O crescimento de uma direita assumida melhora o equilíbrio ideológico da representação
O segundo turno das eleições presidenciais de 2018 traz a quebra da longa série de embates entre PT e PSDB, um duelo iniciado em 1994 e travado sucessivamente até 2014. Com um balanço largamente favorável aos petistas: oito anos consecutivos do tucano Fernando Henrique no Planalto; o mesmo período com Lula, quatro com Dilma Rousseff, eleita por Lula, e que ainda cumpriu um curto mandato adicional de pouco mais de um ano e meio, até sofrer impeachment, em agosto de 2016. Dilma cometeu crime de responsabilidade, passível de punição com perda de mandato, ao manipular a contabilidade pública, para escamotear déficits criados na desobediência à Lei de Responsabilidade Fiscal, incluída na Constituição.
Outro aspecto desta eleição é que PT, PSDB e demais partidos de alguma relevância chegaram à campanha manchados por desleixos com a ética. Lançada em março de 2014, a Lava-Jato passou a ser devastadora para PT, PSDB, MDB, PP, DEM, PTB, citando-se apenas os principais atingidos.
A grande fadiga de material que acelerou a corrosão do sistema político-partidário passou a abrir espaços para nomes que o eleitorado considerasse “novos” ou “outsiders”. Nem que não fossem tão novos nem outsiders assim.
A denúncia da existência do mensalão do PT, feita em 2005, foi a primeira avaria de algum porte sofrida por Lula e partido, ainda no início do primeiro mandato. E não pararia mais de surgirem malfeitos envolvendo petistas e seu chefe. Com o tempo, a exposição do PT a denúncias consistentes foi ampliada. Soube-se depois que o petrolão, o grande esquema de corrupção do lulopetismo e aliados, desvendado pela Lava-Jato, começou a ser montado na Petrobras já no primeiro mandato de Lula no Planalto.
A promulgação, por Dilma, em 2013, da Lei das Organizações Criminosas, consolidando juridicamente o mecanismo da “colaboração premiada” , daria as bases para que a Lava-Jato, a partir do ano seguinte, desmontasse a máquina de propinas criada pelo PT, a fim de financiar seu projeto de poder hegemônico. Não faltariam casos de enriquecimento ilícito.
Um deles, do próprio ex-presidente, preso em Curitiba por ter sido condenado em segunda instância, por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, no processo do tríplex do Guarujá —, recebido por Lula, segundo denúncia do MP aceita pela Justiça, da empreiteira OAS, em troca de facilidades em negócios na Petrobras.
A condenação de Lula e sua consequente inelegibilidade forçaram o ex-presidente a escalar Fernando Haddad, ex-prefeito de São Paulo, em seu lugar como cabeça da chapa formada com Manuela D’Ávila, do PCdoB. A terraplenagem para o aparecimento do candidato “outsider” ou “novo” foi completada por devassas amplas da Lava-Jato para muito além do PT: velhos caciques do PMDB, rebatizado com a sigla antiga MDB, carregam na folha corrida inquéritos, processos e denúncias de corrupção, bem como a oposição ao PT — PSDB e DEM. Se Lula e pessoas próximas em governos e partido — José Dirceu, Antonio Palocci, Delúbio, Genoíno, João Paulo Cunha e outros — foram atingidos por arrastões anticorrupção, PSDB e DEM também ficaram chamuscados. À frente deles, o tucano Aécio Neves, quase presidente em 2014, quando perdeu para a petista Dilma Rousseff por três pontos percentuais. Apanhado em transações nada republicanas com o empresário Joesley Batista (JBS), dificilmente sobreviveria. Escapou, por enquanto, e se elegeu deputado pelo PSDB mineiro.
Nascidos na redemocratização, PT e PSDB encerram toda esta trajetória pós-ditadura militar, da Nova República, em situação semelhante: junto com o MDB e outras legendas, abrigando quadros com ficha na polícia, protegendo acusados e denunciados por corrupção.
Mas a expectativa do “novo”, do “outsider” foi frustrada. Nenhum deles emplacou, até porque o sistema de financiamento de campanha redesenhado pelo Congresso, com o alijamento do dinheiro de empresas estabelecido pelo Supremo, dá todo poder aos caciques partidários, para decidir o destino dos recursos. A prioridade foram as reeleições e/ou as candidaturas recomendadas por chefes de castas. A renovação foi elevada, na Câmara, mas, se considerados parentes de antigos clãs, o índice de reciclagem cai.
Mesmo Jair Bolsonaro (PSL) nada tem de novo, tampouco de outsider. Acumula 28 anos de carreira como deputado federal. Político profissional. Se carrega uma característica atraente para o eleitorado de 2018 é ser antissistema — contra quem que esteve no poder nas composições feitas pelo PT e PSDB, nestas três décadas da Constituição de 1988.
Haddad, por sua vez, simboliza o poder da liderança carismática de Lula, que controla o PT de maneira vertical. Preso por ter sido condenado em julgamentos com amplo direito de defesa, o ex-presidente colocou Haddad no segundo turno e ainda ajudou a eleger a maior bancada da Câmara.
Não se poderia esperar mudança estrutural na política brasileira, ou qualquer outra, de maneira instantânea. Numa perspectiva otimista, esta eleição pode ser uma etapa que se vence em um processo de melhoria do sistema de representação política. Afinal, uma direita que se assume como tal passa a ser representada no Congresso, e talvez no Executivo, em nome de amplas parcelas do eleitorado que terminaram sufocadas pelo longo ciclo de “progressismo” do PT e do PSDB. Era ilusório aquele Brasil de algumas décadas atrás e que parecia ser majoritariamente de esquerda. O ponto de equilíbrio gravitacional ideológico do país pode ficar mais realista.
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