domingo, 28 de outubro de 2018

Luiz Carlos Azedo: Quem ganhar, leva!

- Correio Braziliense

Chegar ao dia da eleição sem declarar o voto, para um cronista político, é um sofrimento maior do que o de um comentarista esportivo obrigado a reconhecer que o time do seu coração está entregando o jogo. Por isso mesmo, respeito muito a opção dos colegas que resolveram tomar partido publicamente nessa campanha eleitoral e não escondem tal fato. Acontece que fui treinado para tomar distancia do meu interesse imediato para melhor compreender o processo político em curso. Fiz disso um estilo, o que, em bom sociologuês, significa tratar o fato político como um objeto exterior ao observador. Vamos às urnas!

Antes de mais nada, o eleitor brasileiro está cada vez mais consciente da importância de seu voto e do poder que isso lhe atribui para mudar a realidade política do país. Foi um longo aprendizado, que passou de geração em geração. Em 1974, por exemplo, o tsunami acabou com a maioria absoluta que o governo militar tinha no Senado. Em 1978, impôs a necessidade de abertura política, que resultou na anistia. Em 1982, inviabilizou nova troca de generais na Presidência; se não foi suficiente para restabelecer as eleições diretas para presidente da República, em 1985, viabilizou a eleição de Tancredo Neves. O caminho para a conquista da democracia foi o voto popular, sem embargo dos protestos, greves e articulações políticas. Não foi a luta armada, uma trágica tolice política, por mais glamourizada que seja por alguns.

Há uma astúcia popular no voto sufragado que precisa ser levada em conta. Desde 1989, o povo vem fazendo escolhas nas eleições que fazem algum sentido. Foi assim com Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva. Quando viu o desejo manifesto nas urnas frustrado, foi às ruas apoiar o impeachment do presidente da República. Foi o que aconteceu com Collor de Mello e Dilma Rousseff. Golpe? Golpe coisa nenhuma. Ambos foram apeados do poder com base na Constituição de 1988, que estabelece as regras do jogo.

Ninguém leva o eleitor para votar pelo nariz. O povo tem seus motivos para fazer escolhas. Nessas eleições, consideradas atípicas, há um claro sentido de ruptura. Isso está mais do que evidente. Apesar de uma reforma política feita para blindá-la, a elite política caiu do galho. Uma geração está sendo aposentada pelas urnas, outra foi expurgada pela Operação Lava-Jato. Isso não significa que a renovação política está dada, mas essa foi a sinalização do eleitor. Uma das dificuldades para entender o sentido dessa mudança é narrativa dos candidatos, que tem um caráter regressivo. O mundo passa por uma revolução que chegou ao cotidiano da população, mas a discussão eleitoral parece uma “vendetta”, remonta à crise política de 1964. Lá se vão 54 anos!

Por que isso acontece? Talvez porque as forças que apoiaram o regime militar durante 20 anos, nos últimos 30 anos ficaram sem representação política à altura de um projeto de poder. Seu último representante foi o senador Jarbas Passarinho (PDS-PA), que foi ministro da Justiça de Collor de Mello e presidiu a CPI do Orçamento, perdendo a seguir a reeleição ao Senado, em 1994. Talvez porque as forças que governaram o país durante recentes três anos, após o impeachment da presidente Dilma Rousseff, correm o risco de permanecerem longo tempo fora do poder.

Contingências
A radicalização direita versus esquerda em curso é um grande “dejà vu”, não passa disso. O mundo se move noutra direção. A nossa realidade é como um copo d’água pela metade. O Brasil tem a maior democracia de massas do mundo, com eleições livres, diretas e secretas, à prova de fraude e apuradas no mesmo dia. O que surgir das urnas é o veredicto popular, “duela a quien le duela”. As forças moderadas e centristas do país, que sempre se movimentaram pendularmente, viraram marisco nas eleições, mas não foram riscadas do mapa. Continuam influentes nas estruturas de poder, instituições republicanas, na grande mídia e na chamada sociedade civil. Podem até surpreender!

A disputa eleitoral de hoje pode até ser comparada ao desfecho de uma guerra de movimentos; as forças que forem derrotadas sobreviverão e uma guerra de posições se estabelecerá após as eleições. Os vitoriosos sabem que tropas de assalto não são eficientes para ocupação. Além disso, a dicotomia fascismo ou comunismo, que deu o tom das eleições nessa reta final, não faz o menor sentido. Se fosse verdadeira, nos levaria a uma guerra civil.

Na verdade, as contingências são outras. A primeira é o equilíbrio entre os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. A segunda é a relação entre os entes federados: União, estados e municípios. A terceira, a relação entre Estado e sociedade, que não passa apenas pelas eleições, mas também pela economia. Quem vencer as eleições assumirá um governo que gasta mais do que arrecada, não tem capacidade de investimento e presta péssimos serviços à população. Os eleitores querem segurança, saúde, educação, emprego e moradia. Não se resolve esses problemas com uma retórica vazia. Quem ganhar, leva, mas vai ter que trabalhar muito para não frustrar seus eleitores. Não fará o que quer, quando e como quiser; será escravo das suas circunstâncias.

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