2023, foram 272. Boa parte delas está relacionada a preços.

Segundo reportagens de diversos veículos, funcionários das empresas gestoras tentam induzir clientes a contratar os serviços mais custosos, além de esconder a possibilidade de desconto, e mesmo de gratuidade, para a população mais pobre.

Foi nesse contexto que o PC do B propôs a ação de descumprimento de preceito fundamental, que Dino acatou em parte.

O problema começa na imparcialidade. Como a proverbial mulher de César, que deve ser e parecer honesta, o ministro eliminaria dúvidas se tivesse se recusado a relatar ação do partido que integrou por muitos anos.

Em sua decisão, afirma haver violações ao princípio da dignidade humana, o que seria suficiente para justificar a intervenção. Faltou, contudo, um tanto de autocontenção, mercadoria que anda escassa no STF, como demonstram decisões recentes do próprio magistrado.

No começo deste mês, contrariando a Constituição, Dino ordenou recolhimento e destruição de livros jurídicos; em setembro, interveio no Orçamento ao determinar que despesas de combate às queimadas ficassem fora do teto de gastos. No caso agora em tela, não cabe à mais alta corte do país tornar-se fiscal de preços.

Ademais, o ministro recorreu a argumento perigosamente amplo. Com boa retórica, não há norma que não possa ser descrita como violação à dignidade humana ou à moralidade pública.

Esses princípios, quando não consubstanciados em dispositivos legais mais concretos, convertem-se num coringa judicial. Precisam, portanto, ser utilizados com extrema parcimônia.

Note-se ainda que, ao imiscuir-se em preços de serviços privatizados, Dino emite sinal negativo ao setor de parcerias público-privadas —tão necessário para o desenvolvimento do país, principalmente em infraestrutura. Por receio quanto à segurança jurídica dos contratos, empresários pensarão duas vezes antes de participar dos processos de licitação.

 Bolsonaro nu

O Estado de S. Paulo

Ninguém precisava da PF para saber que Bolsonaro é golpista. Mas as investigações são úteis porque o despem de vez dos trapos retóricos com os quais ele tentou se travestir de democrata

O relatório final da Polícia Federal (PF) sobre a tentativa de golpe de Estado que teria sido urdida no seio do governo de Jair Bolsonaro para aferrá-lo ao poder decerto não surpreendeu quem acompanhou minimamente a vida pública do ex-presidente. Desde quando saiu do Exército em desonra, passando por uma frívola carreira parlamentar – que, se prestou para alguma coisa, foi para enriquecê-lo, além de sua família – até chegar à Presidência da República, Bolsonaro jamais traiu seu espírito golpista. De mau militar e mau deputado a mau presidente, foram quase 40 anos de exploração da insurreição e da infâmia como ativos políticos.

Este jornal, seguramente, não está surpreso com o que veio a público após o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), levantar o sigilo sobre o referido relatório. Afinal, faz quase 25 anos que já sublinhávamos nesta página o vezo parasitário de Bolsonaro no Brasil pós-redemocratização, chamando-o pelo que é: um desqualificado que se serve das mesmas liberdades democráticas que sempre quis obliterar (ver o editorial Dejetos da democracia, 8/1/2000).

A rigor, ninguém precisava de um relatório policial de mais de 800 páginas para saber que Bolsonaro é um golpista inveterado. Quem já votou nele ao longo da vida pode alegar tudo, menos desconhecimento de sua índole destrutiva. Mas, para quem quiser, aí está o portentoso material reunido pela PF a encadear fatos e personagens com notável robustez, além de desnudar o espírito insurreto que jamais deixou de guiar o ex-presidente ao longo de sua trajetória.

Segundo a PF, Bolsonaro “planejou, atuou e teve domínio de forma direta e efetiva” das tramoias para impedir a posse do presidente Lula da Silva, o que teria incluído até um suposto plano para assassiná-lo, entre outras autoridades. E não só entre novembro e dezembro de 2022, mas durante todo o mandato – que, recorde-se, começou com a disseminação de mentiras sobre a suposta “fragilidade” das urnas eletrônicas. Ainda de acordo com a PF, essa desabrida campanha de desqualificação do sistema eleitoral já era parte do plano golpista de Bolsonaro para se insurgir contra um resultado nas urnas que não fosse a sua reeleição, contando que a desconfiança que semeou entre milhões de brasileiros poderia lhe ser útil no futuro.

