- Valor Econômico
Reforma será um processo para algumas décadas
O presidente Michel Temer conseguiu recolocar a reforma da Previdência no topo do debate político, depois de ser confrontado por parlamentares do "centrão" que, na segunda feira, foram ao Palácio do Planalto para enterrar o projeto da reforma. Temer admitiu que poderia ser derrotado e devolveu o assunto para o colo dos congressistas. O mercado reagiu mal. A bolsa caiu 2,55% e voltou ao patamar de 72 mil pontos, o real desvalorizou-se frente ao dólar e os juros futuros subiram.
De terça-feira para cá, porém, houve uma grande mobilização do governo e das lideranças do Congresso para se chegar a uma proposta de emenda constitucional (PEC) menor, que possa ser aprovada e que cumpra pelo menos dois objetivos: instituir idade mínima para requerer a aposentadoria de 62 anos para as mulheres e de 65 anos para os homens, com uma regra de transição, e equiparar os benefícios previdenciários dos servidores públicos ao dos trabalhadores do setor privado.
Uma recente polêmica ilustra a iniquidade do sistema previdenciário do funcionalismo público frente ao do trabalhador da iniciativa privada. A ministra dos Direitos Humanos, Luislinda Valois, em entrevista na semana passada, queixou-se de ter que respeitar o teto salarial do setor público de R$ 33,7 mil e reinvindicou o direito de acumular o salário de R$ 30,9 mil que recebe como ministra com a aposentadoria de desembargadora, de R$ 30,4 mil, para poder completar vencimentos de R$ 61,3 mil mensais. A imposição do teto salarial configuraria, segundo ela, "uma situação que se assemelha ao trabalho escravo". A comparação repercutiu mal, mas pouco se falou do valor do benefício.
A desembargadora recebe uma aposentadoria que equivale a cinco vezes e meia o valor máximo do INSS, de R$ 5.531,31, a que tem direito o aposentado do setor privado que contribuiu pelo teto. Luislinda é parte da casta que se formou no setor público e, particularmente, no poder judiciário e Ministério Público sobre a qual não há qualquer controle social.
O resultado da controvérsia do teto salarial do setor público corre o risco de ser pior do que se imagina. Por pressão do judiciário e do MP, a comissão especial da Câmara que analisa o projeto que regulamenta o teto salarial dos servidores prepara um projeto de emenda constitucional (PEC) para permitir o acúmulo de salários superiores ao teto quando houver ocupação de diferentes cargos na administração pública.
Ontem pela manhã houve reunião de líderes na residência oficial do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ) com a presença de Temer e do ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, para avançar na discussão da previdência. Maia insistiu na necessidade de o governo reorganizar sua base de apoio no Congresso para garantir votos suficientes para que ele possa colocar a matéria em votação. Hoje, rigorosamente, o governo não tem os votos.
Meirelles falou sobre a importância da reforma da previdência para a política do teto de gastos e para a retomada do crescimento, também ontem, em três diferentes ocasiões. Disse que a proposta em negociação com os parlamentares, agora, precisa garantir mais de 50% do efeito esperado na proposta original (que preconizava uma economia com a seguridade social de R$ 800 bilhões em dez anos) ou o mais próximo possível do projeto aprovado na Comissão Especial da Câmara, que reduziu para 75% os efeitos da proposição original.
Ou seja, a PEC da Previdência precisa corresponder a uma economia, em dez anos, superior a R$ 400 bilhões e próxima aos R$ 600 bilhões do projeto já avalizado pela comissão da Câmara. Sem isso, Meirelles argumenta que não haverá cumprimento do teto do gasto público e volta-se a todo o ambiente de incertezas quanto à política fiscal e a trajetória da dívida pública, que pode desaguar em reversão do quadro atual, com aumento dos juros, nova recessão e mais desemprego.
Além do foco nas metas fiscais e na dimensão da dívida como proporção do PIB, é importante haver equidade no tratamento de servidores e trabalhadores do setor privado, sem o que a reforma fica indefensável. A regra de transição para uma convergência dos regimes previdenciários será a mesma da proposta já aprovada na comissão especial da Câmara. Nas negociações, porém, fala-se em manter, por exemplo, a aposentadoria por idade com tempo de contribuição de 15 anos, como hoje, e não de 25 anos como está na proposta votada.
As conversas prosseguem e a expectativa do governo é de que haja um projeto comum, menos ambicioso e que esteja pronto logo após a semana do feriado do dia 15.
Fontes que participaram das várias reuniões durante esta semana estavam, no fim do dia de ontem, mais animadas com a possibilidade de se votar ainda este ano uma reforma da Previdência defensável pelo menos na Câmara. "O Rodrigo Maia entrou em campo", comentou um dos presentes nos vários encontros ocorridos. Há quem argumente até que é difícil mas não impossível votar a PEC nas duas Casas antes do fim do ano.
Tudo vai depender da capacidade do governo de recuperar a base de sustentação no Congresso, que se desintegrou após a derrubada, no plenário, das duas denúncias de corrupção contra Temer. A lista das demandas dos líderes do "centrão" começa com uma reforma ministerial de imediato, para ampliar seu raio de influência, passa pela votação de projetos do seu interesse, como o dos planos de saúde e não se esgota na liberação de verbas.
Voltar à cena política não é garantia de que a proposta da reforma da previdência será votada ainda neste governo e nem que, se aprovada, será o que de melhor poderia ser obtido. Estarão excluídas de um eventual novo projeto, sob a forma de emenda aglutinativa, mudanças no acesso aos benefícios de prestação continuada e na contribuição para a aposentadoria rural.
Mesmo que o governo seja bem sucedido e consiga aprovar alguns avanços, a previdência social no país continuará demandando mudanças no futuro, assim como já foram feitas importantes alterações no passado, tanto no governo tucano quanto do PT. Será um processo de ajuste de algumas décadas.
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