Sem Tribunal de Contas da União, seria risonho e franco o mundo do Poder Executivo de uma maneira geral. Incluindo na festa as Estatais, as Universidades, os bancos federais, as instituições diversas que manipulam dinheiro público e também os repassam. Para ficarem estas entidades vulneráveis a uma fiscalização mínima é preciso que aconteça algo quase impossível, a criação de uma comissão Parlamentar de Inquérito que funcione bem e apure de fato denúncias dos desvios de recursos. Os mecanismos de controle interno reaparecem de vez em quando no governo, por espasmos, em períodos de crise. Resta ao contribuinte a confiança de que sua contribuição terá o controle exercido pelo TCU, que é insuficiente e às vezes equivocado, mas é o único e deve ser preservado.
No atual governo houve vários momentos de campanha contra o Tribunal de Contas, depois uns ataques mais diretos, um recuo estratégico nos protestos e um momento, como o de agora, de discrição, que não se sabe quanto vai durar. Transformou-se o TCU em alvo também do Legislativo. Os primeiros, para evitar avaliações incômodas da atuação de gestores que pretendem ter a unanimidade, a favor, do público e da crítica. Quanto aos parlamentares, estão acusando o golpe da transferência de poder que imaginam ter ocorrido quando o Tribunal de Contas passou a dar a última palavra sobre as obras que poderiam ou não ser contempladas no orçamento. Uniram-se à pressão do Executivo.
Com a atribuição de exercer a fiscalização sobre a aplicação de recursos públicos, foi o TCU que abriu, no ano passado, investigação sobre o empréstimo de R$ 4,3 bilhões pelo Banco do Brasil à Oi para a compra da Brasil Telecom. O objetivo do tribunal: verificar se as condições do empréstimo seguiram os padrões de mercado e os critérios técnicos do BB. A auditoria do TCU, que produzirá um relatório a ser votado no fim deste mês, foi criticada como exorbitante. Ao avaliar os procedimentos, o tribunal poderá tão somente pedir correções nas regras do empréstimo, ou, se identificadas irregularidades, aplicação de multas aos responsáveis. Pode ser pouco, mas é algum controle.
Recentemente, auditoria do TCU descobriu irregularidades no planejamento e execução das obras do Arco Rodoviário, no Rio, projeto que levará cerca de R$ 1 bilhão do PAC, o programa de obras do governo federal que tem diversas delas retidas pelo filtro do Tribunal. A fiscalização de obras é uma das atribuições mais pesadas, para a qual o TCU conta com grande estrutura e até um cargo especial, o de secretário de fiscalização.
As joias do PAC, mostrou reportagem de Raymundo Costa e Daniel Rittner, no Valor, não poderiam, a rigor, figurar no palanque de realizações do governo Lula, na campanha de 2010, porque não houve avanços em sua execução. Levantamentos sucessivos mostram que apenas 7% das principais obras do programa foram concluídas, ou seja, execução rasteira. São avaliações que o trabalho do TCU permite fazer.
Falhas de gestão também são ali detectadas. Foi o TCU que descobriu não estar o governo aplicando 18% de sua arrecadação tributária de 2008 em Educação, como manda a Constituição, e identificou sobrepreço e erros em licitações de obras da Petrobras, empresa, por sinal, com pendências em várias auditorias do tribunal, já convidada a ajustar seu falho sistema de concorrência pública.
O programa Bolsa Família, que desperta temor reverencial e afasta avaliações sob pena de seus executores politizarem o debate e acusarem o crítico de querer acabar com a bolsa, é tema de análises frequentes no TCU, que já apontou equívocos no cadastro de beneficiários e fraudes na execução.
A má qualidade gerencial dos programas do governo, já reconhecida até por ministros mais atentos ao que se desenvolve em suas áreas, é a principal causa do péssimo resultado apontado pelas auditorias.
Os parlamentares da aliança governista vêm tentando podar o TCU em suas atribuições de fiscalizar obras. O Executivo está adotando medidas para, apesar dos vetos do TCU, garantir que suas obras, mesmo se declaradas irregulares, recebam recursos. E não se trata de uma reação a um aumento da pressão do tribunal sobre os gestores.
Não é de hoje que o TCU é integrado por políticos, parlamentares que não renovaram seu mandato. A tradição da casa é esta, muitos políticos importantes na história do Brasil passaram por lá: Golbery do Couto e Silva foi ministro do TCU; Etevilno Lins também, Silvestre Peres de Góis Monteiro, Tales Ramalho, Augusto Tavares de Lyra, José Américo de Almeida, Gustavo Capanema, Abgar Renault, Luiz Octávio Gallotti, Clóvis Pestana, Thales Ramalho. Os dois mais importantes diretores da Câmara em diferentes períodos, Luciano Brandão e Paulo Afonso Martins integraram o tribunal.
O Tribunal de Contas da União, previsto na Constituição, não está no sistema Judiciário mas no Legislativo, e deve auxiliar o Congresso na fiscalização financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da União e das entidades da administração direta e indireta. Já era previsto na Constituição de 1824 mas desde 1808 foram plantadas suas bases com o Erário Régio ou Tesouro Real Público, criado por Dom João.
O TCU é uma instância de satisfação ao contribuinte quanto ao dinheiro dele arrecadado, e seu quadro de auditores é considerado o que há de melhor no serviço público.
Governos, reconhecem ministros do TCU, não gostam de fiscalização, muito menos de controle. Mais ainda quando são altos os orçamentos gastos a fundo perdido. Quanto mais fiscalização, mais se encontram irregularidades, corrupção e se evidencia a impunidade. As tentativas de enquadrar o Tribunal, neste momento, fazem parte do arsenal preparatório da campanha eleitoral de 2010.
Rosângela Bittar é chefe da Redação, em Brasília. Escreve às quartas-feiras
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