- Valor Econômico
Projeto que acaba com contabilidade esdrúxula está parado
Está na mesa do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), aguardando despacho, desde dezembro do ano passado, o projeto de lei que altera as relações entre o Tesouro Nacional e o Banco Central. O projeto, que é de autoria do senador Ricardo Ferraço (PSDB-ES), já foi aprovado pelo Senado. Ele resultou de uma longa negociação com o governo e da pressão feita por numerosos especialistas para acabar com o mecanismo que, atualmente, permite que o BC financie o Tesouro.
Assessores de Maia disseram ao Valor que o projeto ainda não andou porque o presidente da Câmara está conversando com representantes do BC para definir o melhor encaminhamento das propostas que afetam o mercado financeiro. O projeto de lei 9.248, por exemplo, que permite que o BC receba depósitos voluntários de instituições financeiras, já tem comissão especial onde será analisado. A comissão aguarda a indicação de representantes dos partidos para iniciar os trabalhos.
"Na última reunião que o presidente Maia fez com técnicos do BC, eles manifestaram preocupação de que essa proposta seja aprovada antes do projeto, que trata das relações do BC com o Tesouro", explicou um assessor. "Então, a ideia é que os dois projetos tramitem conjuntamente", informou. De acordo com os mesmos assessores, Maia dará celeridade aos dois projetos logo depois da votação da proposta do cadastro positivo, que ocorrerá na próxima semana.
Em 2008, a lei 11.803 alterou a metodologia de apuração do balanço do BC, separando do resultado patrimonial do BC os lucros e prejuízos das operações com as reservas internacionais e derivativos cambiais. Para isso, foi criada uma conta separada chamada de "equalização cambial". Para entender a questão, é preciso observar que o BC contabiliza as reservas do país em reais. Assim, quando o real se desvaloriza frente ao dólar, o valor das reservas aumenta. Isso é considerado "lucro". Quando o real se valoriza frente ao dólar, o valor das reservas diminui. Isso é considerado um "prejuízo".
A contabilidade é feita diariamente. No fim de cada semestre, o BC apura em quanto ficou a variação cambial e, se houve "lucro", transfere o resultado financeiro ao Tesouro, em dinheiro. Se houve "prejuízo", o Tesouro cobre o resultado negativo do BC emitindo títulos. Tanto o "lucro" como o "prejuízo" são apenas contábeis, fictícios, pois não houve venda efetiva das reservas do país.
As mudanças promovidas pela lei 11.803 criaram uma situação esdrúxula. O BC passou a ser a única instituição em todo o mundo a registrar lucro e prejuízo no mesmo exercício financeiro. No primeiro semestre de 2017, por exemplo, o BC registrou um resultado positivo de R$ 11,272 bilhões, que foi transferido ao Tesouro, em dinheiro, em setembro. No primeiro semestre de 2017, o BC também registrou um "prejuízo" na conta de "equalização cambial", que foi coberto com a emissão de títulos pelo Tesouro em janeiro deste ano.
É preciso que fique claro que o BC não transferiu ao Tesouro o valor líquido do resultado do seu balanço e do resultado da conta da "equalização cambial", apurados no primeiro semestre de 2017. Ele transferiu todo o lucro e recebeu títulos para cobrir todo o prejuízo. Se tivesse somado os dois resultados, o BC teria recebido apenas R$ 4,473 bilhões em títulos (valor que corresponde à subtração do prejuízo de R$ 15,744 bilhões do lucro de R$ 11,272 bilhões), como mostra a tabela abaixo.
No segundo semestre de 2017, o resultado do BC foi de R$ 14,709 bilhões e o prejuízo na conta de "equalização cambial" foi de R$ 30,677 bilhões. Em março deste ano, ele transferiu o resultado positivo para o Tesouro e o prejuízo está previsto para ser coberto em janeiro de 2019, de acordo com as demonstrações financeiras do BC, de 31 de dezembro de 2017.
O total do resultado do BC em 2017 foi de R$ 25,981 bilhões, com um prejuízo na conta de "equalização cambial" de R$ 46,422 bilhões. Se os dois valores fossem somados (lembrando que o prejuízo tem o sinal negativo), o resultado seria um prejuízo de R$ 20,441 bilhões, a ser coberto com títulos do Tesouro. Mas o método de apuração do balanço permitiu que o BC transferisse R$ 25,981 bilhões, em dinheiro, ao Tesouro e recebesse R$ 46,422 bilhões em títulos.
"Se não houvesse a operação de equalização, o BC teria registrado um prejuízo patrimonial a ser coberto pelo Tesouro", explicou Antônio D'Ávila Júnior, consultor da Comissão de Orçamento da Câmara dos Deputados, e o primeiro especialista a apontar as distorções dessa contabilidade. "Criou-se uma situação na qual, de um lado, o BC entrega bilhões de reais ao Tesouro e, de outro, o Tesouro entrega bilhões em títulos ao BC", disse
Para o consultor, "trata-se de clara sistemática de financiamento do BC ao Tesouro". Ele observa ainda que os valores transferidos ao Tesouro "estão sendo utilizados para o cumprimento da "regra de ouro", posto que são classificados entre as receitas de capital".
O projeto de lei 9.283, já aprovado pelo Senado e parado na Câmara, altera a contabilidade do BC. O resultado positivo da instituição em suas operações com as reservas e com derivativos cambiais não será mais automaticamente transferido ao Tesouro. Será destinado a uma reserva, que só poderá ser utilizada para cobrir o resultado negativo do BC. Poderá ser destinado ao pagamento da dívida mobiliária apenas quando "severas restrições nas condições de liquidez afetarem de forma significativa o seu refinanciamento".
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