Não existe mais base aliada do governo e sim uma ampla e caótica união dos partidos contra o governo. Acirrando a crise política e o processo de desagregação da coordenação do Planalto, os deputados, por uma maioria de 445 a 16, votaram pelo irresponsável alinhamento dos salários da Advocacia Geral da União e delegados da Polícia Federal aos do Judiciário, uma conta extra de R$ 2,45 bilhões para finanças públicas deficitárias. Até mesmo o PT votou contra os interesses do governo. PDT e PTB, com ministérios na Esplanada, avisaram que não integram mais o grupo de apoio no Congresso.
A deterioração do apoio político mudou de qualidade após a votação de anteontem. A rebelião de ontem não foi apenas mais uma. As condições que a precederam foram especiais. Houve uma tentativa coordenada de apaziguamento do governo. A presidente Dilma Rousseff recebeu os líderes partidários em jantar e o vice-presidente Michel Temer, coordenador político, reuniu-se em separado com líderes das bancadas dos partidos aliados da Câmara e do Senado.
Enquanto o ministro Joaquim Levy, de um lado, repetia que a situação econômica é séria, e o ministro-chefe da Casa Civil, Aloizio Mercadante, espalhava incomuns elogios ao PSDB, Temer, de outro, fez apelos para que os partidos levem em conta o interesse do país e ajudem a recuperar uma economia mergulhada na recessão. Temer deixou no ar estranho recado, com sujeito indefinido: "É preciso que alguém tenha a capacidade de reunificar a todos", disse. Essa tarefa agora cabe a ele, coordenador político, que tem fracassado e, em última instância, à presidente da República, que delegou a tarefa. Depois de tantas palavras fortes em uma mesma direção, os deputados em seguida derrotaram mais uma vez fragorosamente o governo. As bancadas deixaram de seguir a orientação dos líderes, condição que pressagia novas demonstrações agudas de irresponsabilidade.
Há várias "pautas-bomba" no Congresso, que os líderes das legendas aliadas ao governo prometeram não votar. Essa promessa, como se viu na votação de anteontem à noite, perdeu rapidamente a validade. Trabalhando para manter o Planalto de mãos amarradas, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), detonou o PT de duas CPIs importantes - em uma delas, a do BNDES, o governo está na berlinda. O presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), sentou em cima do projeto de reoneração da folha de pagamentos, tornando quase uma certeza que o dinheiro esperado com a medida não mais entrará nos cofres do Tesouro este ano.
Refém inerme de forças poderosas sobre as quais perdeu a capacidade de influir, a presidente Dilma viu sua popularidade ceder ainda mais um pouco na pesquisas - o Datafolha exibiu ontem que só 8% consideram seu governo, ótimo ou bom, o pior resultado de um presidente após a redemocratização. A porta de saída do beco em que se encontra é a improvável reação da economia a curto prazo. Os investidores, diante da deterioração política e econômica, estão empurrando o real para baixo e as taxas de "crédito default swap" para cima.
O programa do PT que foi ao ar ontem mostra que o partido não consegue sair do córner. Além de repetir realizações do passado, voltou à velha ladainha de atacar o PSDB por "tumultuar a política" e alertar para a crise política que "ameaça a democracia", quando a fuzarca atual decorre do desgarramento da base aliada, com ajuda dos tucanos, que rasgaram seus princípios e aprovam as piores propostas no Congresso.
Há um vácuo no poder que terá de ser logo preenchido - os ventos da política estão todos agora nessa direção. As tentativas de impeachment não devem prosperar antes de o Tribunal Superior Eleitoral reprovar as contas de campanha de Dilma e anular a eleição (improvável) e dos termos em que o Tribunal de Contas da União rejeitar a prestação de contas do governo.
Na ausência de quebra de continuidade do mandato da presidente Dilma, a travessia de mais de três longos anos poderia ser tentada de várias formas, com graus variados de risco. O governo pode fazer uma reforma ministerial bombástica, reunindo o que de melhor possa existir nos partidos aliados e na sociedade civil, buscando assim resgatar a credibilidade perdida. Ou então se resignar a um gabinete de união nacional. Em ambos os casos, o PT deixará de ser preponderante nos ministérios e o poder de Dilma será drasticamente cerceado.
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