quarta-feira, 10 de dezembro de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Projeto no Senado melhora e equilibra lei do impeachment

Por Folha de S. Paulo

Relatório dispensa espírito de autoproteção do ministro Gilmar Mendes e eleva barreira da petição popular

Projeto limita ações demagógicas sem retirar dos brasileiros e seus representantes o direito de pleitear cassação de altas autoridades

O abuso cometido pelo ministro Gilmar Mendes na liminar que retirou de cidadãos e de seus representantes eleitos o direito de propor a expulsão da corte de ministros por crime de responsabilidade pode ter deflagrado uma reação virtuosa no Congresso Nacional. Parlamentares se mobilizam para modernizar a lei do impeachment, de 1950.

Está marcada para esta quarta-feira (10) na Comissão de Constituição e Justiça do Senado a apreciação do texto do relator Weverton Rocha (PDT-MA), que apresenta inovações na legislação que tipifica os crimes de responsabilidade e dispõe sobre seus aspectos processuais.

A extração udenista da lei de 75 anos atrás, de submeter sobretudo o presidente da República ao risco constante de ser deposto pelo Congresso, legou um sistema com poucas barreiras a ações demagógicas e politiqueiras. Facultou-se a qualquer cidadão requerer o impeachment dos mais altos funcionários do Estado.

A objeção de Gilmar a esse dispositivo pode portanto soar razoável, mas ela na realidade é equivocada na forma —o Supremo não pode legislar no lugar do Congresso— e no conteúdo —a grande facilidade de peticionar o impeachment não se combate com a imposição de uma barreira quase absoluta a esse direito, reservando-o apenas ao procurador-geral da República.

Pelo relatório do senador Weverton Rocha, os cidadãos poderão pleitear diretamente a abertura de processo por crime de responsabilidade contra autoridades desde que amealhem assinaturas de 1% do eleitorado, cerca de 1,5 milhão de pessoas. A prerrogativa também se estenderá a partidos com representantes no Congresso, PGR e OAB.

Dessa forma estabelecem-se barreiras contra arremetidas irresponsáveis sem retirar dos brasileiros comuns e dos políticos que os representam no Parlamento o direito constitucional de questionar autoridades por suspeitas de desvios funcionais.

O projeto também prevê outra ferramenta que aportaria mais equilíbrio e transparência ao sistema. Trata-se da fixação de prazo de deliberação de 15 dias para os presidentes da Câmara —no caso de pedidos contra o presidente da República— e do Senado —foro, por exemplo, dos ministros do STF— e da possibilidade de o plenário das Casas reverter essa decisão por maioria de dois terços, o mesmo quórum exigido para a cassação.

Dessa forma, os chefes do Legislativo perderiam o poder incontido que acumulam de decidir se e quando dar curso a uma requisição de impeachment. Esses atos dos chefes da Câmara e do Senado, além disso, passariam a estar formalmente submetidos aos respectivos plenários, titulares da representação coletiva.

O projeto no Senado evidencia que não é preciso guinadas, como a decretada na liminar de Gilmar, para aperfeiçoar a lei dos crimes de responsabilidade. Basta razoabilidade e que a motivação se distancie da autoproteção.

Pacto perdulário

Por Folha de S. Paulo

LDO concede pagamento de 65% das emendas até julho de 2026 e permite ao governo buscar piso da meta fiscal

Com tais manobras, ninguém mais considera a meta relevante; o foco está na alta acelerada da dívida, que deve beirar 80% do PIB em 2026

A aprovação da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) para 2026 revela um pacto de conveniência eleitoral entre Executivo e Legislativo, que priorizam interesses imediatistas num ano eleitoral em detrimento da contenção da escalada da dívida pública.

Do lado do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT), a benesse foi a autorização para que o contingenciamento de recursos seja calculado com base no piso da meta fiscal (resultado zero, sem contar juros e despesas excetuadas), não no centro (superávit equivalente a 0,25% do Produto Interno Bruto, ou R$ 34 bilhões).

Em contrapartida, o Congresso Nacional impôs um cronograma para a liberação de emendas impositivas: 65% delas devem ser pagas até o final do primeiro semestre de 2026. Assim, parlamentares terão garantidos R$ 26,5 bilhões de R$ 40,8 bilhões orçados para destinar a seus currais eleitorais.

