sábado, 30 de abril de 2022

Luiz Werneck Vianna*: Em defesa do que nos é comum

Respira-se um ar carregado sob um céu sombrio desses que anunciam tempos de catástrofe. Dia e noite, instalados no poder político, personagens mal-intencionados conspiram para a ruina da democracia brasileira diante de uma sociedade desatenta e entregue às suas fainas habituais, não abdicando sequer de brincar os folguedos de carnaval como se não houvesse amanhã. Nos gabinetes de políticos falsamente atarefados cogita-se sobre qual candidato sem votos recairá a falsa benção de ser o representante de uma 3ª via que pretensamente nos livre disso que aí está, miragem com que se animam as pretensões ególatras de políticos liliputianos.

Embalados nessa cantilena, centrados em seus umbigos, deixam de reparar o abismo que se abre a seus pés e de toda a sociedade com o avanço do fascismo, que apura a sua mira em direção ao STF, até aqui o maior obstáculo aos intentos liberticidas, poder desarmado apenas detentor do bom direito. O cenário internacional com o transcorrer dessa infame guerra na Ucrânia é mais uma pedra no caminho dos que lutam contra os regimes autocráticos, como aqui nas posições favoráveis do atual governo ao regime discricionário russo, em claro desafio às melhores tradições da nossa política externa.

Nesse quadro, que ainda pode se agravar com uma eventual vitória dos republicanos nas eleições legislativas americanas, salvo a UE e a jurisdição benfazeja da ONU nas relações internacionais, somente devemos contar com forças próprias, em primeiro lugar numa articulação inédita das forças políticas, tão ampla quanto possível, a ser amparada por uma corajosa mobilização popular em defesa da economia popular sempre com foco na valorização das nossas instituições democráticas. Tal articulação deve necessariamente incluir o Centrão e todas as forças e personalidades que dependam do voto para a satisfação dos seus interesses. No caso, deve-se destacar a recente manifestação dos presidentes do Senado. Rodrigo Pacheco, e da Câmara dos Deputados, Artur Lira, em defesa do nosso sistema eleitoral, atacado pelo presidente Bolsonaro em sua estratégia de derruir as bases da nossa democracia.

Marco Antonio Villa: Bolsonaro tem medo da democracia

Revista IstoÉ

O objetivo do nazifascista bolsonarista é de produzir o caos no processo eleitoral. Os extremistas não conseguem conviver com a pluralidade de ideias

A campanha presidencial deste ano caminha, ao menos até o momento, a privilegiar temas que são instrumentais para obter a vitória eleitoral, mas não são os que realmente importam para o futuro do País. Os candidatos escolhem o terreno que preferem palmilhar, porém é fundamental redirecionar o debate eleitoral para os grandes problemas nacionais. O privilegiamento da pauta de costumes por parte de Jair Bolsonaro faz parte de uma estratégia de campanha que busca ocultar o desastre do combate à pandemia, os casos de corrupção e a falta de vitrine de realizações – afinal, o governo foi o pior da história republicana. Desviando para a pauta de costumes – e Lula já caiu recentemente nesta armadilha –, Bolsonaro reforça seus laços com sua base evangélica, legitima o discurso dos pastores e sinaliza para os bolsonaristas-raíz que ele continuará realizando o que eles chamam de “guerra ideológica.”

É importante destacar que a pauta de costumes tem sua relevância. Contudo, Bolsonaro rebaixa a discussão da questão com palavras vulgares e conclusões pueris. Demonstra uma ira pré-fabricada e constrói um passado que nunca existiu. A negação do presente e das novas contradições do mundo contemporâneo é um meio de buscar a polarização para fidelizar seus fanáticos seguidores. A eleição, portanto, é um mero pretexto para envenenar a sociedade brasileira com novos e velhos preconceitos distribuídos a esmo e sem nenhuma base científica.

João Gabriel de Lima*: A disputa inédita entre o ex e o atual

O Estado de S. Paulo

Ao que tudo indica, o foco da campanha de 2022 será nos corações

Encontrei Antônio Lavareda em Lisboa no último 25 de abril, dia da Revolução dos Cravos. Na data nacional portuguesa, que comemora a vitória da democracia sobre uma ditadura, era natural que falássemos de eleições. Lavareda, um dos principais analistas políticos brasileiros, chamou a atenção para uma peculiaridade do pleito de outubro. Se o cenário mais provável se concretizar – com os votos convergindo para Lula e Bolsonaro, sem uma terceira via –, veremos a disputa entre um presidente em exercício e um ex. 

Trata-se de um caso inédito no Brasil e raro em democracias. Lavareda lembra que isso esteve perto de acontecer, recentemente, na Argentina e na França. Na Argentina, Cristina Kirchner preferiu ser vice de Alberto Fernández, exercendo seu poder nos bastidores, ainda que com incursões barulhentas à ribalta. Na França, Nicolas Sarkozy chegou a ensaiar uma candidatura pelos Republicanos, mas desistiu por enfrentar problemas na Justiça. 

O fenômeno tem suas implicações. “As campanhas elaborarão programas detalhados, mas eles terão um papel diminutíssimo na campanha, já que os eleitores conhecem bem os candidatos”, diz Antônio Lavareda. “Tudo isso explica a razão de as pesquisas espontâneas mostrarem uma convicção de voto tão precoce.” Lavareda é o entrevistado do minipodcast da semana – atravessado, com o perdão do leitor, pelos ruídos dos bondes de Lisboa. 

