- O Estado de S. Paulo
Se a tragédia futebolística afetará as eleições, ainda é uma incógnita, mas desde já abrevia a trégua que a Copa representou para o governo e acelera a retorno à realidade da população, que voltará ao cotidiano de dificuldades após a final do próximo domingo.
Com a seleção fora da Copa, de forma humilhante, a semana que antecede a final serve para que a ficha caia aos poucos, antes que transportes, segurança, saúde e inflação voltem ao dia a dia na mesma proporção em que os turistas e atletas retornem aos seus países.
Foi bom enquanto durou, o congraçamento dos povos e a esperança de um resultado melhor para a seleção. Mas a festa acabou e vale lembrar que o mau humor do contribuinte antecede o evento esportivo em, pelo menos, um ano, quando houve a primeira manifestação nas ruas pelo chamado padrão Fifa.
Padrão que acaba também junto com o torneio. A segurança exaltada pelos estrangeiros que vieram ao país para a Copa é tão atípica quanto a goleada alemã. Sem Copa, o exército deixa as ruas, um jogo do campeonato brasileiro não mobilizará dois mil policiais, nem haverá feriados que perenizem o bom desenvolvimento do trânsito.
Certamente oposição e governo não acreditam na influência do futebol nas eleições, mas é certo que o êxito do evento representou para o governo um ganho por ter sido precedido de legítima expectativa em sentido contrário.
Serviu para interromper o clima de insatisfação, com o país em festa. Da mesma forma, a goleada alemã foi um anticlímax, menos pela derrota e mais pelo diagnóstico que o placar significa para o futebol brasileiro, cuja gestão recebeu seu atestado de óbito.
Para a presidente Dilma, foi-se a oportunidade de prolongar os efeitos da má avaliação da gestão de seu governo, que chegou a experimentar uma tolerância maior, registrada na pesquisa mais recente, que a mostrou com mais três pontos.
De qualquer forma, dificilmente mesmo um resultado positivo da seleção revogaria o quadro de dificuldades que cerca o projeto de reeleição do PT. Além da percepção aguda dos problemas econômicos pela população, há um cenário de alianças desfavoráveis à presidente em estados estratégicos.
O desfecho dramático no plano do futebol, porém, ajuda a repor as coisas no lugar. O governo vinha manipulando o êxito da festa com críticas aos que cobravam padrão Fifa para os serviços públicos aos que afirmaram que não haveria a Copa e aos que tentaram boicotá-la, atribuindo essas manifestações à oposição e à imprensa.
Nem uma, nem outra, no entanto, está entre esses “pessimistas impatrióticos”, como os classifica o governo. O padrão Fifa era nada mais que o desejo de que o que funcionou na Copa funcione todo dia – e esse sentimento perdura. Aqui o governo corre o risco de ampliar seu desgaste, pois não tem como sustentar o padrão que funcionou na Copa após seu término.
O movimento que ameaçava boicotar a Copa jamais correu o risco de dar certo, pois dependia da violência de militantes que expulsaram das ruas os manifestantes ordeiros, mas que não se dispuseram a enfrentar o policiamento especial montado para o evento.
Desde o primeiro momento, os governos jogaram duro com manifestantes para arrefecer o ânimo de ações durante a Copa. O governo de São Paulo chega ao final do evento com legislação aprovada proibindo máscaras em manifestações, avançando o passo que o governo federal ensaiou e refugou.
O país retoma mais cedo sua rotina com os velhos problemas de volta à pauta. O governo segue desgastado pela economia, inflação fora da meta, corrupção em evidência e estagnação nas pesquisas.
O futebol, se influir, será no contexto de uma percepção geral de que nem na última trincheira da autoestima nacional o país se viu blindado dos problemas de gestão que não poupam nem mais o futebol dentro de campo.
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