Nada ilustra mais exemplarmente o que as ruas estão criticando do que o uso de um avião da FAB para trazer ao Rio no último fim de semana parentes e amigos do presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves, para assistirem ao jogo do Brasil na final da Copa das Confederações. Ele desculpou-se, admitindo que errara ao dar carona a parentes, mas alegando ter direito a avião da FAB porque teria um almoço de trabalho com o prefeito do Rio, Eduardo Paes.
Ora, Alves não precisava de avião da FAB para vir ao Rio, pois tem direito a passagens pela Câmara e, sobretudo, é um homem rico. Admitir o erro já é um avanço, e restituir o dinheiro, uma necessidade. Mas o fato de a viagem ter se realizado em meio à convulsão das ruas agrava o desvio, mostrando que políticos como o presidente da Câmara não entenderam nada do que está acontecendo no país.
Mais do que reformas políticas, mais do que plebiscitos ou Constituintes, o que o clamor das ruas pede é uma nova postura de nossos homens públicos, uma nova maneira de se relacionar com a coisa pública. Em vez de uma reforma política proposta como a solução mágica para os problemas, o que o povo quer é mais eficiência e transparência no gasto público de todos os que têm mandato.
O presidente do Senado, Renan Calheiros, depois de se fazer de cego diante de um abaixo assinado com mais de 1,5 milhão de assinaturas que pediam a sua saída da presidência, diz que é preciso ouvir o povo nas ruas. E chegou a propor que, se o povo quisesse, o prazo de um ano antes das eleições para fazer mudanças nas regras eleitorais poderia ser alterado. Uma posição irresponsável para conseguir o apoio daqueles que o querem fora do poder.
Os novos meios de comunicação, como as redes sociais, estão demonstrando outras utilidades além de promover manifestações nas ruas do país. É através deles que temos sido notificados das falcatruas que nossos homens públicos praticam, e isso não apenas por denúncias de fatos testemunhados, mas também pelo exibicionismo que esses meios incentivam.
Foi através de uma foto no Instagram que se descobriu que a família Alves estava no Maracanã, assim como, anos atrás, foi pelo Orkut que em 2004 soube-se que o filho do então presidente Lula, Luís Cláudio Lula da Silva, organizou uma excursão de amigos ao Alvorada, com direito a uso de um avião da FAB para transportá-los a Brasília e passeio de lancha oficial pelo Lago Paranoá. Várias mensagens foram postadas nos blogs com fotos posadas ao lado do avião e na lancha.
No governo Fernando Henrique Cardoso, longe ainda dos Facebooks da vida, a farra com jatos da FAB foi um dos principais escândalos, denunciado pelos jornais. Pelo menos seis ministros, um procurador-geral da República e um deputado usaram aeronaves da FAB para ir com as famílias, de férias, para o paradisíaco arquipélago de Fernando de Noronha. A "farra dos jatinhos", como ficou conhecido o episódio, gerou processos, e os políticos foram condenados a ressarcir os gastos.
É cada vez mais comum entre nós a ideia de que o que é público pode ser usado pela autoridade da ocasião como se seu fosse, sem que se faça a ligação entre os gastos públicos e a falta de investimentos no que realmente importa, como alerta o povo nas ruas: educação, saúde, transportes urbanos, segurança pública.
Erro de poeta
A nota oficial do TSE sobre o plebiscito atribui o verso "Cuidado por onde andas, pois é sobre meus sonhos que caminhas" a Carlos Drummond de Andrade, mas o crítico literário e poeta Antonio Carlos Secchin, da Academia Brasileira de Letras, garante que Drummond, uma de suas especialidades, não é o autor. Na verdade, a autoria é do poeta inglês W.B. Yeats (1865-1939), como vários leitores me avisaram.
"Espalhei meus sonhos aos seus pés. Caminhe devagar, pois você estará pisando neles".
"I have spread my dreams under your feet; Tread softly because you tread on my dreams." - "Later poems", página 41 - William Butler Yeats - Forgotten Books, 1924.
Os pontos-chave
1. Nada ilustra mais exemplarmente o que as ruas estão criticando do que o uso de um avião da FAB para trazer ao Rio parentes e amigos do presidente da Câmara, para assistirem à final da Copa das Confederações.
2. Mais do que reformas políticas, plebiscitos ou Constituintes, o que o clamor das ruas pede é uma nova postura de nossos homens públicos.
3. É comum a ideia de que o que é público pode ser usado pela autoridade da ocasião como se seu fosse, sem que se faça ligação entre os gastos e a falta de investimentos em educação, saúde, transportes, segurança.
Fonte: O Globo
Nenhum comentário:
Postar um comentário