Problemas nos tradicionais partidos Socialista e Os Republicanos facilitaram crescimento de centrista
Fernando Eichemberg | O Globo
PARIS - Antes mesmo da abertura das urnas do primeiro turno das eleições presidenciais francesas, as duas tradicionais forças políticas de esquerda e de direita do país, o Partido Socialista (PS) e Os Republicanos (LR), já começaram a refletir sobre seu futuro. O PS se prepara para uma amarga derrota de seu candidato no pleito, Benoît Hamon, e para um longo e difícil período de reconstrução. Já a direita do LR esboça um plano no caso de seu candidato, François Fillon, acabar excluído da disputa do segundo turno. As últimas pesquisas colocam quatro candidatos em condições de continuar na disputa, em empate técnico: o centrista Emmanuel Macron, do movimento Em Marcha!; Marine Le Pen, da Frente Nacional, de extrema-direita; Fillon e JeanLuc Mélenchon, da frente de esquerda radical França Insubmissa. Hamon aparece em quinto lugar, distante dos líderes, com menos de 10%.
Pascal Boniface, do Instituto de Estudos Europeus e do Instituto de Relações Internacionais e Estratégicas, prevê uma menor intensidade nos debates na direita se Fillon passar para o segundo turno. Para a esquerda, seu diagnóstico é mais grave.
— Haverá, obrigatoriamente, uma recomposição espetacular à esquerda. O PS está encurralado entre o centro de Macron e a esquerda de Jean-Luc Mélenchon. Até aqui, era dominante em relação aos partidos mais à sua esquerda, sejam os ecologistas ou os comunistas. Agora, vemos uma nova estrutura, em torno de Mélenchon.
Na sua opinião, o partido deverá enfrentar sérias dificuldades na tentativa de reerguimento:
— Tudo vai depender da capacidade de Mélenchon de ocupar de forma durável o espaço que conquistou. Se conseguir, o PS estará condenado a se tornar apenas uma força de apoio.
Michel Wieviorka, diretor na Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais, lembra que em 1996 o PS “estava moribundo”, mas bastou que o então presidente Jacques Chirac dissolvesse a Assembleia Nacional e convocasse novas eleições para que os socialistas renascessem das cinzas, em um novo governo liderado pelo premier Lionel Jospin. Uma tal reviravolta hoje, no entanto, seria menos provável.
— É um partido que vai muito mal, sem programa, líder, meios ou recursos. E (o presidente François) Hollande tem uma enorme responsabilidade, pois nada fez para salvar o partido — afirmou. — Há uma dimensão planetária do desmoronamento da esquerda clássica, e uma tendência para a radicalização, como Jeremy Corbyn no Reino Unido, Hamon aqui na França.
PARTIDO DE SARKOZY ESTÁ DIVIDIDO
A direita, em sua opinião, precisará de um debate interno, com ou sem um sucesso de Fillon, após campanha marcada por denúncias de corrupção.
— A situação da direita não é menos catastrófica. É um partido dividido, com oposições muito fortes, líderes que se detestam. A paisagem política francesa é desastre. Uma vitória de Macron abrirá um período de recomposição para todos os lados.
Henri Rey, do Centro de Pesquisas Políticas (Cevipof ), diz ser bem improvável que as correntes de Macron, de Hamon e do ex-premier Manuel Valls se agrupem sob a mesma sigla.
— Está claro que a facção mais liberal do partido, de Macron, preferiu se distanciar e ganhar autonomia — diz. — Apesar de ter feito uma campanha honorável, Hamon não recebeu apoio de seu próprio partido, o que prejudicou suas chances.
Dois importantes nomes que se engajaram abertamente pela realização de eleições primárias na esquerda, o economista Thomas Piketty e o ex-deputado europeu Daniel Cohn-Bendit, tomaram rumos diferentes no primeiro turno: o primeiro permanece fiel a Hamon, e o segundo apoia Macron.
— Hamon foi renegado por todo mundo. Foi abandonado por Valls em condições violentas, por Hollande e por ministros de peso. Mesmo que alcance 10%, será um desempenho decepcionante e negativo para o partido. O PS já está tão dividido que é difícil considerá-lo, hoje, como um partido.
Quando Macron criou seu movimento Em Marcha!, em abril do ano passado, e na sequência deixou o cargo de ministro da Economia de Hollande para alimentar suas ambições presidenciais, ninguém apostaria que um ano depois seria um dos principais favoritos para o Palácio do Eliseu.
Ele se empenhou em se distanciar de seu passado de homem de negócios, de sua identidade socialista e de ministro de um dos governos mais impopulares da França, para se apresentar como um candidato conciliador, capaz de agrupar em seu movimento os moderados da esquerda e da direita. Pascal Boniface, do Instituto de Estudos Europeus, define sua façanha como inédita:
— Não era certo que Hollande não se recanditaria, o que lhe tiraria espaço, nem se poderia adivinhar que Fillon, favorito nas sondagens, teria problemas com casos de corrupção. Macron teve uma sorte incrível, porque deveria ser, em princípio, um candidato com papel importante, mas sem qualquer esperança de se classificar ao segundo turno. E hoje é o principal favorito no pleito.
Para o analista político Claude Pennetier, ele se aproveitou de um “vazio político” na atual crise vivida pela esquerda e direita tradicionais.
— É um personagem muito hábil, que procura encarnar uma esquerda modernista europeia. As pessoas estão decepcionadas com a política em geral, e o fato de ele não ter um partido o favorece. Mas, se ganhar, a situação será complexa.
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