A ideia da reforma política, que atende à óbvia necessidade de corrigir graves distorções e aprimorar o sistema político-partidário, transforma-se, como tem sido reiteradamente exposto neste espaço, numa enorme farsa, mero pretexto para a adoção de casuísmos que facilitem a renovação dos atuais mandatos parlamentares com os privilégios a eles inerentes. Não basta a aberrante criação de um fundo eleitoral multibilionário para injetar recursos públicos no financiamento de campanhas eleitorais. Os parlamentares dos partidos maiores querem, antes de definir os critérios por meio dos quais a dinheirama vai ser distribuída, garantir a possibilidade do aumento dos repasses a que terão direito em função do aumento de suas bancadas na Câmara e no Senado. Para tanto, precisam que seja aberta ainda este ano uma nova “janela” de 30 dias para troca de partido sem perda de mandato, já que a “janela” existente só funciona entre fevereiro e março nos anos em que há eleições. A próxima, portanto, só em 2018. Querem também que mude a regra que estabelece que o deputado que troca de partido não é levado em conta para efeito do cálculo do tamanho da bancada.
Nos últimos anos, o equilíbrio de forças determinado pela criação de novas legendas provocou várias alterações casuísticas tanto na Constituição como na lei ordinária. No que se refere à troca de partidos, os parlamentares querem agora mais liberdade: a antecipação da “janela” de transferência para este segundo semestre e que sua adesão à nova legenda conte para efeito de distribuição do fundo eleitoral. Cabe a pergunta: no que essas duas modificações contribuirão para algo mais do que a conveniência de parlamentares convencidos de que só a troca de partido poderá viabilizar sua reeleição e de lideranças partidárias ansiosas para acumular poder com o aumento artificial de suas bancadas?
Como informou o Estado, o acordo para a decretação do novo casuísmo já foi fechado em Brasília para ser votado no Congresso assim que acabe o recesso, em agosto. Após reunião realizada na terça-feira passada na casa do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), um dos participantes, o deputado Danilo Forte (PSB-CE), tentou explicar o que passa pela cabeça de seus pares: “A reforma política vai antecipar para setembro ou outubro a ‘janela’. Há um inconformismo muito grande tanto em bancadas da base aliada quanto da oposição”.
Isso que Forte diz fazer parte da “reforma política” implica, além de mais um deplorável casuísmo, aquilo que o relator da reforma na Comissão Especial da Câmara, o petista Vicente Cândido (SP), definiu como “mercantilização dos mandatos”. Autor da indecorosa “Emenda Lula”, Cândido perdeu a autoridade moral para propor o que quer que seja depois de ter tentado blindar a candidatura presidencial do dono do PT. Mas a “mercantilização” a que ele se refere já ocorreu em 2013, quando foram criados novos partidos, como o Pros e o Solidariedade, e deputados envolvidos em troca de legenda negociaram o direito a parte dos recursos adicionais do fundo partidário.
De acordo com as regras atuais, a divisão dos recursos públicos do Fundo Partidário para financiamento de partidos e candidatos tem como critério apenas o número de votos conquistados por cada legenda na eleição anterior à Câmara dos Deputados, reservados 5% para serem igualmente divididos entre todos os partidos. Agora, as maiores legendas, que acreditam que serão as maiores beneficiadas com as transferências partidárias que estão sendo negociadas, estão pressionando, segundo o jornal Valor, para que seja adotado um modelo híbrido em que 49% dos recursos sejam divididos de acordo com os votos conquistados em 2014 para deputado federal; 15% levando em conta o tamanho atual de cada bancada no Senado; 34% obedecendo ao mesmo critério na Câmara; e 2% rateados entre todas as legendas. Diante de cálculos tão imaginosos, é compreensível que os parlamentares não tenham disposição para trabalhar em propostas que contribuam para uma reforma política digna do nome.
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