segunda-feira, 15 de dezembro de 2025

Atos contra PL da dosimetria têm críticas ao Congresso e a Motta

Por Joelmir Tavares, Kariny Leal e Caetano Tonet / Valor Econômico

Protestos em São Paulo e no Rio somam cerca de 30 mil, menos da metade do público de manifestações contra a PEC da blindagem

Manifestantes participaram no domingo (14) de atos contra o projeto de lei (PL) da dosimetria, que prevê redução de penas para condenados por golpe de Estado, como o ex-presidente Jair Bolsonaro. Os protestos foram convocados por movimentos sociais e partidos de esquerda e ocorreram nas principais capitais do país, como São Paulo, Rio e Brasília. Além do mote “sem anistia”, os eventos foram marcados por críticas ao Congresso e, especificamente, ao presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB).

Em São Paulo e no Rio, as manifestações reuniram menos pessoas do que as organizadas contra a PEC da blindagem, realizadas em setembro, segundo levantamentos do Monitor do Debate Político do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), uma parceria da Universidade de São Paulo (USP) com a ONG More in Common, que calcula os públicos nas duas cidades a partir de fotos aéreas analisadas com software de inteligência artificial.

Na Avenida Paulista, o número de participantes foi de 13,7 mil. Em setembro, o comparecimento no mesmo local foi de 42,4 mil pessoas. Já na praia de Copacabana, o público estimado foi de 18,9 mil. No protesto contra a PEC, 41,8 mil. A margem de erro do levantamento realizado no domingo é de 12%. Em Brasília, segundo a Polícia Militar, 5 mil pessoas protestaram na Esplanada dos Ministérios.

O foco das críticas a Motta ficou claro nas manifestações na Paulista. Na semana passada, o parlamentar decidiu pautar o PL da dosimetria, de surpresa, na última semana. Entre os coros ouvidos na avenida, um deles era o de “fora, Hugo Motta”.

O deputado estadual Guilherme Cortez (Psol-SP), em seu discurso, referiu-se a Motta como “o maior rato” e “o maior covarde” do país. A dirigente do Movimento dos Trabalhadores sem Teto (MTST) Natalia Szermeta Boulos, que é casada com o ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Guilherme Boulos, puxou uma vaia contra o presidente da Câmara. Procurado para comentar as críticas, Motta não se manifestou até o fechamento da edição.

Presente na manifestação, Boulos minimizou as consequências políticas do embate com o presidente da Câmara.

“O movimento social tem autonomia para convocar manifestações”, afirmou, classificando o protesto como uma resposta à aprovação do PL da dosimetria na Câmara.

O texto deve ser analisado pelo Senado na quarta-feira (17).  Se sancionado, Bolsonaro - que foi condenado a mais de 27 anos de prisão pelo Supremo Tribunal Federal (STF) - não chegaria a ficar nem 3 anos preso caso o texto seja aprovado. Atualmente, o previsto é que o ex-presidente fique em regime fechado até 2033, ou seja, oito anos até poder mudar para o semiaberto.

Ao discursar, Boulos avaliou que o texto é uma “anistia envergonhada” e que o Congresso precisa ouvir “a voz do povo”. O texto foi apresentado como uma alternativa a uma anistia ampla e irrestrita, inicialmente defendida por aliados de Bolsonaro.

“A dosimetria não é nada menos do que uma anistia envergonhada. A gente não quer saber nem de anistia sem vergonha nem de anistia envergonhada”, afirmou Boulos. “Golpista bom é golpista preso”, completou.

Boulos também defendeu que o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) cumpra integralmente a pena a que foi condenado por tentativa de golpe de Estado e pregou união pela reeleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em 2026.

O presidente nacional do PT, Edinho Silva, um dos últimos a discursar no caminhão de som, perto das 18h, fez uma avaliação positiva das mobilizações nacionais, elogiou “a força do povo na rua” e disse que o campo governista estava “disputando a agenda de futuro do Brasil” com “a direita e o fascismo”.

Ele citou medidas de Lula como a reforma da renda e o debate sobre tarifa zero, em oposição à “agenda construída em conluio com as elites” e aos “acordos de gabinete”. “Não vamos recuar para golpista”, conclamou o dirigente petista.

No Rio, após participar de ato em Copacabana, o deputado federal Lindbergh Farias, líder do  PT na Câmara, disse esperar uma reação no Senado em relação ao PL da dosimetria. Ao Valor, Lindbergh disse que, em último caso, Lula deve vetar o PL.

“Eu acho que a gente virou o jogo, Bolsonaro foi preso e nós passamos a fazer mais disputa política”, disse o deputado, que completou: “Essa dosimetria não vai ser votada assim. Vai ter reação no Senado Federal. O presidente Lula veta também. Porque isso é uma espécie de anistia. É uma blindagem para os golpes.”

Também no ato no Rio, o deputado federal Glauber Braga (Psol) agradeceu o apoio dos manifestantes. Na terça (9), Braga foi retirado à força da cadeira da presidência da Câmara federal ao protestar contra a cassação de seu mandato. Depois, na mesma sessão em que livrou a deputada Carla Zambelli da cassação (decisão revertida na sequência pelo STF), a Câmara suspendeu Braga por seis meses.

“Pensaram que com métodos tradicionais de coação ficaríamos calados”, disse. “Queremos que acabem com o orçamento secreto”, disse o deputado.

Os atos foram marcados também pela participação de artistas. No Rio, depois das falas, Caetano Veloso cantou “Alegria, alegria”, dando início à parte artística da manifestação. Em São Paulo, apresentaram-se artistas como Chico César e Zélia Duncan.

O cantor Emicida também participou do ato e entoou gritos de “Hugo Motta, temos vergonha de você”. Chico Buarque também se apresentou e iniciou sua apresentação com “Vai passar”, um dos marcos da ditadura militar, e fez um dueto com Fernanda Torres. O cantor encerrou a canção com gritos de “sem anistia e sem dosimetria”.

Fernanda também falou ao público ao lado do marido, o diretor Andrucha Waddington.

“Estamos aqui para acordar o Congresso. Eles [os congressistas] não podem trabalhar para si mesmos. Ainda estamos aqui”, disse, em referência ao filme “Ainda estou aqui”, do qual é protagonista e se passa no período da ditadura militar.

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