Projeto restringe doações, proíbe pagar a própria campanha e privilegia repasses para siglas tradicionais
Por Raphael Di Cunto e Vandson Lima | Valor Econômico
BRASÍLIA - Desgastados pela crise política, os maiores partidos se armam na reforma política discutida pelo Congresso Nacional para dificultar a ascensão de presidenciáveis considerados de fora do círculo político tradicional. São duas frentes: o fundo eleitoral de R$ 3,6 bilhões, que privilegiará as legendas maiores; e restrições às doações privadas, com limite para as contribuições de pessoas físicas e proibição de que candidatos ricos paguem despesas de suas próprias campanhas.
A situação é completamente diferente da eleição anterior, de 2014, onde a desvantagem ficava mais no tempo de propaganda de TV e rádio. Com a proibição de doações de empresas, determinada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), os partidos tradicionais planejam um fundo com dinheiro público para as campanhas que será 13 vezes maior que o volume de recursos do Tesouro aportado há três anos pelo fundo partidário - e que nem chega a ser usado todo na eleição.
Agora, os candidatos das maiores legendas, como o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva pelo PT, o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, ou o prefeito da capital paulista, João Doria, ambos pelo PSDB, contarão, logo na largada, com uma montanha de recursos a mais do que a ex-senadora Marina Silva (Rede), o deputado federal Jair Bolsonaro (PSC) ou o concorrente do Novo, ainda não definido.
A reforma estabelece como teto das campanhas para presidente da República R$ 150 milhões, dos quais 70% (R$ 105 milhões) com recursos públicos. Os partidos poderão gastar apenas metade do valor recebido pelo fundo eleitoral com as campanhas presidenciais, mas o valor será destinado também para candidatos ao Senado e governos estaduais.
O PT, com um fundo eleitoral de R$ 415 milhões, e o PSDB, com R$ 363 milhões, poderão atingir esse teto sem precisar correr atrás de recursos e com sobras para as outras campanhas. Ambos são, junto com o PMDB, as maiores bancadas do Congresso.
Já o Rede, com quatro deputados e um senador, terá até R$ 8 milhões para gastar com a campanha de Marina. O Novo, que não possui parlamentares, terá R$ 900 mil. Bolsonaro teria o maior montante, até R$ 35 milhões - valor que ainda teria que ser dividido com postulantes ao Senado e aos governos -, mas está de saída do PSC e já decidiu que vai para uma sigla pequena, como PSDC (R$ 5 milhões), PHS (R$ 16 milhões) ou o Muda Brasil, que depende de registro no Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Na preferência dos eleitores, contudo, Marina e Bolsonaro estão entre os primeiros, segundo pesquisas. Datafolha do fim de junho mostrou que Lula lidera as intenções de voto com 30%, seguido por Bolsonaro e Marina, que estão em empate técnico, com 16% e 15%. Alckmin teria 8%, Ciro Gomes (PDT), 5%, e Luciana Genro (Psol), 2%.
O cenário com Doria como candidato tucano é parecido. Lula na liderança, Marina e Bolsonaro empatados com 15% e o prefeito com 10%. O Novo não aparece nas pesquisas, mas procura nomes entre empresários - perfil que atraiu o eleitor em 2016 - e já chegou a conversar com o apresentador de TV Luciano Huck, que deixou no ar a possibilidade.
Relator da reforma política na Câmara, o deputado Vicente Cândido (PT-SP) disse que a distribuição do fundo é a que tem o apoio da maioria do Congresso atualmente e que é preciso tratar desigualmente os desiguais. "O PT já foi pequeno e cresceu. Quem quer receber como grande tem que se tornar grande", disse.
A diferença expressiva no valor do fundo ocorre porque o modelo desenhado por PMDB, PT, PSDB e outros privilegia o tamanho de cada legenda. Dos R$ 3,6 bilhões que serão distribuídos, 49% seriam proporcionais aos votos obtidos em 2014 para deputado federal; 15% pelo atual número de senadores; 34% pelo de deputados; e apenas 2% para todos os 35 partidos registrados.
No fundo partidário, o percentual dividido entre todos é mais do que o dobro, 5%, mas dá a partidos que "não elegem nem vereador em cidade pequena receberem recursos robustos", disse o relator. Para Cândido, é impossível um modelo agradar a todos, mas se esses presidenciáveis estivessem em partidos maiores, teriam mais estrutura. Ele lembra que Marina concorreu pelo PSB, mas saiu no ano seguinte com a fundação do Rede.
Outra frente do projeto é restringir as doações de pessoas físicas, hoje limitadas apenas pelo rendimento do ano anterior, a R$ 10 mil por cargo. Embora o projeto estimule arrecadações pela internet, desburocratizando instrumentos hoje limitados, um candidato precisaria que a população de uma pequena cidade doasse o valor máximo possível para atingir os mesmos R$ 105 milhões que PT e PSDB teriam independentemente de mobilização.
Além disso, veta que candidatos ricos, como Doria ou os empresários que o Novo quer atrair para a vida pública, aportem volumosos recursos em suas campanhas, ao proibir qualquer autodoação nas disputas majoritárias. A ideia é evitar que candidatos endinheirados desequilibrem a disputa, como ocorreu em diversas cidades em 2016.
Vice-presidente e tesoureiro do Novo, Moisés Jardim afirma que o partido já não pretendia usar recursos públicos, por ser estatutariamente contra o fundo partidário, e que planeja campanhas mais baratas que as das legendas tradicionais, mas que as restrições a doações de pessoas físicas atrapalharão. "É um artifício para tentar bloquear a renovação que se espera em 2018", acusa.
Bolsonaro critica a reforma, dizendo que conhece Brasília e que "os caras estão vendo o que é melhor para eles, e não para a sociedade" ao propor um fundo com dinheiro público para as campanhas. Mas diz que dispensa isso porque fará uma eleição barata, com viagens em aviões de carreira, nas redes sociais - ele tem 4,4 milhões de seguidores no Facebook - e na mídia, "que me seguirá diariamente porque sou o segundo nas pesquisas".
O senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) diz que o Rede até receberia mais recursos do que ganha hoje com o fundo partidário, mas que a proposta "é inadequada pelo momento do país". "Temos um governo enlameado em corrupção, 14 milhões de desempregados e o Brasil de volta ao mapa da fome. Seria algo visto pela população como um escárnio", afirmou.
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