O quadro piora quando se consideram as numerosas exceções que permitem retirar gastos do cálculo oficial da meta, prática que mina a já frágil credibilidade do chamado arcabouço fiscal.

Na prática, estima-se que, entre 2023 e 2026, o governo terá gasto R$ 170 bilhões fora dos limites aprovados, segundo levantamento do jornal O Globo. Para o próximo ano, projetam-se cerca de R$ 88 bilhões em deduções, um salto de 80% em relação aos R$ 48,7 bilhões deste 2025.

Na conta estão incluídos R$ 10 bilhões para sustentar o descalabro dos Correios à custa do contribuinte, R$ 5 bilhões para as Forças Armadas, R$ 4,2 bilhões para investimentos de estatais no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e potenciais R$ 2 bilhões para saúde e educação por meio do Fundo Social.

Nas receitas, indicam-se R$ 14 bilhões adicionais com impostos de importação, que podem abarcar aço, produtos químicos e automóveis. A rubrica, assim como outras projeções fictícias de ganhos nos últimos anos, parece mais um recurso para evitar contingenciamento imediato do que uma estimativa real.

Considerando tais margens de manobra, o resultado efetivo em 2026 deve ser novamente um deficit, na casa dos R$ 70 bilhões, segundo especialistas.

Com a desmoralização dos limites, ninguém mais considera a meta primária como critério relevante. O foco se volta para onde não é possível esconder o descontrole: o crescimento acelerado da dívida bruta, que beira 80% do PIB em projeções para 2026.

Em ano eleitoral, não se esperam avanços. Mas o rombo fiscal exigirá providências da próxima gestão, qualquer que seja ela.

Reviravolta na política externa dos EUA alimenta tensões

Por O Globo

Em novo documento, Trump revive visão de um mundo em conflito — onde mandam os poderosos

Donald Trump rompeu uma tradição de oito décadas no documento Estratégia de Segurança Nacional, em que elenca as prioridades no relacionamento dos Estados Unidos com o mundo. A visão de Trump é apresentada como uma nova doutrina. De forma implícita ou explícita, trata-se de uma reviravolta sem paralelo na política externa americana.

O livre-comércio é substituído pelo protecionismo. A promoção da democracia e dos direitos humanos perde espaço, embora uma ideia distorcida de liberdade de expressão sirva de pretexto para ações em defesa das grandes plataformas digitais. Políticas voltadas a combater mudanças climáticas dão lugar ao incentivo a combustíveis fósseis. De parceiro histórico, a União Europeia passa a ser encarada como risco civilizatório, rival ou ameaça, onde partidos nativistas da ultradireita representam o único bastião de resistência. O sistema multilateral de instituições globais se torna uma sucessão de embates bilaterais em que mandam os poderosos — e obedecem os demais.

A América Latina aparece em primeiro lugar na seção que detalha políticas regionais. O texto reconhece anos de negligência dos Estados Unidos em relação à vizinhança e promete “cumprir a Doutrina Monroe”, política adotada a partir de 1823 que pavimentou o imperialismo abaixo da fronteira sul e cuja sequela entre caribenhos e latino-americanos persiste até hoje na forma de um antiamericanismo atávico. Reembalada agora como “Corolário Trump”, seu objetivo é “restaurar a preeminência” americana contra a presença chinesa. “Negaremos a concorrentes de fora do Hemisfério a capacidade de posicionar forças ou outras capacidades ameaçadoras, ou de possuir ou controlar ativos estrategicamente vitais”, afirma o documento.

As declarações atropelam a noção de autodeterminação nacional e reacendem temores de intervenções armadas. Hoje há concentração de navios, caças e tropas no Caribe para pressionar o ditador venezuelano Nicolás Maduro a sair do poder. Quem sabe qual será o próximo alvo? A promessa de “premiar e incentivar os governos, partidos políticos e movimentos da região que estejam amplamente alinhados com os nossos princípios e estratégia” são prenúncio de mais ameaças. Nada de bom pode vir do espírito de confronto em que prevalece a lei do mais forte.