Vinicius Sassine: A serviço do golpismo

Folha de S. Paulo

O golpismo de Bolsonaro tem a mesma cadência da politização das Forças Armadas

Jair Bolsonaro é um presidente com intenções e atos golpistas. Provou isso ao inflamar manifestação a favor de intervenção militar, em frente ao QG do Exército; ao usar o 7 de Setembro para um protesto pelo silenciamento do STF, quase invadido nos dias seguintes; ao confrontar o Judiciário com o perdão a Daniel Silveira; e ao atacar o sistema eleitoral.

O golpismo de Bolsonaro, para que tenha êxito pelo menos no campo da retórica, passa por um cargo estratégico no governo: o de ministro da Defesa. O presidente quer as Forças Armadas alinhadas ao seu projeto e, a seu modo, usa os generais colocados na Defesa –já foram três em três anos.

Por isso, quando o general Paulo Sérgio de Oliveira aceitou deixar o comando do Exército para comandar a Defesa, no ano em que Bolsonaro tentará a reeleição, a dúvida não era se seria arrastado ao golpismo, mas quando.

Alvaro Costa e Silva: Golpe e deboche

Folha de S. Paulo

No Dia do Trabalhador, a ordem é esticar a corda até arrebentar

Primeiro de Maio bom é (ou era) na Quinta da Boa Vista. Piquenique no gramado, passeio de pedalinho e trenzinho, resenha no pagode chinês e no fim da tarde um grande show de música clássica ou popular nos jardins projetados pelo francês Glaziou. Arrisco a dizer que neste ano o antigo Paço de São Cristóvão, onde nasceram Pedro 2º e a princesa Isabel, estará vazio de trabalhadores. Falta dinheiro até para passagem de trem, quanto mais para churrasquinho de gato.

Tradicional data de reivindicações da esquerda, o Dia do Trabalhador também será usado para manifestações da extrema direita em Brasília, São Paulo, Rio e outras capitais. Para realizá-las dinheiro não falta, nem apoio da máquina estatal. A intenção é reviver o Sete de Setembro do ano passado, quando houve um ensaio de golpe. A ordem é esticar a corda até arrebentar.

Hélio Schwartsman: Feridas da histórica

Folha de S. Paulo

Putin sara uma ferida centenária e, ao mesmo tempo, abre outra

Com dois meses de guerra, os poloneses continuam recebendo refugiados ucranianos de braços abertos. Quem olha não diria que, um século atrás, os dois povos travaram uma guerra que deixou dezenas de milhares de mortos.

Em 1918, no ocaso do Império Austro-Húngaro, os ucranianos, à época mais conhecidos como rutenos, tentaram estabelecer um Estado nacional na região da Galícia Oriental, onde também viviam poloneses e judeus. O centro da disputa era a região de Lviv (Lwów para os poloneses). Apesar dos ganhos iniciais dos ucranianos, a Polônia acabou levando a melhor no conflito, que se estendeu até 1919. Estima-se que tenha custado a vida a 10 mil poloneses e 15 mil ucranianos, a maioria soldados. A Polônia ainda manteve cerca de 100 mil ucranianos, muitos dos quais civis, em campos de internamento até 1921. Entre 20 mil e 30 mil pereceram de doenças e fome.

Demétrio Magnoli: Pacifismos

Folha de S. Paulo

Triunfo em terras ucranianas impulsionaria Putin a prosseguir sua escalada de guerras

"Paz para a nossa época" –as palavras de Chamberlain, ao retornar da Conferência de Munique, ecoam até hoje como um signo de vergonha. O primeiro-ministro britânico praticava o "apaziguamento", utilizando-se da linguagem do pacifismo. Diante da guerra de agressão russa na Ucrânia, o discurso pacifista está de volta. Como em 1938, seus mais destacados arautos não querem a paz, mas um desfecho específico da guerra.

Chamberlain não era um pacifista. O "apaziguamento", estimulado pela parcela da elite britânica simpática a Hitler, sintetizava um desastrado cálculo estratégico: direcionar as forças alemãs para um confronto mutuamente destruidor com os soviéticos. Os pacifistas aplaudiram a entrega dos Sudetos tchecos, que exibiam como um preço de liquidação para obter a paz universal. "Chamberlain fez a coisa certa em Munique", declarou Bernard Shaw, a figura icônica do pacifismo.

Ascânio Seleme: A culpa é do Centrão

O Globo

Ali habitam profissionais, herdeiros e representantes de segmentos sociais, mas seu objetivo não é o bem do país

É gigantesca a distância que separa o centro democrático do malcheiroso Centrão. O centro não reúne apenas santos, mas em grande parte é formado por políticos que prezam o Brasil. Muitos são profissionais, vivem disso, o que não é crime, outros são herdeiros políticos de pais, tios e avós ou representantes de setores da sociedade. Entre estes há muitos com genuíno interesse em trabalhar para melhorar a vida dos brasileiros. No Centrão ninguém é santo. Também ali habitam profissionais, herdeiros e representantes de segmentos sociais, mas seu objetivo não é o bem do país. Nunca foi.

