Diante da enorme perplexidade e indignação com que os brasileiros têm recebido notícias de delações sobre corrupção que colocam sob suspeita praticamente todas as principais figuras do mundo político, seria extremamente frustrante para a consciência cívica nacional a confirmação da possibilidade de que a proverbial morosidade da Justiça acabe resultando na prescrição de ações penais e na consequente impunidade de possíveis culpados. Deve ser recebida com certo alívio, portanto, a notícia de que a presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Cármen Lúcia, levando em conta a excepcionalidade da situação em que o Judiciário está colocado pelas investigações da Operação Lava Jato, está disposta a adotar pelo menos duas medidas igualmente excepcionais: promover um substancial reforço da equipe que auxilia o ministro-relator daquelas investigações, Edson Fachin, e incluir na pauta da Suprema Corte, em maio, o julgamento de ação que propõe restringir o instituto do foro privilegiado para autoridades da República.
Tramitam hoje no STF, depois da avalanche de delações de executivos da Odebrecht encaminhadas pela Procuradoria-Geral da República (PGR), 113 inquéritos e 5 ações penais originárias da Lava Jato, sob a supervisão do ministro Fachin. É óbvio, como têm observado alguns ministros do Supremo, que a demora na tramitação desses inquéritos e ações penais não pode ser atribuída apenas a eventual morosidade daquela Corte, porque toda a fase das investigações criminais corre por conta da Polícia Federal e da PGR.
De qualquer modo, cabe ao ministro-relator e sua equipe – hoje Fachin conta com três juízes auxiliares – não apenas avaliar as denuncias e relatá-las tendo em vista a proposta de abertura, ou não, de ação penal, como também supervisionar o trabalho, dirimir dúvidas e decidir sobre recursos eventualmente apresentados durante a fase de investigação. Além disso, o gabinete do ministro-relator é responsável também por uma cota de processos não relacionados com a Lava Jato, bem como precisa se manter informado sobre todas as ações pautadas para julgamento tanto na 2.ª Turma, da qual Fachin faz parte, como no plenário.
O julgamento do mensalão – o maior do STF até então – dá uma ideia de quanto tempo pode ser necessário para o julgamento final das ações da Lava Jato que superarem as fases preliminares da abertura do inquérito e aceitação da denúncia. O mensalão chegou ao STF, que autorizou as investigações, em julho de 2005. Em abril de 2006 a PGR apresentou a denúncia, que foi aceita em agosto de 2007. Começou então o julgamento propriamente dito, que se estendeu até 2012, com a condenação de quase todos os réus. O julgamento de alguns recursos fez com que o processo do mensalão fosse concluído apenas no final de 2013, mais de oito anos depois de seu início. Se o mesmo prazo for mantido agora, os primeiros processos da Lava Jato estarão concluídos apenas em 2025, com o risco de que muitos dos crimes estejam até lá prescritos.
De acordo com a Constituição Federal têm direito a foro especial, no STF, o presidente da República, ministros de Estado, senadores, deputados federais e ministros do Tribunal de Contas da União (TCU). Essa prerrogativa das autoridades federais vale, enquanto elas ocuparem o mandato ou cargo, para o julgamento de qualquer crime, independentemente de quando tiver sido cometido. A única exceção a esta regra diz respeito ao presidente da República, que só pode ser julgado, enquanto no cargo, por crimes cometidos no exercício do mandato.
As regras de prescrição de crimes são previstas no Código Penal. Muitos dos delitos que emergem da Operação Lava Jato prescrevem no prazo de 12 anos a contar do cometimento do crime. Isso significa que uma autoridade denunciada por esses crimes estará livre se não for julgada até 2022, portando daqui a sete anos. E o prazo de prescrição cai pela metade se o réu tiver mais do que 70 anos de idade. É uma corrida contra o tempo em que a Justiça corre o risco de sofrer muitas derrotas.
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