O Povo (CE)
Jornalistas e toda imprensa tiveram o acesso
negado ao recinto, um episódio também sem precedente, e extremamente
preocupante
A semana da Câmara dos Deputados proporcionou um teste difícil até para o mais otimista dos cidadãos. Como disse o deputado Arthur Lira: a Casa virou uma grande esculhambação. Entre os feitos, destaco a aprovação do PL da Dosimetria, que reduz as penas dos condenados pela tentativa de golpe de estado, e a liberação de Carla Zambelli da cassação, mesmo após ter sido condenada com trânsito em julgado e presa na Itália, à espera de extradição.
Devemos somar às votações problemáticas a
inédita interrupção do sinal da TV Câmara, a fim de que não se
transmitisse a retirada à força de um parlamentar do plenário. Jornalistas e
toda imprensa tiveram o acesso negado ao recinto, um episódio também sem
precedente, e extremamente preocupante. Tanto as votações como as decisões
administrativas pelo recurso à segurança truculenta devem-se à (não) liderança
do presidente da Casa, o deputado Hugo Motta.
A ideia de formar uma pauta tão conflituosa,
sem acordo prévio com os líderes ou diálogo com o governo, foi também
desastrosa pelo que representou de ofensa à autoridade do Poder Judiciário.
O PL da Dosimetria, na prática, esvazia qualquer potencial
punitivo das condenações do Supremo Tribunal Federal, tornando uma tentativa de
abolição da democracia um delito menor.
Como efeito ainda mais perverso, a lei, se
aprovada, tem o potencial de beneficiar criminosos sem relação direta com o
acontecido e que se valerão dos dispositivos legais para reduzir seu tempo de
prisão. Uma lei, por princípio, deve ser geral e abstrata, e nunca tem bons
resultados quando feita sob medida para atender interesses pessoais e
casuísticos.
O caso de Carla Zambelli é grave porque
o Poder Legislativo não tem espaço para decidir se o mandato deve ou
não ser cassado. A condenação penal com trânsito em julgado tem, entre seus
efeitos previstos em lei, a perda dos direitos políticos e, por consequência, a
impossibilidade de que o mandato seja mantido.
Não é algo que se possa transigir, a perda do
mandato é o efeito direto, objetivo e claro da condenação. O trabalho da Câmara
dos Deputados, nessa hipótese, é o de formalizar administrativamente os efeitos
da pena e dar seguimento internos a esses trâmites. Previsível que, horas
depois da votação do Legislativo, o STF tenha decidido pela invalidade da
votação, por manifesta ilegalidade.
Toda essa confusão traz um gosto amargo para
este fim de ano. Que país podemos imaginar com lideranças tão artificiais e
débeis? O que nos consola é testemunhar alguns exemplos de resiliência e
dignidade, como o da deputada Benedita da Silva, que fez uso da palavra para
denunciar o caos, nos lembrando dos ares da constituinte e da condução
pacificadora de Ulysses Guimarães.

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