O Centrão é corrupto. Nasceu corrupto e permaneceu assim ao longo de mais de três décadas, servindo (e servindo-se de) todos os governos, com mais ou menos intensidade, mas sempre em troca de poder ou dinheiro público. Poder, aliás, para facilitar o caminho ao dinheiro público. Ou alguém acha que Ciro Nogueira e Valdemar Costa Neto querem ministérios, como Severino Cavalcanti queria a “diretoria que fura poço” da Petrobras, para melhorar o Brasil? O Centrão não controla necessariamente partidos, embora tenha em seus quadros líderes de siglas. O grupo não pune parlamentares que não seguem suas orientações, apenas corta suas mesadas ou o acesso ao cofre coletivo.

Na sua gênese, o Centrão atuou em favor do governo Sarney. Na Constituinte de 1987 e 1988, liderou o bloco que trabalhou em favor de um mandato de cinco anos para o presidente. Depois operou para Collor, FH, Lula, Dilma e Temer. Tentou sem sucesso barrar o impeachment de Collor. Na gestão de FH foi a favor da reforma constitucional que instituiu a reeleição. Com Lula, locupletou-se no mensalão. Liderado por Eduardo Cunha, traiu Dilma e trabalhou pelo seu afastamento. De Temer foi aliado desde a primeira hora e refestelou-se na Esplanada dos Ministérios.

Malu Gaspar: Bolsonaro é aconselhado a não ir a atos de domingo contra o Supremo

O Globo

O presidente Jair Bolsonaro foi aconselhado por líderes do Centrão e ministros do Palácio do Planalto a não ir ao ato marcado pelos bolsonaristas para este domingo, 1o de maio, em várias cidades brasileiras. 

No Rio de Janeiro, as manifestações contra o STF, que o bolsonarismo dizem ser  pela "liberdade de expressão", acontecerão em Copacabana. O deputado Daniel Silveira (PTB-RJ) deve estar no palanque. 

Segundo interlocutores do presidente no Centrão, Bolsonaro já estava inclinado a não ir. Para eles, não é necessário o presidente "provocar mais" o Supremo do que já o fez, com o decreto perdoando Silveira e, depois, com o ato no Palácio do Planalto. 

No ato, diante de dezenas de deputados de sua base política, Bolsonaro atacou o ministro do Supremo Luís Roberto Barroso  e colocou em dúvida a segurança do sistema eleitoral. Também elogiou Silveira.

Miguel Torres*:1º de Maio — empregos, direitos, democracia e vida

O Globo

Em todo 1º de Maio, Dia Internacional do Trabalho, reafirmamos como sindicalistas nossas lutas, conquistas e avanços sociais. Em 2022 a data celebrada amanhã terá um sentido especial e será marcada por grandes expectativas de mudanças. Mudanças que se inscrevem no combate às políticas liberais que tanto prejudicam os trabalhadores na luta pela retomada e ampliação dos direitos trabalhistas e na ampla defesa da democracia.

Após dois anos realizando o 1º de Maio totalmente on-line devido à pandemia que castigou o mundo, voltaremos a realizar um ato unificado presencial, na Praça Charles Miller (Pacaembu), em São Paulo. Manteremos, entretanto, o esforço pela unidade de ação que se aprofundou nos dois últimos anos. As centrais Força Sindical, CUT, UGT, CTB, Nova Central, Pública Central do Servidor e Intersindical realizarão juntas esse ato sob o lema Empregos, Direitos, Democracia e Vida.

O momento exige a união das forças progressistas para alcançar um futuro melhor, já que o presente está muito difícil para a classe trabalhadora no Brasil. O desemprego está em 11,1%, um índice ainda escandaloso, indicando quase 12 milhões de brasileiros fora do mercado de trabalho.

A remuneração tem sido cada vez mais baixa. Como a coordenadora de Trabalho e Rendimento do IBGE, Adriana Beringuy, afirmou na divulgação da Pnad de março de 2022: “Embora haja expansão da ocupação e mais pessoas trabalhando, isso não está se revertendo em crescimento do rendimento dos trabalhadores em geral”. Aumento da pobreza e da fome!

Pablo Ortellado: Militares, fiadores das eleições

O Globo

Na última semana, vimos mais uma rodada desta espécie de dança entre a Justiça e militares ligados ao presidente. De um lado, há o movimento por parte desses militares para semear desconfiança no sistema eleitoral, ao que tudo indica, preparando a alegação de fraude caso Bolsonaro perca as eleições por margem reduzida. De outro, há o movimento da Justiça para dirimir quaisquer dúvidas sobre as urnas e envolver os militares na preparação das eleições.

O TSE criou em setembro de 2021 uma Comissão de Transparência nas Eleições (CTE) para fazer a fiscalização e auditoria do processo eleitoral. Nessa comissão, além de representantes de ONGs e universidades, uma vaga foi reservada aos militares. Segundo o jornal Valor Econômico, o TSE convidou um almirante para a vaga, mas o Ministério da Defesa ficou incomodado com o convite e terminou indicando o general Heber Portella, alinhado com o Planalto.

Na comissão, o general Portella tem feito críticas detalhadas e incisivas às urnas. Algumas foram vazadas nas redes bolsonaristas, no espírito de mostrar o caráter “vigilante” das Forças Armadas. Isso levou o TSE a publicar respostas a elas (um relatório de mais de 700 páginas!). Depois, o general preparou uma réplica minuciosa — que permanece em sigilo —, e o TSE respondeu numa tréplica publicada pela imprensa.

