sexta-feira, 16 de fevereiro de 2018

Miriam Leitão: A armadilha

- O Globo

Uma das vozes mais temperadas do PT, o ex-ministro da Justiça José Eduardo Cardozo diz que o partido precisa se refundar, analisar seus erros, produzir políticas, refletir e reformular-se. Ao mesmo tempo, alega que o partido não pode fazer essa autocrítica porque está sob ataque. “Quando você está numa trincheira recebendo tiro, não dá para voltar”.

Ele foi relator da Lei da Ficha Limpa e assegura que a Lei permite a candidatura de Lula:

— A lei veio de elaboração popular e eu sugeri técnicas redacionais. Tanto eu quanto o governador Flávio Dino, na época deputado, detectamos o seguinte: uma condenação em segunda instância pode ser abusiva. Juízes são seres humanos, podem errar, podem estar submetidos ao calor do momento, pressão local, uma série de contingências. Por isso, incluímos na lei que se pode recorrer a tribunal superior, e se o tribunal considerar que há plausibilidade no pedido, concede uma medida cautelar com efeito suspensivo para que a pessoa seja candidata. Nós incluímos porque antevíamos que havia essa possibilidade.

Nesse caso, se o STJ considerar que o recurso do ex-presidente Lula tem plausibilidade, ele pode dar uma medida cautelar que permita a candidatura. Cardozo define como “fragilíssima” a condenação e afirma que foi uma decisão política. No caso do princípio constitucional de que um réu não pode ser presidente, ele diz que isso é uma questão de “interpretação jurídica”:

— Eu sou daqueles que entende que uma situação de afastamento só pode se dar com o trânsito em julgado. Inclusive, tenho uma leitura do texto constitucional, contrária da maioria do Supremo hoje, que, na forma em que está escrito, ninguém poderia ser preso antes do trânsito em julgado da sentença.

O ex-ministro, em entrevista que me concedeu na Globonews, defendeu a tese de que se Lula não for candidato “haverá um questionamento do processo de legitimidade desta eleição”. Sobre as várias ações às quais o ex-presidente Lula responde, ele diz assim: “tudo é uma disputa política”.

Por esse raciocínio, tanto a Polícia Federal, que ele comandou como ministro da Justiça, quanto o Ministério Público e a Justiça Federal, em várias instâncias, tomaram partido numa disputa política:

— A interpretação jurídica não é neutra. A decisão do TRF foi de elevar a pena do presidente Lula e há quem diga que foi para evitar a prescrição da pena. Isso é decisão estritamente jurídica? Houve investigação com liberdade, mas não se reuniu provas.

O ex-ministro Antonio Palocci fez declarações contundentes de que houve corrupção no governo, e ele nem foi em delação premiada. Foi numa carta ao PT, na época do desligamento. Cardozo disse que Palocci está “fragilizado” e atribui suas declarações à vontade de sair da prisão e por isso “fala o que os investigadores querem ouvir”. Mesmo diante das evidências de que houve saque na Petrobras, a resposta é que “não é de hoje”. Segundo Cardozo, “a Petrobras infelizmente é vítima de um saque, como a vida pública brasileira é objeto de saque, há muitos anos”. Ele diz que não foi o PT que saqueou, mas “pessoas saquearam”. Da mesma forma que não foi o PSDB, mas “pessoas que fizeram”:

— Tem casos (relatados por Palocci) que eu tenho certeza de que são mentiras porque eu vi quando estava no governo. Quando ele diz que houve favorecimento de Dilma Rousseff a Marcelo Odebrecht na questão dos aeroportos, eu vi aquilo, foi uma posição técnica. Ela nunca se deu bem com Marcelo Odebrecht.

Sobre se houve ou não caixa dois na campanha coordenada por ele e Palocci, em 2010, ele disse que nunca participava das finanças.

Cardozo afirma que o PT precisa mudar, mas defende todos os pontos que o partido tem sustentado na sua defesa. Argumenta que a autocrítica não pode ser feita agora porque estaria ocorrendo uma “demonização” do PT. Mas ele defendeu essa ideia de autocrítica após o mensalão. Em 2006, o presidente Lula foi reeleito, portanto, estava em boa situação:

— Era o momento mais favorável para fazer isso porque os tiros tinham parado. Isso não foi feito. Hoje estamos enfrentando uma nova situação de demonização.

Mesmo um dos mais temperados petistas acha que a culpa é externa. Ou, como diria Sartre, “o inferno são os outros”.

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