- O Globo
O jurista Joaquim Falcão, em recente entrevista ao jornal “Valor”, recomendou que ninguém se precipite em tirar conclusões sobre o resultado o julgamento do Supremo Tribunal Federal sobre o rito do impeachment “pois esse é um longo processo, com muita incerteza no ar”. De fato, os embargos de declaração que serão impetrados no STF, pelo (ainda) presidente da Câmara, Eduardo Cunha, e por partidos de oposição, por seus efeitos infringentes (modificativos), poderão alterar o resultado do julgamento.
Mais uma vez estará como ponto central da disputa a figura de Cunha, a quem o ministro Luís Roberto Barroso, que liderou a divergência ao voto do relator Edson Fachin, acusou de ter atuado como o dono da bola que decide alterar as regras em meio ao jogo.
No fundo, segundo juristas ouvidos, discutir normas regimentais é um pântano que o Supremo deveria evitar sempre que possível — e não apenas para preservar o poder da Câmara de interpretar sua própria organização interna. Essas normas são complexas, potencialmente contraditórias, e cheias de problemas ocultos.
E, é claro, Cunha sabe tudo de Regimento e Barroso desceu a um grande nível de detalhe regimental, sobretudo no voto escrito. Juristas veem um possível problema no argumento de Barroso: de um lado, ele diz que, pelo artigo 33 do Regimento Interno da Câmara, conforme autorizado pela Constituição e em respeito à autonomia partidária (ponto que enfatizou no voto), a Comissão Especial não é escolhida, mas sim designada pelos líderes.
De outro, porém, enfatiza que, nesse caso, a Comissão deve ser eleita por voto aberto, alegando que gostaria de seguir o rito definido pelo STF para o impeachment do ex-presidente Collor. Naquela ocasião, houve consenso partidário em torno dos nomes para a Comissão, sem necessidade de disputa, e a votação foi por voto simbólico.
Se quem designa são os líderes, é estranho que haja eleição no Plenário para escolher esses membros. Além do mais, esse entendimento não é necessariamente algo com que todos os ministros que votaram com Barroso concordam. “Simplesmente não há eleição alguma”, afirma Barroso a certa altura de seu voto.
Mas o advogado Jorge Beja, do Rio, notou uma incongruência na ata aprovada por todos os ministros do STF. Na ata, o resumo da decisão é diametralmente outro. Diz: “Quanto à cautelar incidental (forma de votação), por maioria, deferiu-se integralmente o pedido para reconhecer que a eleição da comissão especial somente pode se dar por voto aberto, vencidos os ministros Edson Fachin, Teori Zavascki, Dias Toffoli, Gilmar Mendes e Celso Mello”. Note-se que se todos mantiverem suas posições, basta que um dos ministros que votou com Barroso mude seu voto para reverter a decisão.
O que a ata do STF parece sugerir é que nem todos os ministros endossam os argumentos regimentais que o Barroso usou. Há uma questão que será explorada por Cunha: a Constituição, no art. 58, refere-se à formação de comissões permanentes e temporárias, indicando que devam ser constituídas na forma e com as atribuições previstas no respectivo regimento interno (seja da Câmara ou do Senado) “ou no ato de que resultar sua criação”.
A alegação da Câmara será que a formação da Comissão Especial foi realizada conforme o art. 218, §2º, que trata especificamente de impeachment: “Recebida a denúncia pelo Presidente, verificada a existência dos requisitos de que trata o parágrafo anterior, será lida no expediente da sessão seguinte e despachada à Comissão Especial eleita, da qual participem, observada a respectiva proporção, representantes de todos os Partidos”. Por que usar o artigo 33, que fala genericamente nas comissões temporárias, quando há um artigo específico sobre impeachment? E o artigo 188 determina quais são os casos em que não pode haver “votação secreta”, sem incluir a formação da Comissão. Logo, alegam especialistas que apoiam a decisão de Cunha, não poderia o STF estabelecer que não haverá eleição para formar a Comissão.
E não poderia o STF estabelecer que alguma votação que se faça em relação a essa Comissão não possa ser por votação secreta. Se assim o fizer, o STF estará violando suas atribuições constitucionais e passando a atuar como Poder Legislativo, já que estaria acrescentando um inciso ao §2º do art. 188 do Regimento Interno da Câmara.
Resta a explicação de Barroso de que a “eleita” pode significar “escolhida”, segundo alguns dicionários. Mas essa é uma discussão mais de filologia do que jurídica.
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