Dora Kramer: Culpas no cartório

Revista Veja

A alta ansiedade que assola a República tem razões que os poderes não deveriam ignorar

O Brasil tem um presidente atrevido, todo mundo vê; disso nem seus adoradores discordam. O que não se mostra evidente à primeira vista é a seletividade da ousadia. Quando sente o frio do perigo na nuca, Jair Bolsonaro recua para simular trégua. Se avalia o risco como de baixo custo com possibilidade de alto ganho, se atreve e avança para o confronto.

Fez agora ao se escudar na Constituição para derrubar uma decisão de dez dos onze ministros do Supremo Tribunal Federal pela condenação do deputado Daniel Silveira a oito anos e nove meses de prisão por incitação à violência contra o STF e alguns de seus integrantes.

E por que agiu assim, inclusive recusando de maneira debochada uma sugestão do ex-presidente Michel Temer, a quem havia ouvido para recuar lá no dia 7 de setembro de 2021? A Bolsonaro só interessa o jogo do próprio destino. A República que se vire. Naquela ocasião, o presidente soube que o Supremo estava disposto a endossar um pedido de impeachment, tornando difícil de o presidente da Câmara ignorá-lo.

O endosso do STF daria ao requerimento um peso diferente em relação àqueles outros mais de 100 aos quais Arthur Lira reservara, e ainda reserva, completa indiferença. Passados sete meses e faltando menos de meio ano para as eleições, a conjuntura é outra. Além de não comportar condições objetivas para processo de impedimento, a maior parte do Congresso está dominada pela entrega do manejo do Orçamento da União aos parlamentares do Centrão, hoje ampliado e majoritário.

Marcus Pestana*: Anistia: história, memória e justiça

A revelação dos áudios de sessões do Superior Tribunal Militar trazidos à tona pela jornalista Miriam Leitão, a partir das pesquisas feitas pelo historiador Carlos Fico, da UFRJ, não só revelaram a plena consciência que os juízes daquela Corte tinham sobre o uso da tortura e de práticas atrozes nos porões do regime autoritário, como também ressuscitou a intermitente questão da revisão ou não da Lei da Anistia, sancionada em 1979 e confirmada pelo STF em 2010.  

Manter viva a memória e apurar a verdade sobre tudo o que ocorreu é fundamental para fortalecer a consciência democrática que poderá bloquear qualquer tentativa de retrocesso institucional. Ditadura nunca mais! Tortura nunca mais! Democracia e liberdade sempre!

No entanto, os mais jovens precisam saber que, em 1979, houve um pacto tácito, depois de muita luta e discussão, entre governo e oposição, dentro da correlação de forças à época, para que a anistia fosse um perdão tanto aos militantes que lutaram contra a ditadura, como aos torturadores e agentes da repressão.

O que a mídia pensa / Editoriais / Opiniões

Editoriais

Golpismo é arma eleitoral de Bolsonaro

O Estado de S. Paulo

Enquanto a população sofre com a inflação, o desemprego e a fome, Bolsonaro zomba da Constituição e ameaça uma vez mais o processo eleitoral. É o bolsonarismo em ação

Jair Bolsonaro avança, com desenvoltura crescente, na sua escalada contra as instituições. Não se vislumbra quais seriam os limites de sua irresponsabilidade. Num só dia, como fez na quarta-feira passada, é capaz de atacar o processo eleitoral, envolver as Forças Armadas em seus devaneios conspiratórios, zombar do Judiciário e profanar a liberdade de expressão. É uma sucessão de barbaridades que, a rigor, não têm nenhuma relevância para o País. Enquanto Jair Bolsonaro entretém seu eleitorado com afrontas golpistas, a população tem de enfrentar a inflação, o desemprego, a fome e a falta de perspectiva quanto ao futuro.

O quadro é grave e requer realismo. A situação do Brasil em 2022 não guarda nenhuma semelhança com o que se viu em 2017 e 2018. No governo de Michel Temer, havia a crise social e econômica gestada nas administrações petistas, mas tinha um Executivo federal disposto a trabalhar e a enfrentar os problemas nacionais. Esse esforço gerou resultados visíveis: redução da inflação, condições sustentáveis para a diminuição dos juros e a retomada do crescimento.

O cenário hoje é inteiramente diferente. Não são apenas os indicadores econômicos ruins; por exemplo, a inflação volta a apresentar índices não vistos desde os anos 90 do século passado. O mais grave é que, mesmo com essa situação, o presidente da República entende que o seu papel é afrontar o Supremo, promover a desconfiança contra o sistema eleitoral e ainda envolver o bom nome das Forças Armadas em questões políticas.

Poesia | E agora Jose - Na voz de Carlos Drummond de Andrade

 

Música | Mariene De Castro - Samba pras moças

 

sexta-feira, 29 de abril de 2022

Fernando Gabeira: Qual é a graça de Bolsonaro?

