• Com patrimônio declarado de R$ 27 milhões, Jorge, Leonardo e Rafael pregam ‘coerência'
Luciana Nunes Leal - O Estado de S. Paulo
RIO - Na eleição municipal de 1985, Jorge Picciani, morador da periferia carioca, formado em contabilidade e estatística e produtor rural em uma fazenda no interior do Estado, decidiu entrar para a política. Filiou-se ao PSB e foi às ruas fazer campanha para o ex-deputado Marcelo Cerqueira, que disputava a prefeitura, e para o jornalista João Saldanha (PCB), candidato a vice. Picciani tinha um filho de cinco anos, Leonardo, outro de três, Felipe, e Rafael estava a caminho. Cerqueira não foi eleito, mas o novato militante gostou da experiência.
Passados 30 anos, Jorge, de 60, foi eleito seis vezes deputado estadual, é presidente do PMDB-RJ e da Assembleia Legislativa. Leonardo, aos 36, cumpre o quarto mandato de deputado federal. Rafael, de 29, é deputado estadual como o pai, licenciado para ocupar a secretaria de Transportes da capital fluminense. Felipe, de 34, cuida dos negócios da família. Em 2011, nasceu o caçula Arthur.
Paralelamente à trajetória política, Picciani construiu um patrimônio que, da pequena fazenda em Rio das Flores (RJ), transformou-se em um conglomerado pecuário, especializado em genética bovina. De 2011 em diante, os negócios foram ampliados para setor de mineração. Os três políticos da família somavam, em 2014, um patrimônio de R$ 27,431 milhões, a maior parte proveniente da holding Agrobilara, que tem como nome fantasia Grupo Monte Verde, do qual Jorge Picciani é presidente. As informações estão na declaração de bens enviada à Justiça Eleitoral.
Conhecida na política fluminense, sob a liderança do patriarca Jorge, a família Picciani ganhou destaque nacional em meados do ano passado, quando se aproximou da presidente Dilma Rousseff e reforçou o movimento contra o impeachment. Com o governador Luiz Fernando Pezão e o prefeito Eduardo Paes, Picciani pai fez do diretório estadual o principal esteio de Dilma no PMDB.
Líder do PMDB na Câmara, Leonardo foi destituído no início de dezembro e reconduzido uma semana depois, com a ajuda do governo e de Pezão e Paes, que liberaram secretários para assumir vagas na Câmara e reforçar o grupo pró-Picciani. Em fevereiro, o líder tentará a reeleição com uma bancada dividida entre governistas, aliados de Picciani, e oposicionistas, próximos do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (RJ), e do vice-presidente Michel Temer.
A recondução de Leonardo será uma vitória do governo e manterá os Picciani em papel de destaque na articulação contra o impeachment. Caso contrário, Leonardo estará em minoria na bancada de 66 deputados e perderá influência na condução do processo. Jorge Picciani afirma que a liderança do PMDB não é questão de vida ou morte. “O fundamental é manter a coerência. Nossa posição contra o impeachment não vai mudar”, disse.
A incerteza sobre o futuro da liderança não afasta a decisão de que, independentemente do resultado, o clã Picciani estará unido em defesa de Dilma, assim como esteve afinado, em 2014, na campanha do tucano Aécio Neves para presidente. E, no início do ano passado, trabalhou pela eleição de Cunha para o comando da Câmara.
Encerradas as eleições, Picciani criticou o PSDB pelo processo no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em que questionava a lisura do pleito e também reprovou o movimento de Aécio e dos tucanos em defesa do impeachment. “Quando a eleição acaba, o resultado tem que ser respeitado”, sustenta. A aliança com o PSDB no plano nacional foi um ponto fora da curva das alianças da família, que apoiou Luiz Inácio Lula da Silva em 2002 e 2006 e Dilma em 2010, quando Jorge Picciani foi candidato ao Senado. Embora fizesse parte da chapa de Dilma, Picciani não teve apoio de grande parte dos petistas, que se dedicaram apenas à campanha de Lindbergh Farias (PT), que acabou eleito.
Aezão. Quatro anos depois, Picciani liderou a dissidência do PMDB e criou o movimento Aezão, que unia Aécio Neves e Pezão. O deputado estadual Luiz Paulo Corrêa da Rocha, presidente do PSDB da capital, destacou que, embora a campanha de Aécio ganhasse com a aliança, o PMDB do Rio também foi favorecido na campanha de Pezão.
Depois disso, na visão do deputado federal Otávio Leite, presidente do PSDB fluminense, sob a liderança de Picciani, o PMDB do Rio, com exceção de Eduardo Cunha, assumiu uma “face petista”. “Os principais líderes do PMDB do Rio são mais Dilma do que setores do próprio PT. É típico do PMDB estar à sombra do poder”, afirmou.
A deputada Clarissa Garotinho (PR-RJ) endossa a associação dos Picciani com o pragmatismo. Representante de outro clã da política fluminense, a parlamentar diz que o crescimento do PMDB do Rio deu-se com a filiação de seu pai, Anthony, e da mãe, Rosinha, após as eleições de 2002. O rompimento foi após a campanha que elegeu Sérgio Cabral governador em 2006. “A tática de rachar é típica do Picciani”, disse.
Em relação a Cunha, o afastamento da família Picciani começou em julho passado, quando o presidente da Câmara anunciou o rompimento com o governo. A relação azedou de vez quando ele ajudou a derrubar Leonardo da liderança da bancada. Agora, o clã tem relação apenas protocolar com Cunha, mas Picciani evita comprar briga em público com o correligionário. “Do ponto de vista pessoal, continuo querendo bem a Eduardo. Me surpreende, sim, do ponto de vista político. Ele poderia ter dado uma grande contribuição ao País na presidência da Câmara.”
Na Assembleia Legislativa do Rio, Picciani tem boa relação com a oposição e ajudou Pezão a aprovar projetos que tentaram aliviar a gravíssima crise econômica do Estado. É aliado do governador, mas critica a gestão de Pezão. No plano federal, repete que faz questão de não indicar nomes ao governo, embora lhe tenha sido oferecido desde 2002. Em vez de nomeações, pediu apoio ao filho na relatoria de projetos importantes na Câmara.
Em 2014, com Jorge e Rafael candidatos à Assembleia, o clã montou uma delicada geografia eleitoral: o pai, que tinha forte votação na capital, abriu espaço para o filho. Resultado: Jorge repetiu a votação de 2006, última vez que havia sido eleito deputado estadual, e o filho, mesmo com menos votos do que em 2010, se reelegeu.
/ Colaboraram Vinicius Neder e Marcio Dolzan
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