Folha de S. Paulo
Em discurso, Moro defende, sem delongas, a
criação de um tribunal de exceção; infelizmente, a imprensa se cala
Sergio
Moro dedicou 73,56% do enorme discurso de lançamento de sua pré-candidatura à
Presidência da República a uma catilinária contra a corrupção.
O resto não passou de um esforço
malsucedido para demonstrar que ele não é o homem de uma nota só. O aspecto
mais grave de seu discurso não mereceu destaque na imprensa. Defendeu,
"sem delongas", como disse, a instalação de um tribunal de exceção
dedicado ao combate à corrupção, que chamou de "Corte Nacional
Anticorrupção".
A estrovenga, entende-se, corresponderia a
alçar a Lava
Jato à condição de ente de Estado, que teria, por óbvio, de atuar
acima dos tribunais. O exotismo não para por aí.
Viciado, então, em estruturas paralelas, propôs também uma "Força-Tarefa de Erradicação da Pobreza", que atuaria, disse, como uma "agência independente". Fica a impressão de que a resposta às iniquidades sociais do país passa por uma reforma da burocracia e não reflete escolhas que são de natureza política. É de uma tolice acachapante.
Procurei na imprensa alguma reação negativa
à proposta da tal corte excepcional. Nada! Há sete anos, desde a criação da
Lava Jato, vivemos sob a égide da "caça aos corruptos". O resultado
está aí.
Chega a ser estúpido que tenhamos de
lembrar que o combate à corrupção não pode ser objetivo de governo, mas ação
corriqueira, permanente, do Estado democrático. Não é um ponto de chegada.
Não votei, e jamais o faria sob qualquer
pretexto, em Jair Bolsonaro. Mas, por motivo lógico, não hostilizo quem caiu na
conversa. Se
ninguém mudar de ideia, ele se reelege. Assim, recusemos, primeiro, o
abismo. Mas também já deixei claro que certas personalidades que andam por aí
deveriam ter mais pudor ao alegar ignorância. O presidente pode ser acusado de
qualquer coisa, menos de "imprevisível".
Não hostilizo, mas sempre espero que o erro
sirva ao aprendizado. Os rapapés que se seguiram ao lançamento da
pré-candidatura de Moro, infelizmente, evidenciam que isso não aconteceu.
Embora Bolsonaro estivesse na Câmara havia 28 anos, seu triunfo se deveu à
razia na política provocada pela Lava Jato. Ele era, afinal, um político, sim,
mas não um "tradicional".
De certo modo, muitos o viram como ele
próprio vê a hidroxicloroquina
no tratamento contra a Covid-19: "Se não existe um remédio eficaz para
o que consideramos ser o mal do Brasil, por que não recorrer a um
exotismo?". O "Mito" foi a droga "off label" a que
muitos se apegaram. Deu errado. Além de não ter combatido o mal, levou o paciente
—sim, o Brasil— à agonia em razão dos efeitos colaterais.
Moro representa, de novo, a aposta na
antipolítica e no discurso salvacionista. Não por acaso, ele se coloca na
disputa como o herói solitário contra o gigante —recorreu à imagem de Davi contra
Golias— e fala como um profeta.
Enxerga o futuro e espera que outros o
sigam. Não exagero. Afirmou: "(...) Esse não é o projeto somente de um
partido, é um projeto de país aberto para a adesão por todos os demais
partidos, pela sociedade brasileira, do empresário ao trabalhador, por todo
cidadão e cidadã brasileiros. É o seu projeto, que estava aí, aguardando o
momento certo. Chegou a hora".
É provável que nem ele se dê conta de que
aí está a confissão de que sempre houve "um projeto", que apenas
aguardava "o momento certo".
Jamais duvidei disso e sei o preço que
paguei por ter percebido, ainda em 2014, ano de criação da Lava Jato, que
o juiz-herói
contribuía para que a polícia tomasse o lugar da política.
Em seu discurso, Moro atacou, como se
esperava, o PT e Lula, ainda que não tenha citado o nome. Faz sentido. Como
juiz, ele retirou o ex-presidente da disputa em 2018 com uma condenação sem
provas, embora fosse suspeito e incompetente, como o STF reconheceu mais tarde.
Quatro anos depois, pretende enfrentar a sua caça sem a fantasia da toga.
Moro busca, num primeiro momento, os
eleitores desiludidos com Bolsonaro, aqueles que julgam que o "Mito"
traiu suas promessas e convicções —que, ora vejam!, consideravam boas!!! Para
esses, Moro está a dizer: "Eu sou o Bolsonaro de verdade! Este que aí está
é só o falso Messias". Também isso faz sentido.
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