segunda-feira, 21 de outubro de 2024

César Felício - Segundo turno disputado pode frear avanço de bolsonaristas

Valor Econômico

São Paulo é uma exceção em conjunto de pesquisas que mostram equilíbrio entre adversários

Viradas no segundo turno por definição são improváveis, mas a primeira rodada de pesquisas Quaest e os levantamentos do Datafolha e do Atlas Intel indicam que a disputa nas 15 capitais que não definiram o jogo no último dia 6 está bastante acirrada. Em dez delas a diferença entre o primeiro e o segundo colocado é inferior a dez pontos.

A mais provável virada é em Belo Horizonte, onde o prefeito Fuad Noman (PSD) está numericamente à frente de Bruno Engler (PL), que o superou no primeiro turno por quase oito pontos percentuais. Agora Noman marca 46% e Engler 39%, de acordo com a última pesquisa Quaest.

Há ainda outras três reversões a caminho, em situação atual de empate técnico: em Palmas Siqueira Campos (Podemos) aparece na frente de Janad Valcari (PL) e em Porto Velho os 19 pontos percentuais de dianteira de Mariana Carvalho (União Brasil) sobre Léo Moraes (Podemos) viraram um: ela o supera agora por 43% a 42%.

O mesmo placar sugestivo de reviravolta acontece em Goiânia, em que Sandro Mabel (União Brasil) agora está à frente de Fred Rodrigues (PL).

Periga também a situação de André Fernandes (PL) em Fortaleza, que foi para o segundo turno com uma dianteira de seis pontos sobre Evandro Leitão (PT). Agora os dois estão com 43%.

E em Cuiabá, um reduto do agronegócio, Abílio Brunini (PL) é acossado de perto por Lúdio Cabral (PT): 44% a 41%. Essa dianteira no primeiro turno era de 11 pontos.

Está patente que na maioria das capitais os candidatos mais marcadamente bolsonaristas estão com dificuldade de agregar votos no segundo turno. Esta é a situação dos cinco casos acima citados. Pode-se adicionar um sexto, o de João Pessoa, onde o ex-ministro da Saúde Marcelo Queiroga (PL) perde com folga para o prefeito Cícero Lucena (PP), mesmo com o noticiário policial envolvendo o adversário: às vésperas do primeiro turno a mulher e a filha de Lucena foram indiciadas por suposto envolvimento com uma facção criminosa local. O caso está em apuração e ambas se declaram inocentes, mas era razoável que Lucena derretesse nas pesquisas, e deu-se o contrário.

A única candidatura bolsonarista puro-sangue que lidera bem é a de Emília Corrêa (PL) em Aracaju, contra Luiz Roberto (PDT). Os prefeitos de São Paulo e Porto Alegre, Ricardo Nunes e Sebastião Melo, ambos do MDB, fizeram alianças táticas com o PL, não sem resistências, sobretudo no de Nunes. São funcionais ao bolsonarismo, mas o DNA de centro está ali encrustrado. A outra liderança tranquila, a de Igor Normando (MDB) em Belém, é o protótipo vencedor no segundo turno: centrista, escorado em forte apoio nas máquinas públicas, contra alguém com alta rejeição.

O segundo turno é uma criação francesa e muitos países que o adotam usam a expressão naquele idioma para a ele se referir, “ballotage”. Ele foi concebido por De Gaulle na V República para manter longe do poder os extremos, em especial a esquerda, mas a lógica serve também contra a extrema-direita. É adotado na França até mesmo na eleição para a Assembleia Nacional, que lá segue o voto distrital. Os candidatos abertos para o centro têm muita dificuldade de chegar ao segundo turno, mas, lá chegando, costumam ser favoritos.

Nem sempre funciona, como mostra a própria experiência da França em 1981, na eleição ganha pelo socialista François Mitterrand. A lógica do segundo turno perdeu ainda mais força nesse século, marcado pela polarização ideológica em todas as partes do planeta, do contrário Jair Bolsonaro não ganharia em 2018. Mas ela ainda subsiste: o voto no segundo turno tende a enfraquecer candidatos com alta rejeição, e o discurso agressivo e polarizado costuma fazer a rejeição crescer.

Joga ainda contra os mais radicais a inexperiência administrativa. Nunca passaram por cargo público Bruno Engler, André Fernandes, Abílio Brunini, Cristina GraemlEder Mauro, todos enfrentando ou o candidato à reeleição ou um preposto escorado na máquina da prefeitura, do governo do Estado ou de ambas. No caso de São Paulo, com sinal trocado, o mesmo se passa com Guilherme Boulos. O deputado do Psol faz tudo o que pode para suavizar sua imagem, mas não é assim que o eleitorado o enxerga.

Essa lógica do segundo turno acirra a maioria das campanhas nas capitais , depois de um primeiro turno em que candidatos à direita , sobretudo os do PL, tiveram grande avanço. Se será suficiente para brecá-los dependerá de caso a caso e de deslizes na reta final.

O que mostra a tradição brasileira nos casos de virada? Um dos fatores é a manutenção de tendências registradas na reta final do segundo turno. Fernando Haddad foi para o segundo turno em São Paulo em 2012 quando decolava. Não deu para José Serra. O outro é debate, válido para as disputas apertadas. O bom desempenho de César Maia contra Luis Paulo Conde proporcionou virada no Rio em 2000. O terceiro é uma rejeição tão alta do líder que leve a alianças improváveis. Foi o caso de Manaus em 2004, na derrota de Amazonino Mendes para Serafim Fernandes.

Tudo isso em um prazo muito curto, de apenas três semanas. A virada é um processo antinatural. Para que ela aconteça é preciso um fator que torne o resultado do primeiro turno uma ilusão, um disfarce. Esse é o grande desafio para quem pretende virar.

 

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