O combate à imigração é a primeira prioridade da nova estratégia americana. Nesse tema, o Brasil tem relevância secundária. Na exploração de recursos minerais é diferente. O Brasil detém algumas das maiores reservas mundiais de terras-raras, e um dos objetivos declarados da doutrina Trump é investir nelas e noutros minerais críticos, como lítio, níquel ou grafite. Com habilidade, é possível que brasileiros e americanos cheguem a um acordo benéfico para ambos. Mais complicado será abdicar dos investimentos chineses.

Nada, porém, se compara ao sismo geopolítico que poderão representar o afastamento da Europa, o abandono da Ucrânia em benefício da Rússia ou o desengajamento de regiões onde a presença americana é essencial para garantia de segurança, como Oriente Médio ou Mar do Sul da China (leia-se Taiwan). A crise atual na Venezuela pode ser apenas um prenúncio do que está por vir. Navegar num mundo dominado pela doutrina Trump será tarefa das mais árduas. Do governo brasileiro se esperam cautela, paciência e, sobretudo, a defesa do interesse nacional.

É uma lástima que corporativismo da Alerj tenha livrado Bacellar da prisão

Por O Globo

Presidente da Assembleia fluminense é acusado de acobertar deputado vinculado ao Comando Vermelho

Foi lamentável a decisão da Assembleia Legislativa do Rio (Alerj) que revogou a prisão do presidente afastado da Casa, Rodrigo Bacellar (União), determinada pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Bacellar é acusado de vazar informações de uma operação da Polícia Federal (PF) destinada a prender o também deputado Thiego Raimundo dos Santos Silva, o TH Joias (MDB), suspeito de ser o braço político do Comando Vermelho (CV). Tendo em vista o histórico corporativista da Alerj, o resultado não chega a surpreender. Nem por isso é menos escandaloso.

Não se pode dizer nem que a Casa tenha ficado dividida. Embora a votação na Comissão de Constituição e Justiça tenha sido apertada (4 a 3), no plenário a revogação da prisão ganhou com folga — 42 a 21, com duas abstenções e cinco ausências. Chama a atenção o amplo arco de apoios. Dos 18 partidos, 14 deram um ou mais votos a Bacellar. A condescendência permeou todas as tendências políticas. Na tentativa de reduzir o constrangimento, a TV Alerj não transmitiu a sessão em sinal aberto, e o painel não exibiu o voto de cada deputado.

Não se tratava de questão menor. Bacellar, de acordo com a investigação, avisou TH Joias sobre a operação da PF, permitindo que esvaziasse sua casa, trocasse de celular e eliminasse provas comprometedoras. Quando os policiais chegaram, não o encontraram (ele foi preso noutro endereço). Impressiona que os deputados fluminenses não considerem graves acusações como tráfico de drogas, lavagem de dinheiro e negociação de armas para o CV.

Na decisão que determinou a prisão na semana passada, o ministro Alexandre de Moraes disse haver “fortes indícios” da participação de Bacellar numa organização criminosa. Ele atuava, nas palavras de Moraes, ativamente “pela obstrução de investigações envolvendo facção criminosa e ações contra o crime organizado, inclusive com influência no Poder Executivo estadual”.

O Rio, como outros estados brasileiros, é refém de facções criminosas. Na Região Metropolitana, 4 milhões de moradores estão sob o domínio de grupos armados, ou mais de um terço da população. Cada vez mais, o crime organizado se infiltra em atividades formais e na política, buscando influenciar decisões. Tal calamidade deveria ter sido levada em conta pela Alerj, mas os parlamentares preferiram fechar os olhos à realidade.

Ontem, ao conceder liberdade provisória a Bacellar, Moraes determinou que o parlamentar cumpra medidas cautelares enquanto durarem as investigações, como afastamento da presidência da Casa, recolhimento domiciliar no período noturno e uso de tornozeleira eletrônica. Seria mesmo inaceitável se Bacellar continuasse à frente do Legislativo fluminense. As acusações que pesam sobre ele são graves e sugerem relações promíscuas com facções criminosas que deveriam ser combatidas por todos os Poderes. Com que autoridade ele comandaria a votação de projetos sobre segurança pública?

