sexta-feira, 6 de setembro de 2013

Muita fumaça e muita purpurina – Alberto Goldman

Transcrevo aqui um artigo do meu irmão, Salomão Goldman, médico vascular, escrito para uma revista médica. É compreensível apesar de alguns termos médicos que nos escapam. Ele aborda muito bem a irresponsabilidade do governo federal na apresentação do programa "mais médicos".

A fumaça e a purpurina

É interessante como fatores midiáticos induzem repentinamente a mudanças na opinião pública. Foi com um programa“cidade limpa” em que se proibia cartazes e placas nas ruas, que o ex-prefeito de São Paulo, Kassab, alavancou sua reeleição. Com o programa das UPPs no Rio de Janeiro, houve fuga dos marginais com grande refluxo na criminalidade e sensação de segurança na população. Resultado imediato: a reeleição fácil de Cabral.

Se esse programa do Rio de Janeiro resolveu o problema definitivamente é outra história. Hoje sabe-se que o conluio entre o tráfico e a policia, e até com o aparelho da Justiça vem aparecendo e ainda trazendo outros problemas vindo da “troca de guarda”. O assunto não se encerra a toque de caixa.

Os programas devem ser estudados e implantados após longas discussões com todos os envolvidos e os fatores, sempre múltiplos, devendo ser analisados o mais abrangente possível. Além disso, deve resistir ao tempo, ou seja, serem definitivos.

Ninguém nega que o Plano Real foi um marco na história do País. Definitivo, propiciou a boa resistência do país às crises internacionais que se sucederam.

Agora vemos o plano “Mais Médicos”, que aloca médicos de fora para resolver a falta de profissionais em regiões periféricas.

Evidente se mostra seu caráter midiático, eleitoreiro. Um governo que devolveu 17 bilhões, quase 20% do orçamento da saúde, no ano passado, porque não soube usar, não pode alegar falta de médicos. É falta de competência, sim.

Aí alega-se que médicos apenas com estetoscópio e aparelho de pressão poderão fazer muitos diagnósticos e prescrever medicamentos necessários, salvando muitas vidas. Poderá diagnosticar pneumonia com esteto, ou seja, já em fase avançada, dando antibióticos que “tomara que funcione” sem dados para saber se funciona sem pelo menos um hemograma ou RX para acompanhar a evolução?

Lembro-me do médico de família que tínhamos, hoje nome de hospital em São Paulo, Dr. Moyses Deutsch, pessoa que me inspirou a seguir a profissão, quando diagnosticou minha angina de Plaut Vincent, na década de 60, e resolveu meu problema, mas colhendo material no laboratório para diferenciar com difteria.

Claro que os médicos contratados poderão ser úteis. Mas será uma cortina de fumaça. Os pobres e desassistidos terão a sensação momentânea de amparo.

Vejamos agora, na nossa área, vascular, o que podem fazer os tais médicos:

Palpar pulsos e verificar que há isquemia - Tomara que não piore leve à gangrena...

Verificar úlcera na perna - manda-se elevar os membros e lavar diariamente – Tomara que feche. Fechando, tomara que não volte – e certamente voltará já que não há condições de tratar a causa. Se for Leishmaniose pior.

Varizes? Use meia elástica. É caro? Vai sujar na roça? È quente? Fica em repouso...

Aneurisma de aorta? Será diagnosticado só se aflorar na pele do abdome ou romper e aí Tchau...

Perna inchada? Será TVPA? Dar anticoagulante – Tomara que tenha dinheiro para comprar... Tomara que não dê embolia pulmonar. Heparina? Só em hospital. Portanto deve-se dar cumarímicos, empiricamente, sem controle de INR – Tomara que não dê hemorragia – Tomara que anticoagule...

Dedo do pé vermelho e com pus em diabético – receita de antibiótico – Tomara que não progrida e gangrene a perna toda.

Ora, estamos voltando à medicina nos seus primórdios, empírica, que hoje não prescinde dos avanços tecnológicos que sem dúvida resolveram inúmeros problemas e contribuíram para o aumento da expectativa de vida.

Falar de saneamento básico, água tratada, equipes multidisciplinares, laboratórios de análises, US, RX educação sanitária e de higiene, são “luxos”, que ao governo não interessam.

São gastos “desnecessários”, que a nossa população carente não terá acesso, mas que a propaganda terá atingido seu objetivo maior que é a perpetuação no Poder.

O programa será apresentado como salvação para quem não tem nada e será veiculado com muita “purpurina”.Está aí mais um programa midiático que talvez servirá para eleger os candidatos oficiais, mas não resolverá os graves gargalos que existem na atenção à saúde da população.

Enfermeiras e educadores sanitários poderiam bem resolver essas questões mas com hierarquização e logística bem delineadas. Remoções para níveis maiores de atenção deveriam entrar no programa.

Estudos de prevalência das doenças endêmicas com fluoretação das águas, tratamento dos esgotos, pesquisas de caramujos transmissores da Esquistossomose, mosquitos vetores de malária e chagas, etc, etc, seriam de muito maior valia.

Mas a esse governo só interessa a “purpurina”. Joga-se fumaça nos olhos e se apresenta só o brilho das“lantejoulas”. E aí a verdade será postergada. Interessa apenas o resultado imediato.

Vemos com satisfação o programa estadual do Alckmin, “mais residentes” que prevê maior uso dos hospitais estaduais e filantrópicos para residências médicas com preceptorias bem implantadas. Isto sim poderá alavancar a Saúde como um todo, inclusive nas áreas de atenção primária, com formação de clínicos gerais, pediatras e obstetras hoje em carência.

Se houver boa programação e estímulo, poderemos ter em pouco tempo uma geração melhor formada e treinada.

A verdade prevalecerá sem fumaça nem purpurina.

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