O Estado de S. Paulo

O problema do presidente não é tanto o STF em 2021, mas sim aqueles ministros que têm poder no Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

A decisão de Bolsonaro de conceder uma graça presidencial a Daniel Silveira é um marco na sua trajetória. Remete ao 7 de setembro de 2021. Naquele momento, ele fez um discurso inflamado contra o STF, mas, logo em seguida, recuou. Bolsonaro deu um passo atrás para caminhar dois passos à frente num ano eleitoral. Agora, o próprio ex-presidente Michel Temer tentou dissuadi-lo, mas ele segue firme em sua lógica de confronto.

Foram muitos os argumentos jurídicos contra o ato de Bolsonaro. Mas o que parece interessar a ele, na verdade, são as consequências políticas. Avançou ou não no seu projeto de reeleição? É difícil de responder neste momento, mas aparentemente Bolsonaro reforçou sua base e se distanciou um pouco dos setores mais moderados, que, em última análise, são o fiel da balança de uma eleição polarizada. O problema de Bolsonaro não é tanto o STF em 2021, mas sim aqueles ministros que têm poder no Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

No caso de Daniel Silveira, ele apenas partiu para o confronto, sem maiores cuidados. Não concedeu graça a um criminoso, como prevê a Constituição. Ele aboliu o crime, afirmando que Silveira apenas exerceu a liberdade de expressão. Em outras palavras, funcionou como uma instância jurídica de revisão, substituiu a Corte Suprema. Isso pode? Perguntam todos aos juízes, no mesmo tom em que locutores esportivos consultam comentaristas especializados depois de um lance confuso.

Da mesma forma, Bolsonaro usou um falso argumento para fundamentar sua decisão. Disse que havia uma comoção nacional por causa da pena a Silveira. Havia apenas um carnaval, muita gente cantando e apontando dois dedos para o alto.

Eliane Cantanhêde: No cravo e na ferradura

O Estado de S. Paulo

Até o Centrão tenta conter golpismo de Bolsonaro e maluquices dos bolsonaristas no Congresso

Ok, pode-se alegar que o ministro Alexandre de Moraes estica muito a corda, 8 anos e 9 meses por ameaças é um exagero e o Supremo tem enviado sinais desencontrados à sociedade. Mas daí o presidente da República consumir duas horas numa homenagem a um sujeito condenado e desqualificado como Daniel Silveira?

Pode-se lembrar que Jair Bolsonaro é fã de Pinochet, Stroessner e Brilhante Ustra e sua família já condecorou um miliciano depois morto pela polícia, mas desta vez a papagaiada foi no Planalto, que não é de Bolsonaro nem do governo, mas do Estado brasileiro, e teve lances absurdos: o presidente abraçado a Silveira, o condenado divertindo-se com o decreto que o indultou, 22 parlamentares discursando.

É um tapa na cara do Supremo e da Nação, sufocada pela crise econômica e a inflação galopante divulgada no mesmo dia. Os bolsonaristas estão ocupados em endeusar Daniel Silveira, o povo quer comer, morar, estudar, tratar da saúde, se locomover e trabalhar.

Vera Magalhães: O que farão as Forças Armadas?

O Globo

Jair Bolsonaro tratou de, em menos de uma semana, dar completa razão ao ministro Luís Roberto Barroso, que havia afirmado, em seminário no último fim de semana, que as Forças Armadas estão sendo orientadas a questionar a lisura do processo eleitoral brasileiro.

Em duas oportunidades o presidente, de viva voz, instou as Forças Armadas a continuar a questionar a transparência da votação eletrônica, sempre “embasando” seu clamor em informações falsas.

Numa solenidade por si só já eivada de caráter golpista, em que Bolsonaro e apoiadores fizeram uma espécie de desagravo a Daniel Silveira, o presidente colocou explicitamente em dúvida a realização das eleições caso fatos “anormais” ocorram. Os únicos fatos anormais que ameaçam a realização do pleito são as investidas sistemáticas do presidente da República contra a Justiça Eleitoral.

Ele chegou ao disparate de dizer que a sala-cofre do Tribunal Superior Eleitoral, malandramente chamada por ele de “secreta”, para dar a ela ares de conspiração, seria um local onde algumas pessoas decidem quem vencerá a eleição!

Bernardo Mello Franco: Justiça acuada, candidato livre

O Globo

Os ataques de Jair Bolsonaro à Justiça Eleitoral já produziram um efeito prático. Obrigado a se defender em tempo integral, o TSE perdeu o fôlego para coibir a campanha antecipada.

O capitão será o quarto presidente brasileiro a concorrer à reeleição. Nenhum antecessor teve sua liberdade para usar a máquina em causa própria.

Bolsonaro transformou a Presidência num palanque permanente. O Planalto virou comitê de campanha. As viagens oficiais se tornaram pretexto para a realização de comícios itinerantes.

Na quarta-feira, o palácio sediou mais uma pajelança eleitoral. O capitão encheu o salão nobre de deputados governistas. O ato se arrastou por duas horas, com transmissão ao vivo na TV Brasil.

Ao todo, 22 parlamentares se revezaram no microfone. Nos discursos, exaltaram a personalidade do chefe e fizeram referências explícitas à eleição.

Flávia Oliveira: A marionete presidencial

O Globo

O Brasil é uma ilha tomada de crises para onde se olhe; e o Planalto, um palácio tornado palanque eleitoral. Por duas vezes em menos de um mês, a sede do Executivo federal foi palco de afronta ao Poder Judiciário, com o presidente da República recebendo, defendendo e homenageando um deputado condenado, por 10 votos a 1, no Supremo Tribunal Federal, por atacar a ordem democrática e ameaçar ministros da Corte.