É fundamental frisar que ainda se está em fase de inquérito policial. De modo que o contraditório e a ampla defesa só estarão plenamente garantidos aos 37 indiciados, como é próprio do Estado Democrático de Direito, mais à frente, vale dizer, se e quando a Procuradoria-Geral da República (i) oferecer denúncia contra eles, (ii) as acusações forem aceitas pelo STF e (iii) o caso, então, entrar na fase judicial propriamente dita. Entretanto, as eventuais provas que poderão ser apresentadas à Justiça pelo parquet, obviamente, serão decisivas apenas, por assim dizer, para o destino penal de Bolsonaro. Já sobre seu golpismo não há prova mais cabal de que se trata de um inimigo figadal da democracia do que seu próprio passado.

Nesse sentido, é estarrecedor ainda haver no seio de uma sociedade que se pretende livre e democrática quem admita a presença de alguém como Bolsonaro na vida política. Ou pior, que enxergue como “democrata”, “patriota”, “vítima do sistema” ou baboseira que o valha um sujeito de quinta categoria que já defendeu o fechamento do Congresso, lamentou o “baixo número” de concidadãos torturados e mortos nos porões da ditadura militar, pregou o fuzilamento do presidente Fernando Henrique Cardoso e trata adversários políticos como inimigos a serem eliminados, inclusive fisicamente. Ademais, Bolsonaro jamais desestimulou as manifestações de teor golpista realizadas em seu nome, como os acampamentos na frente de quartéis País afora. Tudo indica que não o fez para falsear um “clamor popular” pelo golpe e, assim, pressionar as Forças Armadas a apoiá-lo na intentona – o que, para o bem do Brasil, não ocorreu.

A Justiça, primeiro, e a História, depois, hão de ser implacáveis com Bolsonaro e todos os que flertaram com a destruição da democracia no Brasil.

Mais uma ‘mudança segura’ no Uruguai

O Estado de S. Paulo

Nas eleições prevaleceram mais uma vez a moderação e o consenso, frutos de uma política partidária bem institucionalizada. Mas cultura democrática do país será testada por novos desafios

Álvaro Delgado, candidato à presidência uruguaia da Coalizão Republicana de centro-direita apoiado pelo incumbente Luis Lacalle Pou, perdeu para Yamandú Orsi, da Frente Ampla de centro-esquerda. Após governar de 2005 a 2019, a esquerda volta ao poder – suavemente. “Uma mudança segura” foi o slogan de campanha.

“Serei o presidente que convocará de novo o diálogo nacional”, disse Orsi. “A mensagem não pode ser outra senão abraçar o debate de ideias. Assim se constrói uma república democrática. Longa vida aos partidos políticos no Uruguai. Triunfa mais uma vez o país da liberdade, da igualdade e também da fraternidade, que não é nada mais nada menos que a tolerância e o respeito pelos demais. Sigamos por esse caminho.” Tal exibição de conciliação da parte dos vencedores não costuma ser mais que hipocrisia. Uma das provas de que no Uruguai é genuína, foi a resposta de Delgado. “Se é necessária uma mão em prol do país, esta coalizão está disposta a lhe dar as duas.”

É motivo de orgulho local fazer as coisas a la uruguaya: devagar, gradualmente e deliberadamente – como a preparação e a degustação do chimarrão. Traduzido para a política, isso implica um quadro institucional de poucos partidos, disciplinados, com conteúdos programáticos claros e, sobretudo, moderados. A participação dos uruguaios em partidos, sindicatos e associações é alta. Os eleitores votam mais por fidelidade a legendas que a personalidades. Reformas às vezes tomam anos e só são ratificadas após plebiscitos ou referendos. Mas, uma vez pactuadas, a população segue em frente, sem revanchismos.

Em índices de democracia, como o da Economist Intelligence Unit, o Uruguai figura como a única democracia “plena” da América do Sul e uma das mais sólidas do mundo. Estudos apontam o país como o menos corrupto da região. O resultado é uma disputa bem delineada entre esquerda e direita, mas sem extremismos; uma cultura centrista consolidada, mas sem o fisiologismo endêmico de um “Centrão”.

A estabilidade política, por sua vez, se traduz em prosperidade econômica. O país tem a maior renda per capita da América Latina, a menor taxa de pobreza, um dos menores níveis de desigualdade. Sua matriz energética é a mais limpa e seu Estado de Bem-Estar Social é, por algumas medidas, o mais antigo e generoso do Cone Sul. Inflação, juros e impostos baixos magnetizam investimentos e imigrantes.

Um exemplo de consenso político e responsabilidade econômica foi dado no referendo recente que propunha reduzir a idade e aumentar o valor das aposentadorias – música para ouvidos populistas. Mas os dois principais candidatos rechaçaram a proposta, assim como a população.