Lula acelera a demagogia

Por O Estado de S. Paulo

O presidente promete que os eleitores vão trabalhar menos e andar de graça em ônibus, como se um Estado cronicamente deficitário fosse capaz de absorver toda a irresponsabilidade petista

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva cobrou da equipe econômica que conclua de uma vez os cálculos sobre o programa tarifa zero no transporte de ônibus urbanos. A pressa não é tanto para colocar a medida em prática já no ano que vem, mesmo porque ainda existe uma lei eleitoral em vigor que restringe o lançamento desse tipo de proposta a meses do pleito, mas para garantir sua apresentação a tempo de que ela possa se tornar uma promessa de campanha do petista em 2026.

Estudo da Universidade de Brasília (UnB) aponta um custo mínimo de R$ 80 bilhões anuais. Para a Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU), seriam ao menos R$ 90 bilhões por ano, e para a Confederação Nacional de Municípios (CNM), R$ 200 bilhões. A verdade é que ninguém sabe, ao certo, quanto a tarifa zero vai custar, mas todas as estimativas apontam para custos incompatíveis com qualquer âncora fiscal e inviáveis para um país com a extensão territorial e a população do Brasil.

O governo, espertamente, já tem resposta para quem o critica por prometer o que não pode cumprir. Afinal, a mesma coisa se dizia sobre o compromisso de isenção do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF) para quem ganha até R$ 5 mil mensais. O correto seria ter corrigido a tabela para todos os contribuintes, mas isso ficaria caro demais até mesmo para os padrões petistas.

A alternativa, portanto, foi criar um puxadinho tributário para garantir o benefício ao eleitorado que Lula queria reconquistar. E se já era improvável que as perdas de arrecadação geradas por essa benesse seriam compensadas pela taxação da alta renda, a corrida das empresas para antecipar o pagamento de dividendos a pessoas físicas até o fim deste ano é uma prévia do rombo com o qual o País terá de lidar a partir do ano que vem, quando a medida entrar em vigor.

A redução da jornada de trabalho sem redução de salários e o fim da escala 6x1, que Lula resolveu encampar, se insere nesse mesmo contexto. A premissa para fazer esse movimento sem prejuízo à atividade econômica é que haja um aumento da produtividade – ou seja, produzir mais com menos. A produtividade, por sua vez, só cresce quando há investimentos em inovação, tecnologia, qualificação profissional e melhoria do ambiente de negócios.

Reduzir a jornada sem aumento da produtividade é fazer o caminho oposto. O resultado é alta no custo por hora trabalhada, desindustrialização, desequilíbrio na balança comercial, avanço do desemprego e socorro público ao setor privado. Antes fosse mero pessimismo. Basta analisar o que aconteceu na França, que adotou a medida há mais de 20 anos. Com o agravante de que, no Brasil, a produtividade da economia cai há décadas.

Mas, para Lula, nada disso importa. Como o presidente jamais desceu do palanque e sempre se comportou como candidato, quanto mais inexequível a proposta, melhor. No caso da tarifa zero, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que se orgulha de não dizer não aos pedidos do chefe, certamente encontrará alguma maneira capenga de colocar essas propostas de pé a tempo de incluí-las na campanha e pautar o debate eleitoral, obrigando os adversários a também se comprometerem com elas.

Ao Estadão, o deputado Jilmar Tatto (PT-SP), que lançou um livro sobre o tema no mês passado cujo prefácio foi escrito por ninguém menos que o próprio Haddad, disse duvidar de que alguém tenha coragem de se opor à tarifa zero às vésperas da eleição. “Ninguém é contra, nem o Centrão, nem a direita”, afirmou.

De fato, ninguém que disputará o voto dos eleitores ousará questionar a pertinência de impor um custo dessa monta a um Orçamento já deficitário e que não tem receitas suficientes para arcar nem mesmo com as políticas públicas que já lhe cabem nas áreas de saúde e educação – o que dirá para o transporte público urbano.

Daí se vê a diferença entre uma estratégia eleitoral inconsequente, pensada para angariar o maior número de votos possível, como é a de Lula, e um programa de governo consistente e capaz de conduzir o País ao crescimento econômico.