Jair Bolsonaro fez de Daniel Silveira a marionete que manobra para tensionar as relações entre os Poderes, fragilizar a democracia, aglutinar a base aliada mais radicalizada e distrair o país da vida real, que só piora. O ilusionismo político tem funcionado. Desde que veio à tona o escândalo da influência no Ministério da Educação de pastores evangélicos sem cargos nem mandato, o ambiente institucional se deteriorou, num bem-vindo — para o presidente candidato à reeleição — desvio de debate público.

Enquanto o Brasil se ocupa do conceito desvirtuado de liberdade de expressão — como direito absoluto de ofender desafetos e de enfraquecer uma democracia cansada de guerra — ou discute a constitucionalidade do perdão presidencial a uma sentença que nem transitou em julgado, a economia afunda, a vulnerabilidade social se agrava, a floresta arde, os povos indígenas são dizimados. O Ministério do Trabalho informou ontem que, no mês passado, o país conseguiu gerar 136.189 empregos com carteira assinada, o pior saldo do ano até aqui, inferior às 153.431 vagas formais de março de 2021, quando, vacinação incipiente, explodia o número de mortos pela segunda onda da Covid-19.

César Felício: O golpe, de novo

Valor Econômico

A falta de diálogo entre os atores políticos alimenta o flerte do Executivo com o golpismo

Um antigo observador da cena política, com livre trânsito em diversas esferas dos três Poderes, faz o alerta: se todos que têm responsabilidade com a manutenção das regras democráticas não voltarem a conversar, as condições estarão dadas no Brasil para um golpe ainda este ano. O tema, que havia sido retirado de pauta depois do recuo do presidente Jair Bolsonaro no feriado da independência, já voltou à agenda de assombrações no feriado de Tiradentes, graças a dois episódios: o indulto presidencial ao deputado Daniel Silveira e a desavença entre o ministro Luís Roberto Barroso e o ministro da Defesa, general Paulo Sérgio Nogueira.

Barroso entrou nessa por acidente. A fala em si do ministro do Supremo Tribunal Federal em um evento acadêmico no exterior foi muito criticada, mas está longe de ser caluniosa às Forças Armadas como o general indicou. Foi, isso sim, um ataque, quase uma denúncia ao presidente Jair Bolsonaro, ainda que sem jamais mencioná-lo. O ministro fez uma indagação retórica, ao se referir ao voto eletrônico: “As Forças Armadas estão sendo orientadas para atacar o processo e tentar desacreditá-lo?” Mais adiante, ressalvou: “Nestes 33 anos de democracia, se teve uma instituição de onde não veio notícia ruim, e que teve um comportamento exemplar, foram as Forças Armadas.”

José de Souza Martins*: Dificuldades da terceira via

Valor Econômico / Eu & Fim de Semana

O povo não se encontra na polarização e no dualismo, mas naqueles que já conhece e nos quais se reconhece

Não é a primeira vez que setores da sociedade brasileira se mobilizam para encontrar uma alternativa política, uma terceira via, em face de desencanto político, de crise e impasse. O movimento de agora não é o primeiro, embora seja peculiar. A chance da terceira via parece estar em aceitar nova garimpagem eleitoral nos rejeitos da política.

Seus partidários querem encontrar uma saída política que não seja saída nem política. Foi lá atrás o caso da tentação por Sergio Moro. Não levam em conta que o brasileiro é politicamente conservador, mesmo quando necessita e quer mudanças. Mas o conservadorismo popular é muito peculiar e não é propriamente de direita.

No Império, a estrutura política do Estado brasileiro tinha no Poder Moderador do imperador o mecanismo de terceira via para contornar os impasses do bipartidarismo de liberais e conservadores.

O mecanismo funcionava bem. Como, dentre outros, ressaltou Euclides da Cunha, os liberais inovavam e os conservadores decidiam como a inovação seria posta em prática. O que nos fez um país de história politicamente lenta. Os impasses de agora vêm desse defeito estrutural do Estado brasileiro, amplificado pelo regime republicano de uma república de inspiração militar e sem povo.

Hélio Schwartsman: Não é difícil decidir entre Lula e Bolsonaro

Folha de S. Paulo

A menos que julgue que ambos são iguais nos vícios e nas virtudes, você consegue decidir contra quem precisa votar no pleito deste ano

Como a maioria dos humanos, Luiz Inácio Lula da Silva tem defeitos e qualidades. Ele foi presidente ao longo de dois mandatos e fez gestões que foram bem avaliadas pela maioria da população. Pegou uma conjuntura externa favorável e conseguiu fazer com que seus dividendos chegassem tanto a pobres como a ricos e à classe média. Pode parecer fácil, mas não é tão trivial. Em questões civilizacionais e temas de direitos humanos, sempre colocou-se do lado correto.

Talvez mais importante na conjuntura em que vivemos, Lula revelou ter algum compromisso com o sistema democrático. Embora tenha tido condições políticas de torcê-lo para beneficiar-se —ele poderia, por exemplo, ter levado o Congresso a aprovar o fim do limite constitucional às reeleições, como fizeram tantos líderes populistas mundo afora—, preferiu não fazê-lo. Também evitou impasses com outros Poderes. Não é pouco.

