sexta-feira, 16 de fevereiro de 2018

César Felício: A retirada com muitos ganhadores

- Valor Econômico

Decisivo para a eleição, contudo, será a saída de Lula

São muitos os ganhadores no cenário eleitoral com a decisão do apresentador Luciano Huck de não concorrer este ano. Sem Huck na história, há três pré-candidatos para os quais se abrem perspectivas particularmente interessantes: Marina Silva, Jair Bolsonaro e Geraldo Alckmin.

Marina tenta ocupar o espaço vago para uma candidatura antissistema, embalada pelo sentimento de indignação despertado pelo escândalo da Lava-Jato. De modo hesitante, o eleitor procura uma resposta contra uma elite política que reputa corrupta. Viceja uma motivação para o voto que não tende a mudar com a melhora da situação econômica.

A resposta institucional à alegada corrupção petista - a ascensão de Michel Temer - não proporcionou, os fatos falam por si, um ambiente de regeneração. A liderança de Lula nas pesquisas mostra que o eleitorado que se sensibiliza com a narrativa de que é preciso fazer tábua rasa da política depois da Lava-Jato não é hegemônico, mas pode ser decisivo para levar um nome ao segundo turno.

A seu modo quase inerte de fazer campanha, Marina busca conexões com a toga (o patrono do Ficha Limpa, Márlon Reis, cerrou fileiras no Rede). As pesquisas só a mostram em plano declinante. Marina sofre com o envelhecimento da imagem, além de existir um pouco de trânsito nesta faixa, que agora diminui sem Huck, e, ao que tudo indica, sem o ex-ministro do Supremo Tribunal Federal Joaquim Barbosa.

Bolsonaro também atua neste mercado. Conforme identificou em sua última edição a revista americana "America's Quarterly", o que impulsiona Bolsonaro no Brasil não é a ideologia de extrema-direita. O capitão sem compostura é o que mais se aproxima de um defensor irrestrito dos homens e mulheres de colete preto que colocaram em cana os cardeais da política e do mundo empresarial que tiveram a infelicidade de não contar com o foro privilegiado.

Uma candidatura Huck provavelmente bloquearia Bolsonaro, porque conteria em sua gênese uma variante antissistema e antipartido, ainda que nascesse sob a bênção de Fernando Henrique Cardoso. Deixaria o deputado aprisionado aos seus nichos ultraconservadores, uma vez que o parlamentar não está sendo bem sucedido em falar com outros públicos que não os que tradicionalmente lhe dão guarida.

Huck também bloquearia Marina, porque não viria sozinho, traria uma equipe, formada por economistas e empresários que em algum momento cruzaram suas vidas com o governo tucano. Caso optasse pelo PPS, entraria no jogo por uma sigla mais sólida que o minúsculo Rede. São dois fatores que serviriam de anteparo para a imagem de playboy despreparado, o milionário excêntrico que teria se locupletado de empréstimos camaradas no BNDES, profundo como um pires, que já tentavam lhe impingir. O questionamento sobre a capacidade de Marina de agregar apoios que lhe garantissem governabilidade foi um dos elementos que colaboraram para a sua derrota na última eleição.

Geraldo Alckmin, o mais "insider" de todos os pré-candidatos, também é um ganhador no cenário sem Huck. Volta a ser uma âncora para um segmento do empresariado, dos formuladores econômicos e do seu próprio partido que não parava de olhar para os lados, em busca de algo mais empolgante.

De maneira bem mais tímida, também podem registrar ganhos o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM), o próprio presidente Michel Temer e o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles. Sem Huck, os insatisfeitos com o tucano dentro do "establishment" podem analisar com mais cuidado estas alternativas. Mesmo franco-atiradores no jogo sucessório, como o senador Alvaro Dias, poderão ter o seu quinhão com a desistência.

A retirada de Huck apenas não afeta a disputa pelo espólio petista. Com seu DNA tucano, o apresentador dificilmente navegaria nesta seara. Ciro Gomes optou como estratégia transitar pela esquerda e ser um potencial beneficiário de uma dispersão de votos a ser provocada pela inabilitação da candidatura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Se isso se dará ou não dependerá da forma e da data em que se configurar definitivamente o fim da candidatura do petista, que pode ser dado como certo.

Se Lula organizar a sua retirada, um plano B se torna competitivo. Uma saída atabalhoada do petista aumenta a dispersão, o que será bom em termos eleitorais para Ciro, Manuela d'Ávila e Guilherme Boulos. Luciano Huck não pertence a este mundo.

O desfecho da saída de Lula será tremendamente relevante para se pensar o segundo turno. A retirada do petista transformará o ocaso de Huck em uma pálida lembrança. Em um jogo sem Lula, é provável pensar que haverá um fortalecimento da alternativa que se apresenta na vertente antissistema entre as opções que poderão ir ao segundo turno. A última pesquisa Datafolha mostrou que Bolsonaro e Marina ganham competitividade, ao menos em um primeiro momento, quando o nome do petista é retirado da disputa. Pelo viés radical e ideológico, as chances de Bolsonaro são menores do que as da ex-senadora.

O segundo eixo da sucessão, como já exposto, será a do espólio lulista. O terceiro será o da política tradicional, com Alckmin em posição de maior firmeza em relação a Rodrigo Maia e Temer.

As regras tremendamente restritivas da corrida eleitoral, aprovadas pelo Congresso no ano passado, garantem um Poder Legislativo no próximo quadriênio muito semelhante ao atual, mas não é certo que fechem a equação da sucessão presidencial entre os dois últimos eixos citados. Assim seria em uma eleição normal, não é o caso desta. Se uma estrutura eficaz, competente, que se pauta pela excelência técnica, consegue desenvolver o enredo que a hora pede para emocionar as arquibancadas, ganha o desfile. Caso contrário, abre-se o caminho para agrupamentos muito mais modestos, que conseguem captar uma oportunidade histórica. Falta para a esquerda tradicional e para PSDB, MDB e DEM construírem uma narrativa.

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