quinta-feira, 29 de março de 2018

Maria Cristina Fernandes: A delação do mundo que não se acaba

- Valor Econômico

Lava-Jato avança sobre bens; Temer garante foro a alvos

Ressuscitaram as negociações para a delação do ex-presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha. Dada por abortada há seis meses, às vésperas da saída do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, do cargo, a delação ressurge em meio às cinzas da Lava-Jato.

Sob Janot, Cunha só queria entregar o que já se sabia, especialmente depois que o doleiro Lúcio Funaro, passou à frente e decidiu colaborar. Mas a asfixia financeira do ex-deputado tem contribuído para a retomada das negociações. No início desta semana, o juiz Sergio Moro autorizou o bloqueio de US$ 5 milhões de seu patrimônio. Foram confiscados três imóveis e parte de uma propriedade no Rio. O Ministério Público também pediu que o juiz estenda o bloqueio aos bens de sua mulher, a jornalista Claudia Cruz.

É difícil asfixiar as fontes de recursos de um parlamentar que serviu a tantos interesses quanto Eduardo Cunha. Por mais que a PF e o MP fucem, sempre haverá algum potentado disposto a manter o conforto de sua família. Preso, porém, o maior patrimônio que Eduardo Cunha pode dispor é das informações que preserva sobre os personagens da República nos dois lados do balcão.

A negociação dessa delação dá-se ainda em meio às tratativas para a candidatura de sua filha, que vai se lançar à Câmara dos Deputados pelo MDB do Rio. O ex-deputado penitenciário não pretende por em risco as condições de Danielle Dytz da Cunha alcançar um mandato. Ainda não se sabe, por exemplo, quanto o PMDB vai alocar na campanha da filha de Cunha.

Seu grupo na Câmara foi cooptado por Temer, a começar do atual ministro da Secretaria de Governo, Carlos Marun, titular da tropa de choque do ex-deputado, mas muitas das benesses que todos desfrutam ainda derivam de operações iniciadas na era Cunha.

A empreitada da delação ganhou novo fôlego com a saída de Fernando Segovia, da Polícia Federal. O delegado Cleyber Malta Lopes desfruta de mais liberdade de ação sob a chefia de Rogério Galloro. Partiram dele as 50 perguntas que inquietaram o gabinete do presidente Michel Temer, provocaram desastradas declarações de Segovia e encontraram guarida no gabinete do ministro do STF, Luís Roberto Barroso.

Dias antes da troca na direção-geral da PF, o presidente cuidou de estender foro privilegiado para o ex-advogado de Eduardo Cunha. Gustavo do Vale Rocha estava abrigado, desde a posse de Temer, na poderosa assessoria de assuntos jurídicos da Casa Civil, cargo que já foi do ministro do Supremo, Dias Toffoli.

A oportunidade para salvaguardar o assessor surgiu com a saída, da secretaria de Direitos Humanos, de Luislinda Valois, autointitulada escrava por não ter podido acumular os vencimentos de ministra com os de desembargadora.

Como não houvesse, entre seus aliados, grande disputa pela pasta, não custou ao presidente valer-se da vaga para acomodar o ex-advogado de Cunha. A notória falta de intimidade de Gustavo do Vale Rocha com o tema seria facilmente compensada pelos benefícios advindos da prerrogativa de foro.

Rocha advogou para Cunha desde os tempos em que o ex-deputado, preso em Curitiba, liderou as negociações para a aprovação da Lei dos Portos, em 2013. Até a sessão do impeachment, esta havia sido inscrita nos anais da Câmara como uma das mais longas de sua história pelo tempo que os despachantes do PMDB dedicaram aos interesses do setor. Aqueles do Libra, um dos maiores operadores portuários do país, seriam resguardados por emenda de Cunha.

Nas eleições de 2014, a empresa distribuiu prebendas milionárias ao PMDB e à mulher do ex-presidente da Câmara, Claudia Cruz. No ano seguinte, um decreto, destinado a regulamentá-la, garantiu à empresa a renovação da concessão de suas áreas no Porto de Santos, a despeito de dívida bilionária com a União. Estava na secretaria especial do setor, à época, Edinho Araújo, aliado de primeira hora do então vice-presidente.

Antes da prisão de Cunha, Gustavo do Vale já estava lotado na Casa Civil. Foi de lá que acompanhou as tratativas para que Rodrigo Rocha Loures não deixasse as digitais do presidente em novo decreto, que beneficiaria outra operadora de Santos, a Rodrimar.

A expectativa do MP, no entanto, é de que a delação de Cunha ultrapasse Santos e aporte na Caixa Econômica Federal onde os malfeitos expostos por Funaro ainda não foram suficientes para estancar a sangria. Vem daí a pressão para que o presidente da Caixa, Gilberto Occhi, também assuma um ministério, como o da Saúde, que o mantenha a salvo da primeira instância.

Por mais avançada que esteja, o deputado tem motivações para só vir a fechar a delação depois que Temer já tiver se transformado num retrato na parede. Além de preservar negócios em andamento, o compasso de espera tem outra serventia para Eduardo Cunha, a chance de repactuar com a nova ordem política de 2019 sua vida fora das grades.

Paradeiro incerto
Ao recusar a entrada da Polícia Federal na investigação sobre a autoria dos tiros que alvejaram a caravana do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o ministro da Defesa, Raul Jungmann, acumula o passivo do Palácio do Planalto com a escalada da violência política. Assim como a execução de Marielle Franco, a investigação do atentado paranaense ficará a cargo da Polícia Civil. A morte da vereadora já completa duas semanas sem uma única pista do assassino. No Paraná, a primeira nota da polícia civil responsável pela investigação do atentado dá a medida de seu empenho: "O paradeiro dele [do ex-presidente] é incerto e não sabido".

A trinca da dianteira
Pesquisa telefônica com 1606 entrevistas, de que o PSB dispõe, traz três líderes de um eventual primeiro turno: Joaquim Barbosa (21,7%), "o candidato de Lula" (19,1%) e Jair Bolsonaro (18,6%). Um segundo turno entre Barbosa e Bolsonaro sai por 45,1% a 22,9%. Entre o ex-ministro e "o candidato de Lula", por 55,5% a 21,5%. O cenário entre Bolsonaro e "o candidato de Lula" não foi testado.

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