Folha de S. Paulo
Apesar de altas recentes de renda, poder de
compra de alimentos caiu em 5 anos
O governo anunciou que pretende tomar medidas
a fim de conter a
inflação dos alimentos. Para tanto, faria algum acerto para diminuir custos
de supermercados.
Pelo menos no curto prazo, não
há como o governo conter preços de modo relevante sem fazer bobagem,
sem atirar no próprio pé. Seria possível reduzir custos do comércio, dizem, por
meio de mudanças nas regras sobre prazo de validade de alimentos, de normas
trabalhistas, da permissão de venda de remédios sem receita, de custos do
sistema de pagamentos. Quem sabe consigam alguma mudança de pequena ordem, mas
não há garantia de que mesmo essa redução modesta chegue aos preços, a depender
do mercado em questão, da demanda, da política de preços das redes de lojas, da
concorrência etc.
Em tese, se não inventarem bobagens, o esforço não pode ser desmerecido, claro. O governo corre o risco, porém, de criar expectativas que não se realizem ou de naufragar por motivos alheios à vontade de todos os envolvidos (dólar, demanda mundial, condições climáticas etc.). Depois de fracassos de público, como o "imposto das blusinhas" e a guerra de mentiras do Pix, é arrumar sarna para se coçar. Mais importante é entender um pouco mais dos motivos da insatisfação.
A popularidade do governo é baixa, dada a
melhoria das condições materiais de vida. Há expectativas populares de alta
crescente da inflação e de piora econômica. Há muita queixa sobre a carestia de
alimentos. Entende-se, mas o problema é mais antigo.
Em 2024, subiram
muito os preços de produtos tão essenciais quanto carnes (21%),
laticínios (10,4%), óleo de soja (29,2%) ou café (39,6%). Como diz o governo,
com razão, seca ou chuva em excesso criaram problemas; o dólar caro também. A
demanda aquecida deu um tapinha extra.
A inflação anual de alimentos que se levam
para casa ("alimentação no domicílio") foi de 8,22% em 2024 (o pico
recente havia sido em novembro, com 8,41%). Nos 12 meses até janeiro de 2024,
fora de 0,7%.No entanto, a média dos salários vêm crescendo ainda acima da
inflação, acima do IPCA médio (alta de 3,4% em 2024, de 3,1% em 2023). Em tese,
pois, a inflação MÉDIA teria sido compensada pelo aumento real da MÉDIA dos
salários, ao menos sob Lula 3. Onde
pode estar o problema?
A
recuperação recente dos salários foi relevante. Considerado prazo
maior, nem tanto. De novembro de 2019 (pré-epidemia) a novembro de 2024 (dado
mais recente sobre salários), o crescimento real do rendimento médio do
trabalho foi de 5,8% (além da inflação). Pouco, até porque o país vivera anos
de estagnação e miséria.
Mais importante, nesse período, a inflação da
comida que se leva para casa foi de 62,9%, bem além do aumento nominal dos
salários, de 42,7% (no período, o IPCA total foi de 35%). Ou seja, o salário
perdeu da inflação dos alimentos. O poder de compra de comida caiu, nesses
anos. Quanto mais pobre se é, mais se gasta em comida. Para piorar, houve a
alta recente da comida para reforçar a percepção de pobreza.
O alívio de 2023 durou pouco. Não bastou para
compensar a carestia da comida e anos de salário estagnado.
O problema não é recente, portanto. A
"cesta básica" ficou cara de modo duradouro. Safras e tempo
melhor podem ajudar neste 2025, se o dólar não atrapalhar. Mas vai levar tempo
até que o preço da comida não pese tanto na renda do povo miúdo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário