quarta-feira, 23 de outubro de 2024

Vera Magalhães – Olha só quem veio almoçar

O Globo

Ex-presidente quer usar vitória até de candidatos a quem não ajudou para pressionar por anistia para si e para seus aliados

A ascensão da direita nas eleições municipais deu fôlego a uma estratégia que Jair Bolsonaro já vinha colocando em marcha: segurar ao máximo a disputa por seu próprio lugar na sucessão presidencial de 2026. Bolsonaro pretende propagandear a vitória de seus candidatos para pressionar o Congresso pela aprovação de diferentes projetos confrontando o Supremo Tribunal Federal, com ênfase naqueles que propõem algum tipo de anistia a condenados pelo 8 de Janeiro e, se possível, a sua própria inelegibilidade.

Não é tão simples assim. Depois de um período de exílio doméstico para costurar as campanhas às prefeituras de Alagoas, Arthur Lira começa a voltar a Brasília para deflagrar a campanha por sua própria cadeira de presidente da Câmara. Diante do temor de aliados de que a tropa bolsonarista volte com a faca no dente para transformar a agenda pessoal do capitão reformado em exigência para apoiar o nome indicado por ele, o líder do Republicanos, Hugo Motta (PB), Lira tem dito que resolverá isso e evitará que anistia e projetos afins sejam transformados no cerne da discussão pelo controle da Casa.

De acordo com interlocutores do atual presidente, ele lembra que Bolsonaro já reiterou em algumas ocasiões que estará com o candidato apoiado por Lira. Além disso, o PL não vai querer ameaçar sua presença na Mesa condicionando a entrada na chapa de Motta a uma agenda que, se levada a ferro e fogo, afastaria o governo do acordo. Na sanha por lançar um movimento nacional por sua reabilitação política, Bolsonaro vai querer receber louros até por resultados no pleito atual para os quais pouco contribuiu.

A presença tardia do ex-presidente em atos da campanha de Ricardo Nunes ontem demonstrou a falta de sincronia entre eles. Quando mais o prefeito de São Paulo precisou que Bolsonaro evitasse a debandada de aliados e, sobretudo, de eleitores seus para os braços de Pablo Marçal, o ex-presidente ficou na moita. Agora que as pesquisas mostram favoritismo do emedebista, foi só sorrisos e uma empolgação nada genuína no almoço realizado numa churrascaria.

A prova de que ninguém engoliu as sucessivas humilhações impostas a Nunes nos tempos das vacas magras é que, até ontem, ninguém na coordenação da campanha do prefeito cravava se as gravações aos 45 minutos do segundo tempo feitas por Bolsonaro seriam exibidas no horário eleitoral ou se ficariam apenas para o “lado B” das redes sociais.

Ao segurar as rédeas dos aspirantes a enfrentar Lula daqui a dois anos, Bolsonaro, ironicamente, repete a tática de seu principal adversário. Inelegível em 2018, Lula recorreu até o último momento, e o partido só oficializou a candidatura de Fernando Haddad em 11 de setembro — depois, portanto, da facada recebida por Bolsonaro cinco dias antes, que, para muitos, selou seu favoritismo.

No entorno bolsonarista, a avaliação é que o ex-presidente sabe perfeitamente que não conseguirá reverter a inelegibilidade impingida pela Justiça Eleitoral, que deverá ser referendada pelo Supremo. Mas quer deixar no ar uma candidatura até quando conseguir, correndo o Brasil e entoando o discurso de que sofre perseguição política implacável do STF.

Isso o ajudaria a manter um eleitorado que, neste ciclo, deu demonstrações de estar à procura de um novo Messias. Como espera voltar em 2030, quer evitar que, até lá, surja um Marçal menos tresloucado que se viabilize. Nessa lógica, uma derrota da direita para Lula em 2026 seria o melhor cenário para um político que só pensa no próprio umbigo.

O ex-coach escancarou um fato: o que se convencionou chamar bolsonarismo é, na verdade, um movimento reacionário muito menos coeso do que se supunha. Daí a presença ostensiva do capitão reformado nos palanques dos “seus” candidatos nesta segunda fase da disputa — às vezes, como ontem, sob o risco de parecer aquele parente indesejado que aparece para o almoço sem ser convidado.

 

2 comentários:

Anônimo disse...

Bolsonaro, teu lugar é na cadeia! Até quando vão deixar livre este criminoso?

ADEMAR AMANCIO disse...

''Um parente indesejado''.