• Falta ao governo convicção e perseverança
- Valor Econômico
"Nelson (Rodrigues) tinha razão ao dizer que a impopularidade da política econômica me tornava mais solitário que Robinson Crusoé, numa ilha deserta, sem radinho de pilha. E chamava-me de idiota da objetividade pela minha recusa a adoçar, com uma pitada de demagogia, o bolo amargo da lógica econômica."
O texto acima é de Roberto Campos, em "Lanterna na Popa", mas poderia muito bem ter sido escrito ontem pelo ministro da Fazenda, Joaquim Levy.
Solitário no governo, ele não conseguiu evitar a perda do grau de investimento que foi conquistado pelo país em 2008, quando o então presidente Lula dizia que o Brasil vivia um momento "mágico". É fato que Levy avisou, por dezenas de vezes, do risco. Mas ninguém deu muita importância.
O governo, como disse a própria presidente Dilma Rousseff em entrevista ao Valor, publicada na edição de ontem, quer trilhar um caminho intermediário entre a ortodoxia e o desenvolvimentismo. A busca de uma via alternativa associada à falta de senso de urgência levou ao rebaixamento do rating soberano.
Os efeitos da perda do grau de investimento, conforme decisão da Standard & Poor's divulgada na noite de quarta feira, não se esgotam nas mudanças dos preços dos ativos nos mercados.
Seu desfecho será uma recessão mais profunda e mais prolongada. Empresas cujo rating era sustentado pelo grau de investimento da dívida soberana também perdem o selo de qualidade. Ontem foi a vez da Petrobras. O crédito para as empresas ficará mais caro e, com mais dificuldade em obter financiamentos, o setor privado investirá ainda menos e desempregará mais.
Ontem várias casas financeiras reviram a queda do PIB este ano de algo entre -2% e -2,5% para o intervalo de -2,5% a -3%. A recessão deverá se estender para 2016 e o desemprego poderá atingir entre 10% e 12% no início do próximo ano.
Nessas circunstâncias, as perguntas sem respostas são inquietantes: Levy permanecerá no governo? E Dilma, aguentará dois anos de recessão e desemprego nas alturas? Ou sairá antes do fim do mandato?
Para situações emergenciais, caberiam medidas emergenciais. Levy quer cortes drásticos nos gastos para cumprir a meta de superávit primário de 0,7% do PIB para 2016. Precisará de cerca de R$ 64 bilhões entre redução de despesas e aumento de receitas para cobrir o déficit de 0,5% do PIB do orçamento de 2016 e gerar o superávit.
A presidente olha item por item a tabela da composição de despesas primárias, da proposta orçamentária para o próximo ano, e não vê onde é possível passar a tesoura. Durante a entrevista ao Valor, ela citou despesa por despesa. As obrigatórias somam R$ 960,2 bilhões e destas, R$ 743 bilhões (77,4%) correspondem a previdência social e pessoal da União. As despesas discricionárias não contingenciáveis equivalem a R$ 135,3 bilhões e as contingenciáveis, R$ 151,1 bilhões. Destas últimas, R$ 42,4 bilhões resultam do orçamento do PAC e R$ 72,7 bilhões dizem respeito aos demais gastos. Argumenta que já está tudo muito enxuto. "Como contingenciar R$ 64 bilhões, hein? Como?", indaga a presidente.
Ela mesma responde, apontando cortes para uma parte dos gastos obrigatórios e ressaltando o inexorável aumento de impostos, tal como sugerido pelo ministro Nelson Barbosa, do Planejamento. Foi dele a ideia de apresentar ao Congresso um projeto de lei com déficit orçamentário. O déficit e a falta de coesão no gabinete da presidente foram mencionados pela S&P como uma das razões para o Brasil ganhar grau especulativo.
Uma ideia de elevação das receitas atrai o Palácio do Planalto: a criação de um tributo temporário sobre a intermediação financeira, conforme discutido com o setor financeiro. A base seria semelhante à da malfadada CPMF, mas haveria um sistema de alíquotas decrescentes ano a ano até zerá-la, extinguindo, assim, a contribuição. Nesse meio tempo, o governo viabilizaria a redução dos gastos públicos. Uma das condicionantes dessa proposta é que o ajuste seja dividido ao meio, sendo parte coberto pelo novo tributo e o restante por cortes de gastos.
A sugestão de elevação da Cide sobre combustíveis também chegou ao gabinete presidencial. Na hipótese de a Cide subir para R$ 0,60 por litro de gasolina, a arrecadação é estimada em quase R$ 15 bilhões. Destes, cerca de R$ 5 bilhões seriam partilhados com os Estados, também em dificuldades financeiras, além de mais R$ 5 bilhões que os governadores receberiam em ICMS. Consideram-se R$ 10 bilhões líquidos para a União muito pouco para o tamanho do ajuste necessário, além do que os Estados, beneficiários de uma parcela do tributo, não concordariam, jamais, com sua vigência provisória. E o impacto da Cide sobre a inflação é alto, estimado em 0,9 ponto percentual.
Uma das poucas sugestões de corte de gastos foi abatida no nascedouro: a suspensão da correção dos salários do funcionalismo público. A presidente, que briga para manter seus vetos a propostas de aumento do gasto público no Congresso, não vê condições políticas para tal medida. Sobre a hipótese de mudar a lei de reajuste do salário mínimo, então, nem pensar.
Com o aprofundamento da recessão, outra questão que se coloca é qual será a ação do Banco Central nas próximas reuniões do Copom. Embora o mercado estivesse prevendo, ontem, aumento de até 150 pontos na taxa Selic, há quem no próprio mercado avalie que o comitê pode começar a reduzir os juros ainda este ano, premido pela recessão e desemprego.
De acordo com essa visão, estaria em curso uma forte pressão desinflacionária vinda da retração da economia que tornaria a inflação de 2016 o menor problema da autoridade monetária.
A consequência mais drástica do rebaixamento do Brasil de grau de investimento para grau especulativo ("junk") com perspectiva negativa é a contração do crédito externo para o país, tanto para as empresas quanto para os bancos que captam lá fora para emprestar domesticamente.
Se há uma coisa que o Brasil não precisa é de mais problemas. Precisa, sim, é de convicção e perseverança.
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