CartaCapital
Não é razoável imaginar que apenas 21
senadores possam afastar um ministro do STF. Gilmar Mendes tem boas razões para
querer proteger a Corte do constante assédio da extrema-direita
Uma nova crise na relação entre os poderes se abriu com a recente decisão, do ministro Gilmar Mendes, de declarar inconstitucionais trechos da Lei do Impeachment de 1950 referentes à cassação de ministros do Supremo Tribunal Federal. A decisão respondeu à Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) proposta pelo partido Solidariedade e pela Associação dos Magistrados Brasileiros.
Os dispositivos legais impugnados tratam do número de votos exigido em duas
votações preliminares à da cassação do ministro. A primeira é a de iniciar ou
não a análise do impeachment; a segunda, a de aceitar ou não o pedido. Em ambos
os casos, a aprovação ocorre por maioria simples – isto é, metade mais um dos
senadores presentes à sessão. Uma terceira votação, cujo artigo não foi
impugnado na ADPF, estabelece que a cassação do ministro só se concretiza com
maioria qualificada de dois terços dos votos.
Contudo, a segunda dessas decisões por
maioria simples já afasta liminarmente o juiz do exercício do cargo e reduz
seus vencimentos em um terço – de forma semelhante ao impeachment de presidente
da República, cujo afastamento se dá após aceitação do processo na Câmara dos
Deputados, mas com exigência de dois terços dos votos. A mesma proporção é
requerida no Senado, onde se realiza o julgamento definitivo da cassação.
Como se nota, há uma assimetria. Enquanto o
afastamento (mesmo liminar) do chefe do Executivo exige uma “supermaioria”, no
caso de juízes da Suprema Corte basta um punhado de senadores. Em números, o
afastamento do presidente da República ocorre com o voto de 342 dos 513
deputados, e sua cassação requer 54 dos 81 senadores. Para um ministro do STF,
entretanto, o afastamento pode dar-se com apenas 21 votos – desde que estejam
presentes 41 senadores, quórum mínimo da sessão.
Logo se brandiu contra Mendes a acusação de
que estaria blindando a si e a seus pares da responsabilização por malfeitos,
da mesma forma como tentaram os deputados na infame PEC das Prerrogativas –
mais propriamente denominada PEC da Blindagem ou da Bandidagem. Ainda mais
porque, para além da questão das votações mínimas necessárias para processar e
afastar liminarmente juízes, o decano do STF decidiu também restringir apenas
ao procurador-geral da República a prerrogativa de iniciar o processo, enquanto
a lei habilita qualquer cidadão a fazê-lo. Não bastasse, fez sua decisão valer
cautelarmente até que o plenário analise o assunto. Como se trata de lei em
vigor há mais de 75 anos, causa estranheza, portanto, uma decisão liminar que
deveria ser proferida apenas em casos urgentes.
Há certa imprecisão nas acusações. Mais do
que blindar juízes como indivíduos, tal qual pretendia a PEC da Bandidagem com
parlamentares e presidentes de partidos, a decisão de Mendes protege a Corte
como instituição. A preocupação se justifica: é público e notório que a eleição
de uma bancada de senadores grande o suficiente para cassar ministros do STF é
prioridade máxima na agenda eleitoral da ultradireita para 2026. E os cassar
por quê? Não por seus deslizes, que não são poucos, mas por seus acertos.
Ainda que com alguns excessos, o Supremo foi
o principal bastião em defesa do Estado de Direito contra os ataques
autoritários do bolsonarismo. A recente condenação dos artífices do golpe, que
já cumprem penas, foi o ponto alto dessa atuação, constituindo-se em marco
histórico celebrado por democratas. A castração ou a captura de Cortes
constitucionais é uma das estratégias favoritas de populistas autoritários
mundo afora: viu-se recentemente com López-Obrador no México e, antes dele, com
Kaczyński na Polônia, Orbán na Hungria, Morales na Bolívia e Chávez na
Venezuela. Com um detalhe: em todos esses casos, os chefes do Executivo
contaram com uma maioria legislativa que lhes permitiu eliminar o bloqueio dos
tribunais superiores – e, muitas vezes, de outros níveis do Judiciário. No
Brasil, isso não ocorreu, mas esse é o objetivo declarado da ultradireita.
Quanto à cautelar, parece ser uma
jogada estratégica de Mendes. Diante da possibilidade real de
pedidos de vista por juízes simpáticos ao bolsonarismo, como Kassio Nunes
Marques, André Mendonça e o recém-convertido Luiz Fux, a liminar funciona como
vacina. Pedir vista, nesse caso, significa apenas manter a liminar em vigor,
enquanto não se decide sobre o mérito. Não parece um bom negócio. •
Publicado na edição n° 1392 de CartaCapital,
em 17 de dezembro de 2025.

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