- Valor Econômico
Preparava chegar ao Alvorada como quem vai à Ilha de Caras
Luciano Huck desistiu. Ainda bem. O apresentador decidiu nos livrar da ambição do aprendiz de político. Alguém teve bom senso. Os "aloprados" que investiam na sua candidatura choram a perda do candidato de ocasião.
O episódio pede reflexão. A candidatura natimorta resultou da combinação letal de altas doses de três ingredientes: oportunismo, ingenuidade e prepotência.
Oportunismo: recorre-se a um nome popular para vencer a eleição. Não importa quem seja, contam apenas as pesquisas de intenção de voto. Deste ponto de vista, nada distingue Tiririca de Huck. Um Tiririca de grife, vindo dos Jardins e com passagem em cursinhos de moral e cívica. Mas Huck não passa de uma celebridade com veleidades políticas. O apresentador se preparava para habitar o Alvorada como quem embarca para a Ilha de Caras.
Puro oportunismo eleitoral adornado com pílulas de renovação da política. Onde está a novidade? Onde está o combate à "velha política"? Huck já havia renunciado. Voltou a considerar abraçar o "projeto" depois que os três do TRF-4 inviabilizaram a candidatura Lula. Desistiu porque temia perder. Com a raia livre, veio o apelo ao sonhador.
Os movimentos de renovação da política ficaram mal na foto. Correram atrás do candidato viável. Não se diferenciaram em nada dos partidos carcomidos que tanto criticam. Fernando Henrique Cardoso declarou não conhecer as ideias defendidas por seu pupilo. Ninguém conhece. Não importa. Importa que a celebridade tenha votos e diga rezar pela cartilha da valorização da ética na política. Pelo jeito, é o que basta para iniciar um processo de reconstrução da política: não ter carreira política prévia. O apresentador ia entrar para o PPS, o velho Partidão. Quem se preocupa? Na última eleição, andou de braços dados com Aécio Neves para cima e para baixo. Decepcionou-se com o amigo. Bastou apagar os posts do Face para se regenerar e ser considerado uma expressão da renovação política.
Não param de surgir grupos dedicados ao resgate da moral e da ética na política. O estímulo veio da Lava-Jato e da vedação de contribuições de pessoas jurídicas às campanhas eleitorais. Na quinta-feira, a lista de grupos renovadores que anunciaram interesse em conversar com Huck beirava uma dezena. Por detrás de cada um, um jovem empresário idealista. Novos tempos, novas regras, novas embalagens. Fora isto, segue o velho jogo de sempre.
Obviamente, ninguém investe recursos em algum empreendimento sem olhar para seus retornos. Por detrás do altruísmo e do civismo autoproclamados, desenha-se uma estratégia de intervenção e controle da política. Um programa, digamos assim, de minimização de riscos, um investimento na formação de quadros sintonizados com as expectativas daqueles que subsidiam as atividades do grupo. A formação de quadros envolve conscientização e doutrinação. A esquerda faz isto há tempos. A direita resolveu copiar.
O pulo do gato do investimento em novos quadros está na disseminação da ideia de que toda intervenção do Estado cheira à corrupção, que tudo que o Estado faz é distribuir meias-entradas, introduzir distorções. Ética na política vem combinada com o Estado mínimo, com o empresário-cívico travestido de salvador da pátria.
Ingenuidade: segundo os jornais de sexta-feira, Huck teria confidenciado a amigos "estar seguro de que conseguiria formar um governo histórico." De onde vem esta certeza? A descrição de Monica Bergamo na "Folha de S.Paulo" é um primor de lugares comuns: "O apresentador achava ainda que, recém-eleito e com altos índices de popularidade, poderia convencer o Congresso a apoiar as boas ideias que imaginava que tinha." Não faltam condicionais: "achava", "poderia", "imaginava". Mesmo as boas ideias aparecem como pura imaginação.
O desprezo pela atividade política é patente. Entretanto, bons políticos não são criados do dia para a noite. Governar implica em tomar decisões, fazer escolhas, eleger prioridades e, sobretudo, decidir ganhadores e perdedores na luta por bens finitos e escassos.
Os defensores da nova política querem nos fazer crer que basta sonhar e se comprometer com práticas éticas para que tudo fique bem. Não faltam militantes que de fato são movidos por estas crenças, mas é preciso reconhecer que não bastam boas intenções para garantir o sucesso das políticas públicas voltadas para o bem-estar da população. Por exemplo, não é a maldade ou a corrupção que impedem o avanço da educação no país. Como ter professores bem formados nas salas de aula? Como motivar os alunos? Mais ao ponto: salas com menos alunos ou melhores salários para professores?
Prepotência: Tudo se resolve com bons conselheiros. Os patrocinadores da aventura Huck não estavam apostando "nas boas ideias que [ele] acreditava que tinha". Cada um confia que suas próprias ideias, nos seus projetos. Fernando Henrique foi definido como seu mentor. Outros tantos competiam e competiriam por este lugar. Cada um dos grupos com que conversaria entraria nesta luta. Os banqueiros com quem andou jantando também estariam presentes na hora do vamos ver. Alguns deles, como bons investidores, optaram pela diversificação do portfólio, apostando ao mesmo tempo em Huck e Bolsonaro.
Arriscar jogar o país em mãos tão despreparadas como as de Huck seria um ato de irresponsabilidade política sem igual. Pelo que foi noticiado, o apresentador resolveu não trocar o certo pelo incerto. Que a sua candidatura reste em paz.
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Fernando Limongi é professor do DCP/USP e pesquisador do Cebrap.
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