Ministério Público e Justiça, importantes no combate à corrupção, também precisarão agir para defender a liberdade de expressão garantida em lei
O presidente Michel Temer agiu com a devida rapidez, antes de maiores desdobramentos, ao anunciar ontem, logo cedo, que vetaria a descabida emenda do deputado Áureo (SD-RJ) à reforma política que, na prática, instituía a censura na internet, em período eleitoral.
Contrabandeada para o texto do projeto por uma via rápida, sem discussões, a proposta atraiu críticas diversas, incluindo a repulsa de entidades representativas da imprensa (ANJ e Abert). Dar ao político o poder, por meio de simples reclamação, sem qualquer mediação judicial, de forçar a retirada de conteúdos da internet é flagrante agressão ao direito constitucional à liberdade de expressão e de imprensa.
O próprio Áureo se disse arrependido, justificando que fora mal interpretado, e passou ele mesmo a pedir o veto. Prometido por Temer. Mas nada é tão claro nem simples e ingênuo como parece. Se a ideia de Áureo, líder de seu partido, não contasse com apoio na Câmara, ela não teria se materializado, de uma hora para outra, no texto da reforma, e logo no processo final de aprovação do projeto.
Haja ou não uma “onda conservadora” no país, têm sido dadas, nos últimos dias, demonstrações de intolerância à diversidade de opiniões e à liberdade de expressão. Até limitações estranhas a projetos de espetáculos apareceram na Lei Rounet.
Nas artes, há o caso do veto à exposição “Queermuseu”, em Porto Alegre e no Rio, neste com a interferência do prefeito Marcelo Crivella, sem considerar características da cidade, um polo artístico. Poderiam ter sido adotados protocolos comuns em museus que recebem exposições desse tipo, como classificação etária, por exemplo, mas preferiu-se o ato autoritário do veto, à margem da Constituição.
Em São Paulo, a polêmica ocorreu sobre uma performance no Museu de Arte Moderna, execrada pelo prefeito João Doria, pelo fato de um artista plástico nu ficar exposto ao público, inclusive crianças. Pode ter havido falta de tato aqui e acolá, mas, depois da Constituição de 88, vetar demonstrações e expressões artísticas e de opinião deixou de ter base legal.
Há a possibilidade de alguns políticos vislumbrarem dividendos eleitorais, no ano que vem, caso tenham atitudes autoritárias e de censura em museus e outros espaços do gênero. Estarão indo contra a Constituição, é preciso ficar claro.
O autoritarismo existente no leito da sociedade brasileira tem traços ideológicos múltiplos. Houve muita censura na ditadura militar — sem falar no Estado Novo getulista —, mas também nos governos lulopetistas se tentaram formas para controlar o conteúdo da indústria do audiovisual, a imprensa e os jornalistas profissionais.
Se o Judiciário e o Ministério Público têm papel proeminente, e positivo, no enfrentamento da corrupção, precisarão fazer o mesmo na defesa dos direitos de liberdade (artística, de expressão, de imprensa) inscritos na Carta.
Nenhum comentário:
Postar um comentário