Embora seja inquestionável o caos no Rio, intervenção suscita dúvidas a respeito de sua motivação e eficácia
O governador Luiz Fernando Pezão (MDB) reconheceu, para todos os efeitos, sua incapacidade de gerir a crise de segurança pública no Rio de Janeiro, embora na prática a falência orçamentária e um ensaio de anomia há muito sejam o padrão geral do Estado.
A intervenção federal determinada naquele setor da administração fluminense preenche os requisitos formais, devendo ainda passar pelo crivo do Congresso. Nem por isso suas motivações e suas chances de eficácia deixam de suscitar dúvidas, reservas e temores.
Trata-se, sem dúvida, de um lance de risco. Se é inquestionável a gravidade da situação no Rio, a medida abre precedentes para ações similares em outras regiões do país —em Pernambuco, por exemplo, a criminalidade também tem avançado de modo alarmante, com indicadores até piores.
O governo federal se sujeita a um teste crítico: se falha a intervenção, recurso extremo, as opções restantes perdem credibilidade.
Outras experiências de ação militar no Estado mostram efeitos efêmeros. Há recuo inicial da violência, que se reverte quando as tropas voltam a seus afazeres normais.
Ainda mais imprudente é expor as Forças Armadas ao contato frequente com o narcotráfico. Difícil imaginar um cenário mais catastrófico para o país que a infiltração de interesses do crime organizado na instituição, como já ocorreu nas polícias do Rio.
Esta Folha tem insistido que operações dessa natureza deveriam ser conduzidas pela Força Nacional de Segurança Pública, composta por policiais cedidos pelos Estados. Seria recomendável ampliar esse contingente e torná-lo uma espécie de força de elite.
Por outro lado, em mistura de necessidade e oportunismo, o governo Michel Temer (MDB) redefiniu os termos da discussão política.
Lançar uma agenda de potencial apelo popular na segurança já era um projeto para amenizar uma palpável derrota na reforma da Previdência —e um meio de melhorar a imagem do Planalto em ano eleitoral. Nesse contexto se encaixa a perspectiva de criação de um ministério para o setor.
Em final de mandato, avança-se aos improvisos sobre um tema crucial para a população —que já vem sendo explorado, com populismo tosco, pelo deputado Jair Bolsonaro (PSC-RJ), pré-candidato à Presidência da República.
A União se volta para uma política de competência estadual antes de ter cumprido com o que é de sua responsabilidade. O tráfico de drogas e armas vaza pelas fronteiras e pelo litoral; até hoje inexiste sistema nacional capaz de coordenar com eficiência a troca de informações entre as polícias.
A despeito dos vícios de conduta do presidente e de muitos de seus auxiliares mais próximos, deve-se reconhecer que o governo Temer liderou com coragem uma agenda tão dura quanto essencial na economia. Será lamentável se o ímpeto reformista ceder lugar a uma busca por popularidade amparada em bases duvidosas.
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