Alexa Salomão: Direita tem dever de casa para votar

Folha de S. Paulo

Vários eleitos se mostraram inadequados a cargos públicos

O governo Bolsonaro e seus aliados seriam os porta-vozes da direita brasileira, sufocada pela social-democracia de esquerda que se apoderou do Estado com o fim da ditadura militar. Justo. Pelo voto na urna, todas as correntes têm direito à representação, mas devem monitorar o eleito. Vejamos alguns.

No Rio de Janeiro, a direita fez do ex-PM Gabriel Monteiro o terceiro vereador mais votado, pelo PL, partido do presidente Jair Bolsonaro. Agora, enfrenta um processo de cassação diante de uma série de denúncias, entre elas gravar intimidades com menores e postar nas redes sociais. Numa delas, faz sexo com uma jovem de 15 anos, em outra, acaricia uma criança de 10 anos. Monteiro declara ser alvo de calúnia e perseguição.

Vinicius Torres Freire: EUA e China vão pegar resfriado

Folha de S. Paulo

Chineses devem crescer menos e americanos precisam frear, o que vai afetar o Brasil

A economia americana encolheu no primeiro trimestre de 2022. Mas continua superaquecida, com investimento produtivo e consumo privado em alta forte.

Como é possível? Mais sobre isso mais adiante. Mais relevante é saber se será possível conter a inflação nos EUA sem uma desaceleração forte, que pode dar até em recessão a partir de 2023.

A economia chinesa cresceu mais do que o previsto no primeiro trimestre de 2022. Mas março e abril foram meses mais fracos. Há indícios de que o PIB chinês vai crescer menos do que se imaginava neste ano.

PIB é assunto tedioso, sim. Mas o que acontece nos EUA e na China terá influência sobre o ritmo da economia e dos preços por aqui também, para começo de conversa.

Em um relatório do final da semana passada, os economistas do bancão Goldman Sachs discutiram o risco de o controle da inflação levar os EUA à recessão.

Quanto mais as expectativas de inflação ficarem descontroladas, maior o risco. Se a falta global de materiais para a indústria e a guerra continuarem a provocar aumentos de preços, maior o risco de "desancoragem" das expectativas.

Luiz Carlos Azedo: CB 61 + 1, quando os fatos mudam

Correio Braziliense

A exposição do Correio Braziliense cobre duas gerações, pelas quais passaram a renúncia de Jânio Quadros, o golpe militar que destituiu João Goulart em 1964, a implantação do regime militar e muito mais

A exposição comemorativa do Correio Braziliense sobre os 62 anos de Brasília, no Centro Cultural Banco do Brasil, reúne as capas deste jornal desde a inauguração da nova capital do país, em 1960, quando circulamos pela primeira vez. É um mosaico da trajetória histórica das estruturas do poder central e suas ações, para os quais a cidade foi projetada e construída, graças à audácia de Juscelino Kubitschek e à genialidade de Lucio Costa e Oscar Niemeyer.

CB 61 1 mostra um ciclo completo da vida política, econômica e cultural do Brasil, a partir de seus protagonistas no planalto central, que se tornou o polo dinâmico do Centro-Oeste, mas também a evolução e o comportamento de uma sociedade inicialmente formada por peões e funcionários públicos, que, pouco a pouco, se tornou muito mais complexa, até se transformar na grande metrópole cosmopolita atual e um fator da integração territorial nacional. Duas gerações de candangos, compreendidos como os cidadãos naturais de Brasília, produziram uma espécie de síntese do nosso processo civilizatório, mais ou menos como imaginava o fundador da Universidade de Brasília (UnB), Darcy Ribeiro.

Os fatos políticos ao longo desses 62 anos foram todos devidamente registrados pelo Correio Braziliense, que acompanhou os bastidores do Executivo, do Legislativo e do Judiciário, bem como a reação da sociedade às decisões dos poderosos, ao longo da história. As manchetes e fotografias publicadas nesse período são flagrantes da História do Brasil, revisitada a cada aniversário da cidade ou fato político relevante do presente, para os quais o fio da história nos permite melhor compreendê-los.

Reinaldo Azevedo: A ONU explica os desmandos da Lava Jato para o mundo

Folha de S. Paulo

Muitos, no Brasil, estão zangados com comitê, especialmente o Colunismo de Acusação

O Comitê de Direitos Humanos da ONU não poderia ter sido mais eloquente sobre as violações aos direitos de Luiz Inácio Lula da Silva praticados pelo Estado brasileiro por intermédio da Lava Jato, muito especialmente pelo então juiz Sergio Moro.

Também o PowerPoint de Deltan Dallagnol —que contou com a aprovação de Moro— aparece no texto como uma das agressões ao devido processo legal. O sempre excelente Jamil Chade antecipou a decisão no UOL e fez uma boa síntese do caso.

Para Lula, a decisão tem peso moral, não jurídico. E certamente será tratada, e com toda razão, na campanha eleitoral. Segundo o comitê, ao ser impedido de se candidatar, em 2018, o petista teve ainda solapados os seus direitos políticos.

Muitos, no Brasil, estão zangados com o comitê, especialmente o "Colunismo de Acusação", que atuou como uma espécie de anexo da força-tarefa, indiferente à evidência de que, numa democracia, a correção de qualquer mal, também o da corrupção, tem de se dar segundo regras.

