O Globo
Idosos muitas vezes têm problemas de
equilíbrio, déficit de visão. Nesse caso, a casa torna-se uma perigosa
armadilha
Lula caiu no banheiro, cortou a cabeça e, em
algumas horas, já estava apto para as tarefas cotidianas. Ele pratica
musculação, caminha com regularidade, e sua dieta deve ser orientada por
nutricionista. Nem todos os idosos, no entanto, têm a mesma sorte quando sofrem
um acidente doméstico.
Estou lendo um belo livro da escritora
portuguesa Lídia Jorge. Chama-se “Misericórdia” e se passa dentro de uma casa
de repouso, chamada Hotel Paraíso. São precisamente 70 internos. Quando morre
um, há nova admissão.
A narradora, que usa cadeira de rodas, ficou
chocada quando uma recém-admitida descreveu sua queda. Era idêntica à que
sofrera:
— Era demasiado semelhante ao que havia me acontecido três anos atrás, quando caí junto da porta de entrada e lá estive várias horas deitada de bruços, e o vizinho da Villa Sol me foi levantar do chão.
Havia sido como se os pulsos feridos tivessem
aberto a decadência:
— Duas portas por onde a derrocada se
infiltrava sem regresso.
O que é descrito no romance de Lídia Jorge
costuma acontecer na realidade. Muitas vezes, a queda, dependendo da gravidade,
pode ser o ponto de partida para uma decadência irreversível.
No meu tempo de redação, designaria um
repórter para pesquisar a queda em idosos e aproveitaria a história do
presidente para tornar o tema um pouco mais popular. Mas por que não fazer eu
mesmo o trabalho? Lembro-me de que há uns dez anos sofri uma queda no banheiro
de um hotel em Porto Velho. Não reparei no degrau e caí de costas. Senti dores
incríveis por muitas noites e trabalhei no sacrifício, a câmera parecia uma
peça de chumbo.
Os idosos muitas vezes têm problemas de
equilíbrio, déficit de visão. Nesse caso, a casa torna-se uma perigosa
armadilha. Precisa ser revista em todos os cômodos: tapetes enrolados, cadeiras
sem braço, móveis ameaçadores. O banheiro, então, é um espaço escorregadio, e é
preciso instalar barras para que se apoiem.
Segundo um relatório da Organização Mundial
da Saúde (OMS), 40% das pessoas com mais de 80 anos sofrem quedas. A situação é
um pouco melhor entre os de 70 anos, mas não muito: 32% sofrem quedas.
Quando se olham os números mais amplos do
SUS, observa-se que o custo de internação de idosos por queda é bastante alto.
Pouco mais de 1,5 milhão de casos no país custaram quase R$ 2,5 bilhões ao
sistema.
É um problema mundial, como mostra o próprio
relatório da OMS. É preciso atacar os fatores ambientais, como os que
mencionei, a casa como uma espécie de armadilha, mas também os fatores
comportamentais, como exercícios leves, boa nutrição e sono, além da supressão
de tabaco e álcool.
A queda é considerada a terceira causa de
morte entre os idosos. No Brasil, o número de óbitos praticamente dobrou entre
2013 e 2022. Eram 4.816, passaram para 9.592. Esse aumento acontece porque a
população está envelhecendo, mas também porque a subnotificação caiu. Os
fatores que determinam as quedas são os mesmos: perda da massa muscular,
problemas de equilíbrio, visão precária. É preciso acrescentar que não há
grande debate sobre políticas públicas que atenuem o problema.
A queda do presidente, pelo menos, ensejou
uma crônica, mas quem sabe o Ministério da Saúde não aproveita a oportunidade
para fazer uma campanha?
Na ausência de políticas públicas, a própria
família precisa ampliar sua atenção. Quando as condições físicas decaem com as
cognitivas, a situação torna-se mais delicada. Não só caímos da nossa própria
altura, como podemos cair da cama. Poucos se dão conta das inúmeras
possibilidades de queda, embora saibamos que, para cair, basta estar de pé.
Talvez o Brasil subestime esses temas porque
sempre se considerou um país de jovens e não percebeu que a realidade já não
permite mais essa ilusão.
5 comentários:
Excelente texto!! Parabéns ao colunista, e ao blog que divulga seu trabalho. O equilíbrio é precário nos idosos, e sua menor capacidade de visão amplia muito os problemas e riscos que enfrentam(os).
Excelente texto.. Ainda há tempo de o Brasil olhar mais aos seus idosos e crianças. Fazer política pública para suprir demandas desses segmentos da sociedade brasileira.
A perda de massa e força muscular deixam as pernas sem firmeza.
Excelente texto. Sou médico, 75 anos e assino em baixo!
Concordo plenamente. Mas o país não investe em prevenção nem campanhas educativas, em nenhuma área. É cultural, no Brasil, sempre atuar depois de presentes os danos - vide o RS e SP, com as chuvas.
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