O sequestro da política do Rio

Por O Estado de S. Paulo

Com o caso do presidente da Alerj, o Rio de Janeiro enfrenta agora um problema ainda mais grave do que a corrupção: a captura, sem disfarces, da política estadual pelo crime organizado

A Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj), para surpresa de rigorosamente ninguém, decidiu pela soltura do presidente da Casa, o deputado estadual Rodrigo Bacellar (União Brasil), preso pela Polícia Federal sob suspeita de envolvimento com o vazamento da operação que prendeu o ex-deputado TH Joias em setembro. TH é acusado de intermediar compra e venda de drogas, armas e equipamentos para o Comando Vermelho. Dos 65 parlamentares que votaram, 42 foram favoráveis a tirar Bacellar da prisão – 6 votos a mais do que o necessário. Trata-se de mais um episódio vexatório para a Alerj e a política fluminense, tisnada pela crônica de escândalos frequentes.

Nenhum outro Estado da Federação parece ostentar um retrospecto tão devastador. Afinal, foi no Rio que seis ex-governadores foram presos, denunciados ou afastados por corrupção em menos de duas décadas: Sérgio Cabral, condenado a centenas de anos de prisão por um esquema de propinas bilionárias; Luiz Fernando Pezão, preso pela Operação Lava Jato; Anthony Garotinho e Rosinha Garotinho, sucessivamente alcançados por acusações de fraude eleitoral, extorsão e organização criminosa; Wilson Witzel, afastado e cassado por suspeitas de corrupção em plena pandemia; e Moreira Franco, preso em desdobramentos da Lava Jato. Em qualquer democracia madura, esse histórico seria um alerta vermelho. No Rio, tornou-se rotina.

O caso Bacellar demonstra que, desta vez, o problema vai além da corrupção – o que já seria trágico. Trata-se da captura, sem disfarces, da política estadual pelo crime organizado. A Alerj tem sido um terreno especialmente fértil para o crime. Desde a Operação Furna da Onça, que revelou um “mensalinho” pago a deputados para blindar governos corruptos, o Legislativo fluminense acumula casos que extravasam o caixa 2 ou os favores ilícitos de sempre. Deputados foram presos, por exemplo, por ligação com milícias, envolvimento em esquemas de extorsão, lavagem de dinheiro e até participação indireta em homicídios, como foi o caso de Domingos Brazão, apontado como mandante do assassinato da vereadora Marielle Franco. Há parlamentares presos por rachadinha, por servir a interesses de milicianos, por proteger grupos paramilitares e por atuar como correias de transmissão de quadrilhas infiltradas no Estado.

É nesse ambiente que emergiu o caso Rodrigo Bacellar. Quando o presidente da Alerj é acusado de vazar informações sigilosas da Polícia Federal, orientar investigados a destruir provas e proteger políticos ligados a organizações criminosas, o que está em curso não é um desvio individual, e sim um sinal de que a fronteira entre a política e o crime deixou de existir. A revogação da prisão revela um Legislativo que não só ignora a gravidade da situação, como aceita normalizar a infiltração criminosa como parte do seu funcionamento. O Rio vive um processo em que grupos armados, milícias, facções e redes de corrupção se imbricam na estrutura do Estado, influenciando decisões orçamentárias, políticas de segurança, nomeações e articulações legislativas. Em muitas regiões, quem exerce autoridade efetiva não é o Estado, mas o crime. E, cada vez mais, essa autoridade paralela encontra apoio, proteção ou cumplicidade dentro da política.

Não se pode enxergar tais problemas como um caso folclórico isolado ou uma anomalia urbana. Essa enfermidade também não se restringe ao Rio. Estudos recentes mostram que o controle territorial, o fornecimento de “serviços” nas favelas pelas milícias ou a dominação de facções criminosas nas periferias são apenas parte da estratégia – o passo seguinte é garantir representatividade política, influência sobre eleições e nomeações públicas, ou mesmo controle sobre forças de segurança. Em certas regiões, há uma sobreposição de “governança estatal” e “governança paralela”, especialmente onde o Estado falha ou é conivente.

A resposta adequada é o inverso do que a Alerj decidiu: o rigor institucional, conjugado com investigações independentes, punição exemplar e a convicção de que não se combate um problema dessa magnitude com condescendência. Ou o Rio restaura a autoridade do Estado sobre o crime, ou continuará submetido a ele, tanto nas ruas quanto no coração do poder político. Um assombro.

