- O Globo
No final da tarde, o governo estava num impasse. Tinha que fechar a conta de onde tirar R$ 58 bilhões, a ordem do presidente Temer era para não aumentar impostos, a AGU desaconselhava o uso do dinheiro dos precatórios, a Receita Federal era contra a oneração do setor da construção civil, e a lei mandava fechar tudo para enviar para o Diário Oficial.
Essa corrida dramática para cobrir o déficit extra só ilustra mais uma vez como estão desorganizadas as contas públicas. No final, os ministros da área econômica marcaram a entrevista coletiva para as 19h30m, para anunciar que haviam conseguido, enfim, uma solução.
Tudo isso é para reduzir em R$ 58 bilhões o buraco que o Brasil terá este ano em suas contas primárias, ou seja, sem contar o gasto com os juros da dívida. Juntando tudo o que recebe e tudo o que gasta, o governo tem um rombo de R$ 197 bilhões, mas está autorizado a ficar no vermelho em R$ 139 bi, porque é isso que está no Orçamento.
Ontem, os fatos foram todos significativos do momento vivido pelo país. Mais cedo, a Fazenda divulgou uma nota em que explica o imbróglio das contas públicas. O país tem uma despesa de R$ 1,3 tri. Tem uma receita líquida de R$ 1,19 tri. Mesmo assim, com números tão maiúsculos, não consegue cortar esses R$ 197 bilhões. Até mesmo cobrir os R$ 58,2 bi foi uma operação que paralisou a equipe econômica por dias.
O grande problema, como está na nota da equipe econômica, é aquele velho e conhecido engessamento do Orçamento. Dinheiro tem, mas não se pode mexer em nada. Grandes blocos da receita estão comprometidos com despesas que, evidentemente, não podem deixar de ser feitas, como a Previdência (R$ 560 bi), pessoal e encargos (R$ 284,5 bi). Retiradas todas as obrigatórias, sobram R$ 274 bi. Na verdade, sobrariam. Há outros gastos que não podem deixar de ser feitos, como emendas de parlamentares, água e luz de hospitais e universidades. Ao fim, sobram R$ 90 bi. E mesmo nesse dinheiro é difícil encontrar espaço de corte. Isso foi o que disse o governo ontem de manhã, antes de anunciar, no fim do dia, um corte de R$ 42,1 bilhões, com mais R$ 16,1 bi de aumentos de receitas com o fim da desoneração da folha de pagamento de vários setores, aumento de IOF para cooperativas de crédito e concessão de hidrelétricas.
Ao longo do dia, cada vez que uma fonte de receita ficava duvidosa, o conselho da Secretaria de Orçamento Federal (SOF) era que se contingenciasse então os R$ 58 bi porque a opção de não concluir ontem não existia. A Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) manda que a cada dois meses se apresente o balanço de receitas e despesas, e no final do mês subsequente se diga como fazer para corrigir a rota em relação à meta. E é isso que o governo perseguiu nos últimos dias para cumprir exatamente o que determinou o TCU. O governo Dilma tentou contornar essa obrigação, mudando a meta na reta final do ano.
A grande dúvida que surgiu ontem à tarde em relação ao planejado foi sobre os precatórios. Os ministros Henrique Meirelles e Dyogo Oliveira tiveram longa reunião com a ministra Grace Mendonça, da AGU, porque a orientação que ela deu foi que não havia segurança jurídica de uso desse recurso, afinal, é dinheiro depositado pelo governo, mas em nome de particulares. Por isso, os ministros foram em consulta à presidente do Supremo, Cármen Lúcia, e no final decidiram não utilizar essa receita.
Enquanto em Brasília o governo tentava seguir à risca o que determina as leis orçamentárias e orientava o TCU, o Rio viveu um dia estranho, para dizer o mínimo. O presidente da Assembleia, Jorge Picciani, em condução coercitiva, e todos — menos um — conselheiros do Tribunal de Contas do Estado (TCE) na cadeia. Os que deveriam fiscalizar o uso do dinheiro público foram delatados por um dos seus conselheiros — o notório Jonas Lopes — como partes de um esquema de desvio de dinheiro público. E o pior é que, por mais inusitado que o fato seja, não surpreendeu. Talvez pela dimensão, mas não o fato em si de haver corrupção no TCE.
Ontem foi apenas mais um dia nesse país intenso. É indispensável reorganizar as contas públicas para se fazer um verdadeiro ajuste fiscal. Por outro lado, é também fundamental continuar combatendo os descaminhos do dinheiro público. Governo viveu dia dramático para conseguir cobrir o déficit extra de R$ 58 bi nas contas públicas Corte de gastos chegou a R$ 42 bilhões porque a AGU desaconselhou o uso de receita de precatórios Em Brasília, TCU orienta o governo a seguir a LRF, no Rio, conselheiros do TCE são presos por corrupção
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