Correio Braziliense
Como jornalista de política,
quebrou as barreiras do velho patriarcado e estabeleceu paradigmas para o
trabalho das mulheres no jornalismo político brasileiro
Acordei com maus pressentimentos e
preocupado com o meu coração biônico. Atualizei o blog e corri para a farmácia
para repor o estoque de medicamentos que me garantem uma vida quase normal, se
é que um jornalista pode ter uma rotina dessa ordem. Tomei o remédio no café da
manhã e só então liguei a tevê. Notícia terrível: Cristiana Lôbo havia morrido,
vítima das complicações de uma pneumonia, fatal para quem já estava muito
debilitada fisicamente por um câncer. Mesmo sabendo da gravidade de sua doença,
não esperava que isso ocorresse. Ela era uma guerreira, cobriu a campanha
presidencial de 2018 mesmo fazendo quimioterapia. Na última vez que havíamos
nos falado, por telefone, estava otimista.
Cristiana Lôbo foi grande repórter de política, com muito mais quilometragem do que eu, apesar de cinco anos mais nova. Quando a conheci, estava fora das redações, assessorava o líder do governo Itamar Franco na Câmara, o então deputado federal Roberto Freire (Cidadania), meu amigo, e ela era colunista do jornal O Estado de S.Paulo. De certa forma, a convivência com Cristiana e outros jornalistas de sua geração, como Ilimar Franco, Tales Faria, Expedito Filho, Maria Lima, Teresa Cruvinel e Helena Chagas, nessa passagem pelo Congresso, influenciaram minha volta à reportagem política pelas mãos de Ali Kamel, no jornal O Globo. Por causa da família, não pude permanecer em Brasília e fui trabalhar na sucursal de São Paulo, mas mantive contato com os colegas de Brasília. O epicentro da cobertura das eleições presidenciais de 1994 se deslocara para a capital paulista.
Alguns anos depois, a convite de Josemar
Gimenez, então diretor de redação do Correio, voltei para Brasília, iniciando a
trajetória que me fez colunista de política. Desde então, passamos a ter uma
convivência quase diária, nos corredores do Palácio do Planalto e nos salões e
plenários do Congresso. Foram horas e horas de conversas com colegas e fontes
nos “cafezinhos” dos dois plenários. Os repórteres de política de Brasília
formam uma espécie de círculo de Fórmula 1, difícil de entrar e muito fácil de
sair, no qual os profissionais circulam por diversos jornais ou passam a fazer
parte da mobília de uma redação, como eu. Cristiana Lôbo era pole position da
notícia. Gostava de “furo” de reportagem e não tinha preconceitos com as
fontes, mas sabia filtrar como ninguém o fato entre as versões. Desculpem-me o
trocadilho com o nome do programa que apresentava na Globo News.
Verdades e mentiras
“Ele meeente!” — quantas vezes ouvi esse
comentário, ela rindo, depois de conversas e entrevistas, como a me advertir:
tome cuidado com essas informações. Plugada nos bastidores de Brasília, gostava
de trocar figurinhas com os colegas para avaliar a conjuntura e checar as
informações. Era bem-humorada, se divertia com as idiossincrasias e trapalhadas
dos políticos. Goianamente, contava “causos”, que, muitas vezes, iam parar na
coluna de seu querido amigo Jorge Bastos Moreno, outro grande repórter.
Também fazia parte de um grupo de jornalistas que frequentava a casa do
ex-deputado Heráclito Fortes, uma das melhores fontes do Congresso, mesmo sem
mandato. Espirituoso e bem informado, o político piauense conseguia reunir
políticos influentes e jornalistas para conversas sem chatices, em torno de
frugal culinária nordestina. Quantas vezes Cristiana Lôbo saiu dos estúdios da
Rede Globo direto para esses encontros, no qual a alta gastronomia era a
notícia política.
“Azedo, vem comigo ao Palácio do Planalto,
quem sabe lá tem notícia”. Cristiana cumpria um rito quase obrigatório todos os
dias, um périplo pelos longos corredores da Câmara, do Senado e do Palácio do
Planalto, atrás de uma informação exclusiva. Vez por outra, me chamava para
acompanhá-la e conversar sobre a conjuntura política, dividindo o acesso às
fontes, sem nenhuma preocupação com isso. Tinha plena consciência de sua
vantagem estratégica, digamos assim, ao poder entrar no ar ao vivo na Globo,
com o furo de reportagem, que seria a manchete de todos os jornais impressos no
dia seguinte.
Às vezes, meu celular tocava: “Azedo, você
estará em Brasília na sexta-feira? Gostaria que participasse do programa desta
semana, gostei de sua coluna de hoje e pretendo tratar desse assunto”. Era
Cristiana, generosa com os colegas, inclusive com os mais jovens. Valorizava as
melhores coberturas, independentemente dos autores e seus veículos. Quando o
assunto da semana era economia, chamava alguém que cobria o Ministério da
Fazenda. A mesma coisa fazia se o centro das atenções era o meio ambiente, a
educação ou a política externa.
Como jornalista de política, quebrou as
barreiras do velho patriarcado e estabeleceu paradigmas para o trabalho das
mulheres no jornalismo político brasileiro. Acolheu e aconselhou colegas mais
novas, abriu-lhes espaços sem medo da concorrência. Assim, revelou em seu
programa uma nova geração de comentaristas de política, como Andreia Sadi,
Natuza Nery, Júlia Duailib e Ana Flor, que hoje brilham na Globo News. Meus
sentimentos ao Murilo e aos seus filhos, Barbara e Gustavo, e aos demais
parentes e amigos.
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