A solidez indiscutível do consórcio vencedor do leilão de Libra neutralizará críticos à ausência de competidores
A descoberta de petróleo na camada do pré-sal, em 2010, foi anunciada com a retumbância das salvas de canhão com que os representantes da Coroa saudavam um novo e grande garimpo de ouro nas Minas, no século 17. O Brasil seria enfim uma potência petrolífera, com o futuro assegurado. Profecias à parte, o tempo do pré-sal começou ontem, com o leilão do Campo de Libra, festejado pelo governo Dilma como um "sucesso absoluto": o modelo de partilha adotado foi aprovado e o consórcio vencedor é de solidez indiscutível. Dilma teve um de seus dias mais felizes no governo, disseram auxiliares. Mas como só houve um competidor, vitorioso com uma proposta sem ágio, críticos e adversários poderão também dizer que houve desinteresse das outras petroleiras habilitadas, que não apresentaram propostas, quaisquer que sejam as razões delas.
Afora os aspectos econômicos de um negócio que não fará o óleo jorrar agora, embora vá aportar, na assinatura do contrato, cerca de R$ 15 bilhões ao Estado brasileiro, o êxito ou o fracasso do leilão teriam implicações político-eleitorais para a presidente Dilma Rousseff. Mesmo com os reparos que possam ser feitos ao resultado, um fracasso — como aquele do leilão da rodovia BR-50, em setembro, que foi anulado porque não apareceu um único grupo interessado na concessão — teria efeitos desastrosos, fosse para o programa de exploração em si, fosse para a imagem da presidente, que apostou no modelo de partilha, contra algumas opiniões especializadas, e no êxito do primeiro leilão ainda este ano. Para garantir a segurança jurídica, os advogados da União travaram uma guerra judicial para derrubar as tantas liminares que foram concedidas nos últimos dias contra o leilão. Num momento em que a proximidade da disputa eleitoral faz subir o tom das críticas ao estilo voluntarioso, ao centralismo e às certezas técnicas da presidente, um fracasso municiaria fortemente os adversários. Os sites e os perfis das candidaturas de Eduardo Campos/Marina Silva e de Aécio Neves na internet, sempre ativos, até o começo da noite mantinham silêncio sobre o resultado. Os tucanos poderão sempre dizer que, afinal, o PT ajoelhou e beijou a cruz, reconhecendo a importância do investimento privado e as limitações do Estado.
"Libra será um divisor de águas entre passado e futuro", trombeteou o ministro das Minas e Energia, Edison Lobão. As línguas críticas, ontem contidas, ainda vão se soltar. Mas, ainda que o maior campo petrolífero do mundo oferecido ao setor privado tenha sido arrematado por lance único e sem ágio, a junção de empresas como Petrobras, Shell (Reino Unido-Holanda), Total (França) CNPC (China) e CNOOC (China) já calou ensaios de críticos. A solidez é indiscutível. E tendo a Petrobras ficado com 40% da sociedade (30% que já teria mais 10% que adquiriu ao associar-se), o governo poderá acalmar setores do PT e da base aliada (como o senador Roberto Requião), que temiam a entrega total da reserva ao capital estrangeiro. Ainda que isso pouco signifique para os grupos anarco-esquerdistas que armaram uma praça de guerra na região do leilão. Dilma pode celebrar. Os adversários, nem por isso, deixarão de alfinetar. Estão na oposição porque têm ideias diferentes para o Brasil, seus problemas e riquezas.
Flores do mal
"Se a liberdade significa alguma coisa, será sobretudo o direito de dizer às outras pessoas o que elas não querem ouvir." Isso é George Orwell, que apostou vida e obra na defesa da liberdade e no combate ao totalitarismo, que resume todos os ismos do mal.
O debate sobre limites ou não para biografias seria um bom exercício. Não está sendo, até aqui, porque há algo vagamente maccartista na forma como vêm sendo tratados os artistas e os agentes culturais do grupo Procure Saber. Na mídia e nas redes sociais, estão sendo verbalmente trucidados pelos que não gostaram do que eles disseram. Mais ainda, pelos que acham que não tinham o direito de dizer o que disseram. Logo, direito à divergência.
De repente, essas figuras míticas, sobre as quais pairava certa unanimidade, estão provando deste ácido que vem se infiltrando entre nós, o do pensamento único. O que disseram Chico Buarque, Caetano Veloso e outros, quem resumiu foi Paula Lavigne, ao afirma que estamos diante do duelo entre dois gigantes: as garantias constitucionais à liberdade de expressão e à privacidade. A defesa de um desses direitos não pode significar a negação do outro. Estigmatizá-los como defensores de censura prévia porque lembram o direito à privacidade parece-me um pouco demais. Um fruto verde dessa mentalidade que vem ganhando força, a de negar ao outro o direito a pensar diferente. Ela brotou na política e está se espalhando.
O STF prepara uma audiência pública sobre o tema, mas quem precisa correr é o Congresso, para aprovar uma lei pautada pelo bom-senso. Algum ponto de equilíbrio tem que existir entre o direito à liberdade de expressão, pelo qual esses artistas e todos nós lutamos na resistência e na transição, e a privacidade, essa legítima aspiração do ser humano a proteger o que é muito seu, especialmente a dor: aquilo que nada tem a ver com obra, vida pública ou coisa republicana.
Fonte: Correio Braziliense
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