O espaço para a retórica inflamada sobre “socialismo” e “neoliberalismo” é diminuto. Fiel aos ideais progressistas, Orsi prometeu ampliar gastos sociais. “Mas para isso a economia precisa crescer”, disse seu chefe de campanha, Alejandro Sánchez, “e, para crescer, a economia precisa ser muito mais aberta.” Orsi também prometeu não elevar impostos e reduzir a burocracia para atrair investimentos.

Não cabem idealizações. Se se pode dizer que o Uruguai é a “Cingapura” ou a “Suíça” da América Latina, há uma longa jornada até se aproximar dos níveis de desenvolvimento de Cingapura ou da Suíça. Desde o fim do boom das commodities, o crescimento se desacelerou. A educação segue estagnada. O narcotráfico cresce e as taxas de violência superaram as de vizinhos como Argentina, Chile, Paraguai e Peru. Tudo isso ameaça a coesão social e é um convite às aventuras populistas.

A alternância no poder se deu de maneira tranquila, como em todas as vezes desde o fim do regime militar, em 1985. Mas, para que as outras eleições continuem assim, os representantes eleitos precisarão combinar sua velha moderação com novas ambições; promover reformas radicais, sem radicalismos. A estabilidade é condição necessária para o crescimento, mas não suficiente. Tudo somado, no entanto, o Uruguai está bem equipado para enfrentar seus desafios, e as últimas eleições deixaram, mais uma vez, lições valiosas para a América Latina.

Uma janela para a paz

O Estado de S. Paulo

Ao reduzir o poder de fogo dos aliados do Irã, Israel cria chance para a diplomacia

Após quase 14 meses de hostilidades contínuas e crescentes entre Israel e o Hezbollah, ontem as armas amanheceram em silêncio. A anunciada trégua pode até se provar tênue, mas é uma boa e relativamente inesperada notícia: quando o mundo inteiro temia uma conflagração regional, pela primeira vez desde 7 de outubro de 2023, data do ataque do Hamas a Israel, há uma perspectiva de redução das hostilidades no Oriente Médio.

O acordo entre Israel e Líbano prevê um cessar-fogo de 60 dias. O Hezbollah deve manter-se a 30 km da fronteira, enquanto Israel gradualmente removerá suas tropas do sul do Líbano, que será ocupado pelas forças libanesas com a missão de desmantelar estruturas militares do Hezbollah e impedir seu rearmamento. Um comitê de cinco países liderados por EUA, França e uma unidade de observação da ONU monitorará o cumprimento do acordo.

No primeiro dia após o ataque bárbaro do Hamas, o Hezbollah lançou foguetes contra Israel, prometendo que o combate não terminaria até um cessar-fogo em Gaza. Quase 70 mil israelenses foram retirados e por meses a troca de hostilidades seguiu num ritmo calculado para não escalar, até Israel lançar uma ofensiva em setembro. A liderança do Hezbollah foi decapitada e seu estoque de munição foi imensamente degradado. Destruir totalmente a organização militar do Hezbollah nunca foi o objetivo. Mas as operações foram bem-sucedidas em quebrar o elo entre o Hezbollah e o Hamas. O teste final será a reinstalação dos israelenses que tiveram que sair de suas casas.

Israel deixou a maior força militar não estatal do mundo numa posição muito mais vulnerável que em 2006 – quando Israel e Hezbollah se enfrentaram –, e expôs a superioridade tática da inteligência e da tecnologia israelenses em relação ao Irã. Em dois meses, apesar das condenações das boas almas da ONU e do mantra da “desescalada” em Washington, Israel conseguiu a paz pela força, afastou o risco de uma guerra aberta com Teerã, restaurou as condições que a ONU estabeleceu em 2006, mas nunca implementou, e abriu janelas para a diplomacia. Para não repetir os erros de 2006, Israel impôs uma cláusula que lhe permite reagir a “ameaças iminentes” caso o Hezbollah quebre as condições do acordo. Os deslocamentos e a destruição no Líbano foram terríveis. Mas o governo libanês tem uma chance de impor limites aos domínios de um Hezbollah debilitado.

A dois meses da inauguração do mandato de Donald Trump nos EUA, Israel está numa posição estratégica de força. Trump provavelmente dará ao premiê Benjamin Netanyahu muito mais licença para agir. Mas isso não é necessariamente uma má notícia para os palestinos. Os sinais ainda são ambivalentes. Por um lado, Trump nomeou Mike Huckabee, apologista da anexação dos territórios palestinos, como embaixador em Jerusalém. Mas foi Trump, em seu primeiro mandato, quem elaborou o plano mais detalhado para uma solução de dois Estados desde os Acordos de Oslo e lançou as bases dos Acordos de Abraão para normalizar as relações entre Israel e Estados árabes.