Mulheres negligenciadas

Por O Estado de S. Paulo

Brasil falha em oferecer atenção integral às vítimas de violência praticada por seus companheiros

Um raio X elaborado pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública sobre as políticas públicas destinadas às mulheres no Brasil mostra como essa parcela da população está vulnerável. Recente reportagem do Estadão apresentou dados alarmantes sobre como o Estado tem falhado em garantir uma efetiva proteção às mulheres. Um exemplo disso é o fato de que 80% das delegacias especializadas no atendimento a esse público não funcionam 24 horas, conforme mostra o 9.º Diagnóstico das Unidades de Polícia Civil Especializadas no Atendimento às Mulheres.

Quanto mais rápido e eficiente forem o acolhimento e o atendimento de uma vítima de violência praticada por um homem inconformado com o fim de um relacionamento, decerto maior será a chance de impedir uma tragédia. Por isso, desde 2023, o funcionamento ininterrupto das delegacias da mulher no Brasil é uma obrigatoriedade, e não uma prerrogativa das autoridades. É dever do poder público prestar assistência a qualquer hora do dia, haja vista que a violência não tem hora para acontecer.

A lentidão das autoridades também preocupa. Isso porque, em somente 37% das 509 delegacias de polícia do levantamento feito pelo governo federal, os delegados pediram a concessão de uma medida protetiva às vítimas de violência no prazo de 24 horas. A agilidade da autoridade policial em pleitear essa intervenção especial da Justiça mais do que se justifica diante da gravidade e da urgência da necessidade de proteção que essa mulher demanda do Estado.

Assim como a mulher demanda cuidados, o agressor demanda atenção. E, como somente a punição não basta, é necessário o seu encaminhamento a uma rede de apoio psicológico, psiquiátrico, de assistência social ou a um tratamento contra dependência química. Apesar disso, em 74% das delegacias não houve qualquer indicação a essa atenção especial aos homens, o que, por óbvio, poderia ajudar a evitar a reincidência.

E, além da falta de atendimento em tempo integral nas delegacias, da demora na concessão de medidas protetivas e da negligência na prevenção da violência, até mesmo a execução dos recursos públicos garantidos para o enfrentamento desse problema é ineficiente. Dos R$ 60,5 milhões repassados pela União aos Estados em 2024 para o combate à violência contra a mulher, apenas R$ 59 mil foram usados pelos entes federados. Em bom português: é nada.

Nos últimos dias, chamaram a atenção no noticiário crimes cruéis cometidos por homens contra mulheres, registrados como tentativas de feminicídio e feminicídio. Os casos motivaram protestos de mulheres em várias cidades do País no fim de semana passado e levaram o presidente Luiz Inácio Lula da Silva a manifestar sua indignação. Certamente não faltará quem aproveite a onda para demandar aumento das penas contra esses agressores. No entanto, feminicídio já é considerado crime hediondo, ou seja, é punido com penas altas e é inafiançável – e nem por isso esses crimes diminuíram. Ou seja, o que dissuade o agressor não é a pena alta, e sim a perspectiva da prisão – algo que, sem que as delegacias de mulheres funcionem adequadamente, fica difícil.

Faz falta um código de ética para tribunais superiores

Por Valor Econômico

Regras eliminariam a influência de elementos subjetivos na avaliação dos atos do Judiciário

Um conflito entre Poderes, explícito depois que o então presidente Jair Bolsonaro desafiou abertamente o Supremo Tribunal Federal e abriu campanha política contra ministros da Corte, colocou o Judiciário em meio a um turbilhão político, um habitat hostil a suas funções. Alvos políticos, eles necessitam rever modos de ação que se entronizaram e tornaram-se banais. A discrição e o quase anonimato dos juízes da Suprema Corte em outros países contrastam com a ostensiva publicidade de opiniões de ministros brasileiros. Um dos flancos vulneráveis de ministros são condutas não limitadas pela legislação que podem desgastar a instituição perante a opinião pública e colocar em dúvida a premissa fundamental de seu trabalho: a imparcialidade. Faz falta um código de ética para os juízes dos tribunais superiores, tarefa a que agora se propôs o presidente do STF, Edson Fachin, na qual se espera que seja bem-sucedido.

