- O Globo
Nesta semana, vi um documentário sobre a perseguição do governo Nixon contra John Lennon. Pacifista, crítico de Nixon, Lennon tinha grande influência sobre 11 milhões de eleitores que iriam às urnas com a redução da idade mínima para votar. O governo Nixon moveu um processo de deportação contra Lennon. Foi derrotado, a partir de uma grande pressão internacional da juventude. Entre os legados desse período está uma canção de Lennon intitulada “Gimme some truth”. Ela trata do governo Nixon e pede algo que um governo envolto em práticas ilegais não pode dar em troca: a verdade.
A exigência de ouvir a verdade era ao mesmo tempo uma crítica à sucessão de mentiras do grupo de Nixon e uma aspiração de milhões de jovens americanos. O tempo passou, revolução digital no meio do caminho, e hoje é possível afirmar que o pedido de Lennon transcendeu a juventude: é um amplo desejo social.
O caso do governo Nixon contra Lennon tem relação com o Brasil de hoje. Embora incurso em outros artigos do Código Penal, o governo do PT nesses 12 anos tem a mesma recusa em aceitar a verdade. Independentemente de nuances políticas, governos ilegais não têm outro caminho senão construir uma narrativa de fuga, um cipoal de álibis. Essa incapacidade de nos dar alguma verdade parece incomodar dois quadros importantes do partido: Patrus Ananias e Jaques Wagner.
Nessa virada de ano, como se cumprissem uma promessa de réveillon, disseram: um, que o PT precisava pôr a mão na consciência; o outro, que o PT se lambuzou no poder. É uma reação tardia. Durante tanto tempo, a mão esteve no bolso dos brasileiros, estranho que só agora se desloque para a consciência. Jaques Wagner disse alguma verdade ao afirmar que o PT se lambuzou no poder. Mas o fez de forma tão hábil que parecia atenuar a culpa por ser um réu primário.
O PT teria chegado ao poder e reproduzido as práticas que condenava nos outros. Acontece que isso é apenas um fragmento da realidade. O PT, como nunca antes na História, transformou a corrupção num instrumento de governo e base para se perpetuar no poder. Fundos de pensão, estatais, empreiteiras, teles, tudo passou a ser fonte de recursos. Os aliados foram comprados no Mensalão e ganharam lugares estratégicos para saquear a Petrobras.
O PT montou um esquema que produziu fortunas. Sua passagem pelo governo, além de tornar a prática sistemática e abrangente, fez da corrupção no Brasil um tema internacional com desdobramento em várias cortes. Possivelmente, a tática dos dois quadros políticos, diante das resistências internas, é apenas uma proposta gradativa da verdade. É uma tática que só funciona quando o poder é o único a deter a realidade dos fatos. Mas hoje eles são públicos, através de dados da polícia, delações, reportagens investigativas.
A imagem que me vem à cabeça é a do colégio de freiras Stela Matutina, onde minha mãe estudou. As alunas tinham de tomar banho de camisola. Jamais se viam os corpos, apenas sombras, contornos, saliências. Eram virgens, os corpos nus eram um segredo pessoal. Mas a realidade histórica desnudou o PT. Por que revelar a varejo o que todos conhecem por atacado?
O gigantesco esquema montado pelo PT mudou a própria maneira como a sociedade vê a corrupção. Nos últimos dias do ano, a PF informou que houve um rombo de R$ 5 bilhões no Postalis. O tema desapareceu como se fosse a luz de um foguete no réveillon. Não foi adiante porque R$ 5 bilhões parecem ser uma mixaria diante das cifras gigantescas.
Um governo pode ser sincero e até meio incompetente. Mas, quando escolhe o caminho ilegal e domina o espaço político, o estímulo ao cinismo se propaga como um rastilho. Foi criado no Brasil um partido das mulheres que só tem homens e uma única mulher como presidente. Uma observadora da ONU, em entrevista sobre as Metas do Milênio, detectou essa jabuticaba. Mas o fato passou batido como o rombo do Postalis. Um sólido bloco masculino propondo um partido das mulheres e sendo reconhecido é apenas mais um dado do cotidiano. Ficou tudo um pouco desconexo, os vínculos se dissiparam, e hoje o campo da política tornou-se um obstáculo ao debate racional. Gira em torno de si mesmo. O pior é que as escolhas econômicas indicam o abismo. O PT quer produzir um ovo da galinha para se salvar nas eleições de 2016.
A galinha não consegue voar, mas eles descobriram algo para lhe dar asas: as reservas monetárias do país. Querem metade delas, cerca de US$ 174 bilhões. Falaram também que a China vai nos ajudar com empréstimos. Dois dias depois, parece que a notícia chegou lá: a bolsa chinesa desabou com relatos de queda na produção industrial. Nossos potenciais salvadores estão em dificuldades. O uso das reservas terá repercussão negativa nos mercados.
Insistir no que deu errado achando que um dia dará certo, fugir da verdade quando todos pedem um encontro com ela, é uma escolha histórica. Nixon, pelo menos, renunciou. No último momento, de alguma forma, assumiu a verdade.
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