• A incerteza, a indefinição e a falta de rumo deverão persistir, o que pode levar o país a situação insustentável
- Valor Econômico
A conjuntura política e econômica deteriorou-se gravemente e tornou-se instável e errática nos últimos meses. A perda de confiança na política econômica e de apoio político, que o governo vem sofrendo desde 2013, se agravaram depois da reeleição. O sentimento de traição tomou conta da maioria da população, com a súbita mudança no diagnóstico da situação econômica e na reorientação da política econômica.
Com isso, os índices de rejeição do governo cresceram explosivamente e dois terços da população reprovam a gestão. O relacionamento com o Congresso também se deteriorou e o governo teve que entregar a articulação política para o vice-presidente Michel Temer do PMDB e a gestão econômica para Joaquim Levy, ex-diretor do Bradesco. Na prática, isto significou uma renúncia branca do governo petista, entregando a gestão política e econômica-financeira para quadros estranhos ao PT.
Infelizmente, este governo também não foi capaz de oferecer à sociedade um conjunto de medidas de política econômica alternativas e convincentes que trouxessem a confiança de volta e abrissem novo horizonte para a economia brasileira. O ministro da Fazenda só se limitou a apresentar um plano modesto de ajuste fiscal, que logo foi abandonado.
É evidente que o PT não se conformou com esta situação. A consequência foi que o articulador político se sentiu sabotado, sem poder e afastou-se do cargo. O ministro da Fazenda, percebendo que, em vez de ajuste fiscal, o que está ocorrendo é um desajuste fiscal e rápida deterioração da situação econômica, tornou-se demissionário do cargo.
Neste quadro, o governo, para fechar a sua proposta de orçamento para 2016, propôs a volta da CPMF, para três dias depois retirar a proposta, dada a forte reação contrária da sociedade. Assim, revelou-se o verdadeiro pensamento petista contido na proposta orçamentária apresentada ao Congresso, qual seja, uma proposta com expansão nos gastos públicos e reajuste tanto do salário mínimo, como do salários dos funcionários públicos. Ambos injustificáveis, dada a gravidade da crise fiscal, e jogando no colo do Congresso um déficit de R$ 30,5 bilhões.
São estes fatos que revelam o verdadeiro pensamento do PT. O partido é voluntarista e instrumenta-se na sua crença de que a intervenção discricionária do Estado é solução para todos os problemas. Enquanto isso, a sociedade brasileira tem evoluído e demandado uma nova ordem política moderna, baseada na vigência da lei, para que ela tenha canais eficazes para fazer chegar as suas demandas e que o Estado tenha uma burocracia com competência para suprir serviços com qualidade e principalmente para fazer as mudanças requeridas.
A sociedade intui aquilo que os economistas sabem, que o deficit e a dívida públicas trarão resultados desagradáveis no futuro: mais impostos, isto é, menos crescimento economico; mais inflação ou algum tipo de calote da dívida.
Grande parcela da população quer o impeachment, mas não confia no nosso sistema partidário, nem nos nossos políticos. Assim, não resta senão ir às ruas para protestar. A lei que regula o impeachment é velha e genérica, pois o Congresso ainda não regulamentou a Constituição de 1988 nesta questão. Com isso, a classe política não se posiciona ou não se decide, portanto a nossa ordem política e institucional é falha. Se tivéssemos adotado o parlamentarismo, a solução institucional estaria dada.
O nosso problema é o que fazer com uma presidente que tem apenas 7% de apoio e tem ainda três anos e meio de mandato? O mandato por enquanto é legítimo até que surjam provas. Mas o que acontecerá com a economia brasileira até aquele prazo? É difícil de acreditar que Palácio do Planalto seja de repente iluminado por uma sabedoria econômica, que faça o ajuste fiscal, as reformas necessárias e redefina completamente as suas relações com a sociedade e com o Congresso Nacional.
Certamente a incerteza, a indefinição e a falta de rumo deverão persistir, o que pode levar o país a uma crise de confiança mais grave e que torne a situação insustentável. A divisão da sociedade e os conflitos poderão ser crescentes e podemos ter mais três anos de recessão e estagnação prolongada. Cabe alertar que é perfeitamente possível, não digo provável, termos catástrofes. Sabemos que crises de confiança, quando se aprofundam, podem gerar fenômenos catastróficos. O que detonou a depressão dos anos 30 e a atual crise financeira global foi uma crise de confiança. As hiperinflações são detonadas também por crises profundas de confiança.
O mais preocupante é que as nossas instituições são falhas. Por exemplo, a atual crise fiscal tem raiz na ausência de uma instituição fiscal que defina limites e restrições claras ao processo de financiamento do déficit público. Na nossa configuração institucional, o Executivo pode ter déficits públicos ilimitados já que o Banco Central acabará financiando, com moeda indexada, isto é, no overnight, como já vem acontecendo crescentemente.
O Estado é a única entidade da sociedade que é líquida porque tem o monopólio da emissão de moeda, mas no Brasil os títulos públicos são substitutos quase perfeitos da moeda. Isso ocorre dada a peculiar regra operacional do Banco Central de liquidação de títulos públicos na conta de reserva bancária com a chamada "zeragem automática", tornando a política monetária totalmente passiva. É preciso lembrar que quando a sociedade perde totalmente a confiança no governo e dá um basta, o que temos é hiperinflação, que se dá pela rejeição total da moeda emitida pelo Estado e pela debandada dos ativos líquidos para o dólar e outros ativos e bens físicos, detonando explosivamente seus preços.
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Yoshiaki Nakano, com mestrado e doutorado na Cornell University, é professor e diretor da Escola de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV/EESP)
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