Paulo Sérgio Pinheiro*: Nosso passado autoritário não é passado ainda

Folha de S. Paulo

Decisão de comitê da ONU sobre Lula expõe brechas perigosas na Justiça

O Comitê de Direitos Humanos da ONU, que monitora o cumprimento do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, acaba de reconhecer que o processo contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) violou as garantias do devido processo legal e seus direitos políticos.

Foi constatado que o ex-presidente teve seus direitos violados pelo Estado brasileiro ao não ter acesso a um processo justo e não ter tido protegida sua presunção de inocência. Ao mesmo tempo, o comitê reconheceu que Lula teve seu direito à participação política igualmente violado durante o pleito de 2018, quando foi impedido de concorrer.

A decisão do comitê deve ser lida com cuidado por todos que atuam para proteger e promover a democracia e o Estado de Direito no Brasil. As violações sofridas pelo ex-presidente individualmente, desde sua caçada televisionada até sua prisão prolongada, tiveram impacto imediato e profundo na trajetória política e social do país.

Maria Cristina Fernandes: Reeleição de Macron o empurra de lado

Valor Econômico / Eu & Fim de Semana

Votação de Le Pen e Mélenchon aponta para a necessidade de concessões à base do eleitorado sinalizadas no primeiro discurso de Macron reeleito

Quando Emmanuel Macron elegeu-se pela primeira vez, em 2017, os ditos centristas do Brasil ganharam um ídolo. Havia chegado ao poder, finalmente, aquele que, na terra que inventou o conceito, abominava tanto a direita quanto a esquerda. No ano seguinte, a ilusão tupiniquim produziu Jair Bolsonaro. Cinco anos depois, não há sinais claros de que os recados da reeleição de Macron foram claramente decifrados no Brasil.

Não é, de fato, desprezível a primeira reeleição de um presidente francês em 20 anos, especialmente por ter vencido as duas únicas eleições que disputou sendo um novato na política. Somadas as forças populistas, de direita e de esquerda, porém, o voluntarismo tecnocrático com o qual assumiu em 2017 levou uma lavada que o próprio presidente reeleito reconheceu no seu discurso de vitória, no Campo de Marte.

Nesse discurso, foi muito além de reconhecer uma votação que, em grande parte, se deveu menos às suas ideias do que à barreira que representou contra os extremismos. Ou ainda do reconhecimento do eleitorado de Marine Le Pen, que aumentou sua votação em relação a 2017 e deu a melhor performance eleitoral à extrema direita.

Nelson Motta: Em Portugal, a coragem da serenidade

O Globo

Comemorei, na Avenida da Liberdade, os 50 anos da Revolução dos Cravos, que, sem tiros e sem sangue, libertou o país de 40 anos de ditadura fascista

Com muita inveja cívica, comemorei na Avenida da Liberdade os 50 anos da Revolução dos Cravos, que libertou Portugal de 40 anos da ditadura fascista e obscurantista de Salazar, que censurou, prendeu, torturou, matou e aterrorizou com sua polícia secreta, parando o país no tempo do medo, do atraso e da pobreza.

É o feriado mais importante de Portugal, a data mais querida de sua História, que celebra uma revolução sem uma gota de sangue, marcada pela coragem, serenidade e autoridade moral do capitão Salgueiro Maia, adorado pela tropa, e uma nova geração de capitães cansados de matar pretos e morrer nas inúteis e injustas guerras coloniais na África, que planejam depor uma ditadura que calava, torturava e matava opositores. Salgueiro liderou uma coluna de blindados de Santarém a Lisboa e enfrentou, literalmente, de peito aberto os tanques do governo e um general boçal e violento.

Foi como uma cena de duelo de faroeste. Numa rua de Lisboa, uma pequena coluna de blindados e soldados rebeldes fica cara a cara com os tanques do governo, separados por 50 passos e um tempo tecido a tensão e medo. Salgueiro desce do blindado, põe seu fuzil no chão, e com um lenço branco na mão caminha lentamente em direção ao general que grita ameaças e palavrões, dá ordens de prisão e tiros para o alto.

Pedro Doria: O problema do Twitter

O Globo

Não sabemos o que acontecerá com o Twitter após Elon Musk sacramentar a compra e tomar posse. Ainda assim, quem navegou pela rede nestes dias viu muitas certezas. Uma turma da direita autoritária eufórica e quem se preocupa com a democracia enlutado. Jair Bolsonaro, o presidente da República, conquistou um salto de seguidores — 65 mil num único dia. Efeito Musk? Segundo o Bot Sentinel, não: 61 mil eram robôs. Que, aliás, Musk promete banir. Muita gente está, até, achando que este é um debate a respeito da liberdade de expressão e de seus limites. Mas não é.

Tanto mudou nos últimos séculos que um dos conceitos que se perderam foi a ideia original de liberdade de imprensa. Porque lá na Primeira Emenda da Constituição americana, em 1787, James Madison redigiu que o Congresso não poderia impor limites por lei aos exercícios das liberdades de expressão e de imprensa, tratando as duas coisas como distintas. Hoje compreendemos essa ideia como um direito particular a jornalistas. Não era nisso que Madison pensava, e relembrar seu conceito nos ajuda a pensar o Twitter.