O cessar-fogo está apenas começando. Ninguém pode subestimar a volatilidade do Oriente Médio. Mas há razões para um moderado otimismo.

Condição das rodovias ameaça vidas e economia

Correio Braziliense

Precisa perder força o argumento de que a dimensão continental do país dificulta a realização e a percepção das melhorias na infraestrutura das estradas

Trafegar por 25% das rodovias brasileiras é conduta de risco, indica novo levantamento da Confederação Nacional dos Transportes (CNT), a partir da análise de 111,8 mil quilômetros de vias pavimentadas no país, entre federais (67,8 mil) e municipais (44 mil). Uma em cada quatro está com o estado geral ruim (20,8%) ou péssimo (5,8%). Cenário praticamente igual ao de anos anteriores — 20,3% ruim e 5,8% péssimo em 2023, 18,8% ruim e 6,5% péssimo em 2022, e 16,3% ruim e 6,9% péssimo em 2021 — e que sinaliza ao menos uma despreocupação de gestores públicos em  promover melhorias em uma área tão estruturante para o país. 

Pela malha rodoviária brasileira trafegam cerca de 65% das cargas e 95% dos passageiros, estima a CNT. Também nela milhares de pessoas perdem a vida cotidianamente  — no primeiro semestre deste ano, só nas rodovias federais foram 35.153 acidentes e 2.906 mortes, o equivalente a 15 óbitos por dia. Sobram evidências, portanto, de que economias e vidas são ameaçadas por uma rede que não está à altura.

E pode piorar. O mesmo levantamento indica que os trechos classificados como regulares — que equivalem a 43,7% das rodovias — correm o risco de migrar para ruim ou péssimo se não forem feitas "intervenções adequadas e tempestivas de manutenção". Na análise, são consideradas as condições do pavimento, da sinalização e da geometria das vias. O último critério tem as piores avaliações — 23% ruim e 16,9% péssimo — e diz respeito a características ligadas à ocorrência de acidentes graves, como segurança nas ultrapassagens.

Tendo como base dados do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT), o governo federal anunciou, também neste mês, que o país atingiu a melhor marca histórica da qualidade da estrutura viária federal: 75% em classificação boa e 25% em classificações regular, ruim ou péssimo. Os dados da CNT, porém, a partir de levantamento próprio, indicam que apenas 33% das rodovias podem ser consideradas boas ou ótimas. Dos trechos analisados pelos técnicos, 60% são federais.

A CNT diz reconhecer "os esforços que vêm sendo realizados para transformar o cenário rodoviário  nacional", mas, corretamente, enfatiza a necessidade de ampliação de recursos. Ainda que trabalhando com resultado divergente, o governo federal também. 

Nesse sentido, precisa perder força o argumento de que a dimensão continental do país dificulta a realização e a percepção das melhorias na infraestrutura das estradas. Se apenas 12,4% da malha nacional são pavimentadas, conclui-se que o país deixa de cuidar bem até do pouco que oferece para o tráfego adequado de veículos.

Há de se considerar neste debate o compromisso de condutores e donos de veículos com a segurança no trânsito. O Brasil enfrenta um fenômeno de envelhecimento da frota, o que demanda cuidados frequentes com manutenção. Além disso, a ingestão de álcool e o excesso de velocidade estão entre as principais causas de acidente nas rodovias. Todos esses fatores, porém, são passíveis de fiscalização. 

Diante da proximidade das férias escolares e das festas de fim de ano com mais uma malha rodoviária cheia de perigos, espera-se, no mínimo, a adoção de medidas imediatas para amenizar os riscos à população. Reforço nas blitzes e sinalização de curvas perigosas — 30,9% delas não têm esse alerta, segundo o levantamento da CNT — são um começo.

3 comentários:

Mais um amador disse...

Tem algum documento escrito à mão, assinado e devidamente registrado e autenticado em cartório por parte do Bolsonaro no qual ele declare peremptoriamente que desejou, participou e articulou algum golpe de Estado no Brasil ? Sim ou não ?

Se não tiver, é tudo narrativas criadas por essa esquerda comunista nojenta aliada a mídias vendidas.

Talkey ?

Chooorem esquerdopatas malditos.

#Bolsonaromito2026

😎😎😎

Anônimo disse...

Você já viu um golpe registrado em Cartório na Vida ? Só o seu. A Burrice deveria doer. Foi o grande erro da Criação !

Anônimo disse...

kkkkkkkkkkkkkk! Perfeito! Estes são todos os "argumentos" do bolsonarismo... O papagaio bolsonarista pensa assim, mas não consegue escrever corretamente o que pensa... Bolsonaro agora se diz "PERSEGUIDO"... Tadinho!