"Entidades e sindicatos ligados ao setor têxtil fizeram ontem manifestação de protesto em frente ao Palácio das Convenções do Anhembi, onde acontece a abertura da GoTex Show, feira internacional de produtos têxteis." A matéria, publicada na edição de 24 de outubro do jornal O Estado de S. Paulo, informava que o movimento se destinava a "chamar a atenção para o aumento das importações, vindas principalmente da China e da Índia, e o consequente crescimento das demissões do setor no Brasil". Cerca de 55 mil operários teriam perdido o emprego desde o início deste ano.
A indústria têxtil, que conheci nos anos 1960, quando se encontrava no auge da força, tinha grandes fábricas no bairro do Brás, em São Paulo, e em cidades interioranas do Estado, como Jundiaí, Americana, Itu, Sorocaba e Porto Feliz. Era o tempo em que sindicatos de tecelões lideravam movimentos reivindicatórios e promoviam greves. As grandes paralisações gerais de 1917, 1953 e 1963 contaram com a maciça presença de trabalhadores e dirigentes sindicais têxteis, como Antônio Chamorro, um dos principias líderes das duas últimas.
A partir dos anos 80, porém, iniciou-se lenta e inexorável decadência. Empresas familiares centenárias, com milhares de operários, incapazes de disputar em qualidade e preços com produtos importados que ingressavam no País por vias legais ou contrabandeados, enfraqueceram, agonizaram, fecharam os portões, demitiram legiões de empregados. O desaparecimento das Indústrias Reunidas Fábricas Matarazzo - integradas por 350 empresas, compreendendo estaleiros, metalúrgicas, químicas, papeleiras, fábricas de tecidos, de macarrão e de velas - indicou o final da era de ineficiência camuflada pela inflação e acobertada pelo Estado.
A debacle da indústria já não se limita ao setor têxtil, embora nele tenha principiado. Nos últimos anos alcançou dimensões alarmantes. Com exceção das montadoras, amparadas por tratamento diferenciado do governo, outros segmentos enfrentam crises semelhantes àquelas que atingiram em cheio obsoletas fiações e tecelagens. Basta dedicar atenção a nossas residências, nossos escritórios e oficinas. O rol de importados revela as dimensões da desindustrialização, com perda crescente de espaço dos artigos nacionais.
O fenômeno não é fruto único de agressiva concorrência externa, mas também de proverbial displicência interna. Existem fatores que fazemos por ignorar, dado o vezo de debitarmos a terceiros responsabilidades que a soberba nos impede de admitir.
O mesmo Estado, na edição de 21 de outubro, estampava a matéria Chery traz até vigas da China para nova fábrica. Trata-se da planta industrial em construção no município paulista de Jacareí, projetada para produzir 50 mil automóveis em 2014, com investimentos de US$ 530 milhões. Foram três viagens marítimas, com duração média de 30 dias, e 150 carretas para transportar vigas de aço (feitas com minério de ferro do nosso subsolo) que custaram menos do que se fundidas fossem no Brasil.
A Petrobrás, orgulho dos brasileiros, constituída com capital do povo, depois de décadas de crescimento entrou em crise. Ações compradas pelos trabalhadores, após campanha promocional que as apresentava como sólidas garantias de poupança para os anos de aposentadoria, subitamente se diluíram, com prejuízos incalculáveis e talvez irreparáveis para pequenos investidores. A autossuficiência nacional passou a ser desmentida pelos fatos e o monopólio, instituído em 1954 e incluído pela Constituição de 1988 entre os direitos fundamentais da Nação, deu lugar à terceirização, com a entrega da exploração do pré-sal a empresas estrangeiras.
Nosso eterno subdesenvolvimento resulta de fatores como elevada carga tributária, precária infraestrutura, burocracia ibérica, insegurança jurídica aguda, endêmica corrupção. Relações trabalhistas são mantidas sob tutela de legislação arcaica, da década de 1940, que resiste às mudança em nome de suposta falta de discernimento mental do operariado, visto como incapaz ou hipossuficiente desde a ditadura Vargas. O sindicalismo segue dirigido por velhos pelegos, cujas atenções se concentram na arrecadação de dinheiro fácil, destinado a financiar partidos e campanhas eleitorais.
Segundo informações veiculadas pela imprensa, o preço da mão de obra subiu, no acumulado de 2011 e 2012, mais de 25%, o que vem a agravar a perda de competitividade. China, Índia, Coreia do Sul jamais tomarão medidas adversas aos seus interesses internos. O Brasil, por sua vez, apesar dos 200 milhões de habitantes, é quase nada no cenário internacional, salvo como produtor de minérios e alimentos. Transferir para asiáticos vícios que nos debilitam é incogitável. Erguer duras barreiras às importações descontentaria o consumidor e atrairia sanções da Organização Mundial do Comércio.
Países bem governados cuidam do povo e do futuro. Com mais de 1,2 bilhão de habitantes, a China não se dá ao luxo de viver folgadamente. O mesmo sucede com a Coreia e o Japão. Para chineses, coreanos, japoneses trabalho é dever, honra, religião. Entre nós é condenação bíblica, dor, sofrimento. O PT no governo tem como bandeira a cultura da ociosidade e não cessa de explorar e punir quem produz e gera empregos. Vejo aproximar-se o momento em que, além de vigas, máquinas, ferramentas, tecidos, enxovais de bebê, o Brasil se tornará importador de vasos sanitários, pregos e alfinetes.
Com a economia no limiar da crise, contas públicas no vermelho, corrupção à solta, cardeais do PSDB cultivam insidiosa disputa para determinar o candidato em 2014. Bom para Dilma, que poderá ser vitoriosa no primeiro turno.
Advogado, foi ministro do Trabalho e presidente do Tribunal Superior do Trabalho
Fonte: O Estado de S. Paulo
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