O Globo
Partido envelheceu, e os trabalhadores já não
são mais os mesmos
Talvez a frase inspirada em Gore Vidal — o PT
é como uma velha senhora: tem muito passado e nenhum futuro — possa causar
arrepios num ou noutro militante renitente. Mas não é injusta. Basta a
patacoada do partido em apoio à vitória forjada de Nicolás
Maduro, até em oposição à reticência diplomática abraçada por Lula da
Silva, para entender como a velhice traz bico de papagaio.
Criado em São Paulo, em
1980, quando ainda não havia caixa eletrônico, numa exótica reunião de
sindicalistas, religiosos de esquerda e professores universitários, o PT no
recente primeiro turno abocanhou apenas três prefeituras no interior do estado
— Santa Lúcia (candidato único); Lucianópolis (2.255 habitantes); e Matão
(79.033 almas). Foi o mesmo número alcançado pelo risível Novo.
Existem esperanças em mais três cidades no segundo turno. Entre elas, Diadema, a primeira cidade tomada pelo partido na eleição de 1982, então com 228.663 habitantes, com 23 mil votos para Gílson Menezes. Aquela vitória lendária deu emprego a muita gente — começava então o estilo de administração petista. Esqueça o mérito, vale a filiação e, agora, o conceito sempre ampliado de cotas — fala-se no momento na inclusão de indígenas cadeirantes com TDAH.
Lamente o polo do ABC — lá o PT perdeu de
cara já no primeiro turno. Envelheceu o partido, e os trabalhadores já não são
mais os mesmos. Talvez ali pela região esteja um dos motivos da cautela dos
eleitores. A robotização da produção é um fato, enquanto os líderes ainda falam
de CLT e contribuição sindical. Uau.
Em meados da década de 1970, sob a severa
ditadura de Ernesto Geisel, as greves nas montadoras e nas fábricas de
autopeças desafiavam o regime em torno da reivindicação por melhores salários.
As multinacionais vendiam aquelas latas ultrapassadas e apoiavam-se num falso
índice inflacionário desmascarado pelo Dieese de Walter Barelli, cujo número
era bem superior. Era hora de dividir os lucros.
À frente de uma massa de trabalhadores com
maior formação profissional — em geral técnica —, Lula da Silva, ele mesmo
torneiro mecânico, comandava paralisações históricas. Em dias, foi incensado
por deputados da oposição, professores universitários e religiosos ligados a
Dom Paulo Evaristo Arns, arcebispo de São Paulo. Deu cana para todos os
dirigentes sindicais, mas o Brasil passava a enxergar o final da ditadura. Logo
vieram as greves e passeatas estudantis, o que não ocorria desde o fim da
década de 1960. Foi o embrião do PT.
Na eleição para o governo paulista em 1982,
Lula da Silva ficou em quarto lugar, com quase 11% dos votos. O professor
Franco Montoro elegeu-se com mais de 49%. Não era uma decepção eleitoral,
porque Lula escandiu ao país sua imagem de operário engajado, barbudo, com
propostas radicais. O mito de trabalhador foi alterado apenas na eleição de
2002, quando ele suavizou seu discurso, aparou a barba, incorporou o empresário
José Alencar à Vice-Presidência e ganhou a Presidência da República.
Começou ali a desconexão entre Lula da Silva
e o PT. Para ele, sobraria a função de ser pragmático, aprender a formar
maiorias políticas ao entregar alguns anéis e adoçar propostas de esquerda,
além de nomear Henrique Meirelles para o Banco Central,
enquanto o partido permaneceu sempre sectário e imune a mudanças sociais e
econômicas vindas com o final da ditadura militar. Lula é de centro.
É quando voltamos ao apoio do PT à eleição
fraudada na Venezuela e
à disputa do segundo turno em São Paulo com Guilherme
Boulos, do PSOL, na cabeça de chapa, e Marta Suplicy, antes
secretária internacional do atual prefeito Ricardo Nunes,
como vice. Marta voltou ao PT depois de votar pelo impeachment de Dilma
Rousseff, a Única. Foi um arranjo eleitoral de última hora, dado que
o partido não renovou seus quadros. Os paulistanos notaram a mutreta e quase
deixam Boulos e Marta fora do segundo turno. Foram salvos por cerca de 50 mil
votos de diferença para Pablo Marçal.
Parece que apenas um maremoto provocará a vitória da insólita dupla. Em Porto
Alegre — sinta o desespero dos gaúchos —, o prefeito que deixou a cidade
inundada por semanas deverá derrotar a candidata petista, a sempre
estridente Maria do
Rosário! Como em São Paulo, será uma derrota não de Lula, mas do PT.
O partido agora se refugia no Nordeste, num
movimento ocorrido anteriormente com a Arena, partido da ditadura militar, que
reinou apenas nos cafundós depois da queda do regime. Sem ser uma rima, soa
como um enclave, não uma solução.
Um comentário:
Perfeito.
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