Apesar de terem cumprido a missão de preservar as leis do país quando sob ataque direto do então presidente Jair Bolsonaro, e condená-lo depois como golpista dentro dos mais estritos padrões democráticos, com amplo direito de defesa, o Supremo Tribunal Federal não é bem avaliado pela população. Pesquisa Datafolha de agosto mostrou que 36% dos entrevistados avaliaram o trabalho do tribunal como péssimo ou ruim, um aumento de 8 pontos em relação à pesquisa de um ano atrás, enquanto 29% o consideram bom e 31%, regular.

A Justiça tem de ser imparcial, mas o STF vive hoje sob fogos cruzados, o político, daqueles que acham que a Corte defende um lado e prejudica outro (o dos bolsonaristas), e outro, difuso, que vê parcialidade na diferença de tratamento entre os que têm recursos para pagar bons advogados e que são tratados com deferência e os que não têm e são tratados de maneira distinta, muito pior.

Contribui para essa percepção hábitos que não são ilegais, mas ferem a imagem de integridade e imparcialidade da Justiça. O exemplo mais recente é o do voo realizado pelo ministro Dias Toffoli para assistir à final da copa Libertadores da América em Lima, no Peru, no avião de um empresário que contou com a presença de Augusto Arruda Botelho, advogado de Luiz Antônio Bull, diretor do Banco Master que fora preso. Logo em seguida, o ministro Toffoli foi sorteado para relatar o caso Master e impôs um problemático sigilo ao processo. Tudo pode não passar de coincidências, mas as aparências tendem a levantar outras hipóteses.

É para reafirmar que essas aparências não destoem da essência da Justiça que o código de ética que o ministro Edson Fachin propõe pode ajudar significativamente na blindagem do Supremo. Não é, como poderia parecer, uma tarefa fácil estabelecer regras éticas entre os mais bem remunerados funcionários do Estado encarregados de fazer cumprir as leis do país. Em 2023, a ministra Rosa Weber tentou uma medida simples, como aprovar regras básicas para a participação de juízes em eventos patrocinados por grandes empresas, iniciativa recebida com vasta desaprovação dos membros do Judiciário.

Fachin não começará do zero. Além do código implantado na Alemanha, que lhe serve de inspiração, possui em mãos estudo de juristas renomados organizado pela Fundação Fernando Henrique Cardoso e entregue ao ministro quando tomou posse na presidência do STF. Tanto ele quanto as peças legais com a mesma finalidade existentes na França e, mais recentemente, nos Estados Unidos, visam a afastar qualquer situação dúbia na conduta dos membros do alto escalão do Judiciário que possam comprometer a maneira como a Justiça é vista pela opinião pública.

Uma das regras mais explícitas foi estabelecida pela Suprema Corte americana, ao indicar que os magistrados devem evitar encontros e eventos onde haja grupos com “interesse financeiro substancial” em um processo. Já o código alemão disciplina doações e prevê a transparência e publicidade anual em relação à receita de juízes com palestras e a outras atuações não relacionadas diretamente à Corte, segundo Ana Laura Barbosa, professora de direito constitucional da ESPM (Valor, ontem), uma das coordenadoras do estudo da Fundação FHC sobre o assunto.

Juízes deveriam estar acima de qualquer suspeita, e esse é um dos objetivos do código que o ministro Edson Fachin pretende que seja válido para todos os tribunais superiores. Regras eliminariam a influência de elementos subjetivos na avaliação dos atos do Judiciário, algo ainda mais necessário hoje diante da polarização política, quando o Supremo Tribunal Federal também está no centro das polêmicas. Linhas claras de conduta não são toda a solução para os problemas do Judiciário, mas parte dela. O Supremo poderia ter mais colegialidade em suas decisões, restringindo decisões monocráticas, que predominam. Os ministros deveriam falar apenas por meio dos autos, evitando opiniões intempestivas que levantam suspeitas de prejulgamento, antípoda do trabalho da Justiça.

