- O Estado de S. Paulo
Houve votações caso a caso do projeto da comissão de sistematização; e isso demorou dois anos, com negociações de todo tipo
Trinta anos depois, houve um fato ocorrido durante a Constituinte que ficou muito marcado. O doutor Ulysses Guimarães era candidato a presidente da Constituinte. Ele sustentava, corretamente, que o presidente da Constituinte tinha de ser também presidente da Câmara. Isso porque a Constituinte não poderia ficar dependendo de um outro presidente para utilizar a infraestrutura da Câmara. O doutor Ulysses, então, era candidato a presidente da Câmara. Também se candidata o deputado Fernando Lira, de Pernambuco, que tinha sido ministro da Justiça do primeiro gabinete do presidente José Sarney.
Durante o processo de campanha, o Lira encontrou, ou entregaram a ele, um anteprojeto de regimento interno que o doutor Ulysses havia encomendado à assessoria da Câmara em 1986. Esse anteprojeto previa a constituição de uma grande comissão na Câmara para elaborar o projeto de Constituição, que seria levado ao plenário.
Esse modelo não era novo, era o modelo da Constituinte de 1946 criado pela chamada Comissão Nereu Ramos. Por que ocorreu isso em 1946? Porque Getúlio Vargas caiu e assumiu o presidente do Supremo, José Linhares, que não tinha força política nenhuma, ou seja, o Executivo não tinha força para mandar um anteprojeto de Constituição para ser votado pela Assembleia Constituinte. O período da Constituição de 1891, do início da República, foi de um Executivo mandado. Em 1934, Getúlio enviou o projeto. Um modelo já mais complicado, de 1967, foi enviado por Castelo Branco (presidente de 1964 a 1967). No caso do Sarney, que havia substituído Tancredo Neves (eleito presidente por colégio eleitoral, morto em 1985), não tinha força política para enviar um projeto. Por isso, ele havia criado a Comissão Afonso Arinos.
Então, o doutor Ulysses tinha criado essa fórmula, quando Lira usou isso na campanha eleitoral, sob o seguinte argumento: ‘Vocês estão vendo o que o doutor Ulysses quer fazer? Vão ter dois tipos de constituinte, os de primeira categoria, que seriam os membros da grande comissão, e a segunda categoria, que seriam todos vocês, que vão ficar esperando o trabalho dos sábios’. Esse era o discurso, não nessa linguagem.
Ora, isso, embora não tenha resultado na eleição de Lira, foi uma votação importante, mas um fato ficou consolidado: queimou a possibilidade de ter um projeto de Constituinte sobre o qual se pudesse trabalhar. Quando instalou-se a Constituinte, o doutor Ulysses nomeou o Fernando Henrique Cardoso, que era senador pelo PMDB, para relator do regimento interno, e o Fernando me convidou para ser o amanuense dele. E então pegou-se esse projeto parecido com o de 1946, que foi para o plenário. Foi uma pauleira infernal em consequência dessa posição do Lira.
Nós tivemos de inventar um modelo de fazer Constituição que partisse do zero, com 24 subcomissões, oito comissões e a Comissão de Sistematização. Tomou uma delonga imensa.
Tivemos outro problema também. Houve a escolha do relator da Constituinte. Nessa disputa, Sarney, que queria evitar e evitou que o doutor Ulysses ficasse muito fortalecido, determinou que os sarneístas do PMDB votassem em Mário Covas para derrotar o candidato de Ulysses, que era o Luiz Henrique da Silveira. O Mário foi eleito e resolveu constituir a Comissão de Sistematização com aquilo que nós chamávamos de esquerda do PMDB.
Essa comissão acabou fazendo um projeto que iria então para votação no plenário. Como a Comissão de Sistematização estava à esquerda do plenário, o projeto provocou a criação do chamado Centrão, que acabou derrotando o projeto da Comissão de Sistematização e aprovando vários textos do Centrão. Houve, então, um trabalho no plenário de recomposição, por meio de votações caso a caso, do projeto da Comissão de Sistematização. E isso demorou dois anos, com negociações de todo tipo.
*Nelson Jobim foi deputado constituinte
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