Violência contra a mulher requer multidisciplinaridade

Por Correio Braziliense

É comum que a misoginia abarque jovens que fazem parte de uma minoria, por exemplo, mas ainda assim escolhem o caminho da opressão como defesa, numa lógica com potencial destruidor

O Brasil assiste, nos últimos dias, a diversas ocorrências de violência contra a mulher que tiveram ampla repercussão midiática. Só em São Paulo, Tainara Souza Santos, de 31 anos, teve as pernas amputadas e está internada em estado grave após ser atropelada e arrastada por Douglas Alves da Silva; enquanto Evelin de Souza Saraiva, de 38, levou seis tiros do ex-companheiro, Bruno Lopes Fernandes Barreto, enquanto trabalhava em uma pastelaria.

Em cada notícia como essa, os veículos de imprensa ressaltam dados como os do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, que apontam para recorde de feminicídios ano após ano no país. São números que fragmentam o tamanho do problema, um dos mais graves do Brasil. Um assunto que, sem dúvida, precisa ser tema do debate eleitoral do ano que vem, mas que merece, desde já, a elaboração e prática de políticas públicas eficientes.

Em primeiro lugar, vale destacar que a misoginia ligada a esses episódios de extrema violência tem explicações diversas e merece um tratamento multidisciplinar. Em entrevista ao podcast Café da Manhã, da Folha de S. Paulo, a promotora Silvia Chakian, do Ministério Público de São Paulo, abordou o tema em três frentes diversas, que precisam coexistir para darmos um primeiro passo rumo ao direito das mulheres de existirem com direitos iguais aos dos homens.

O primeiro passo, na visão dela, é o combate à desigualdade de gênero. Mesmo mais escolarizadas, as mulheres têm menor participação no mercado de trabalho e recebem 21% menos do que os homens, em média, informa pesquisa do IBGE divulgada no ano passado. Essa assimetria cria distorções que se mantêm, sobretudo, da porta para dentro. É principalmente no ambiente domiciliar que eles reafirmam posições de dominação e asseguram a submissão das parceiras — que depois não conseguem, sequer, denunciar a violência sofrida.

Além disso, a promotora ressalta a necessidade de ampliação de políticas públicas existentes. Principal aposta para proteger a vítima de violência, a medida protetiva é pouquíssimo fiscalizada pelo poder público. Vidas são perdidas por pessoas que tiveram acesso ao mecanismo, mas ainda assim foram mortas por criminosos. Isso se faz com mais investimento e com combate ao sucateamento dessas iniciativas.

Ao mesmo tempo, outro problema que merece atenção é o crescimento de um perfil de vítimas como a dentista Denise Tizo de Oliveira, 27, morta pelo marido, Vinícius Franco de Farias, a facadas, mesmo grávida de oito meses. São crimes cruéis contra vítimas cada vez mais jovens.

Esse recorte merece uma atenção especial por parte do poder público. O feminicídio e as demais agressões contra a mulher são crimes de manifestação de poder. O autor se vê proprietário daquele corpo feminino. O fato de os mais jovens estarem tão envolvidos nos milhares de registros ocorridos por ano aponta para a necessidade de discutir a questão dentro das escolas.

É na adolescência, momento no qual nos reconhecemos em relações amorosas de maneira inédita, que os jovens precisam debater sobre o consentimento e o direito de negação de ambas partes do contrato social. Sem essa abordagem multidisciplinar, que precisa começar até mesmo na primeira infância, os jovens são iscas fáceis para discursos misóginos presentes, por exemplo, na internet, que transformam essas pessoas, muitas vezes decepcionadas após algum episódio de frustração, em potenciais agressores.

Aqui, cabe o papel dos pais na vigilância sobre aquilo que o filho consome, principalmente no celular. É preciso monitorar de perto, pois adolescente não deve ter sua privacidade 100% assegurada neste momento da vida, afinal ainda está num período de formação intelectual e social.                                     

Neste sentido, a prevenção é o melhor remédio. No podcast citado, a promotora Silvia Chakian relata a dificuldade de "virar a mesa", após o adolescente ser capturado pelo discurso misógino. Em suma, a comunidade red pill — pessoas que deslegitimam experiências femininas e promovem rivalidade entre os sexos na internet — se baseia em uma ideologia totalmente incoerente, o que dificulta a abordagem de especialistas, como psicólogos. É comum que a misoginia abarque jovens que fazem parte de uma minoria, por exemplo, mas ainda assim escolhem o caminho da opressão como defesa, numa lógica com potencial destruidor.

 

 

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