1– Para que se conquistem mudanças profundas na república brasileira, sintonizadas com as necessidades da maioria da população e impulsionadas pela sua mobilização, é preciso mudar o padrão atual da militância de esquerda, fundado na absolutização dos processos eleitorais e nos arranjos de cúpula característicos da política tradicional. Nessa construção, coloca-se o desafio de um encontro de contas com o passado recente, recolhendo-se as experiências e análises que fecundam uma nova perspectiva e rejeitando-se aquelas que, à esquerda e à direita, induzem à repetição de velhos erros e alimentam a mesmice.
2 – São abundantes as pesquisas e análises sobre o perfil atual da sociedade brasileira nos seus aspectos econômicos, sociais, culturais, psicossociais, demográficos, regionais, organizacionais - estatais, civis, formais, informais e marginais. Em muitas delas se revelam realidades e vertentes com potencialidade para a geração de novas articulações políticas. Mas esse conhecimento não chega aos arraiais da esquerda. E estabelecer o traço de união é um segundo desafio que se impõe.
3 – A ação militante deve compreender a rejeição da fome, do raquitismo político, da subnutrição cultural e da corrupção visceral, sob o fundamento da elaboração crítica e do desdobramento de propostas em torno de cada um destes aspectos, e considerando as esferas do programa, da estratégia, da tática e da política de organização. Este é o alcance da militância quadrilateral.
4 – A fome, num conceito expandido, refere-se não só ao alimento, mas a todos os tópicos inscritos entre os direitos sociais e as políticas públicas, como emprego e renda, habitação, saúde, educação, cultura, seguridade, etc.
5 – O raquitismo político diz respeito às limitações e deformações que marcam a representação popular e o controle civil nas esferas estatais, nas instâncias e ocorrências da sociedade civil, como o processo eleitoral, a vida partidária, as estruturas sindicais e associativas, os movimentos sociais e comunitários.
6 – A subnutrição cultural, por um lado, expressa o bloqueio à população do acesso aos bens de cultura e a ausência de uma política cultural voltada para assegurá-los, numa rede de equipamentos públicos básicos e obrigatórios, a partir do município, a exemplo do SUS. Os debates culturais de hoje são centrados nas reivindicações dos segmentos da produção cultural, profissional e amadora, individual e grupal, deixando-se ao largo as necessidades e os direitos culturais dos cidadãos. No âmbito da militância, é necessário incrementar o componente teórico na análise e na formação política, a partir do conhecimento da realidade nacional e internacional e da articulação com a intelectualidade de esquerda.
7 – A corrupção visceral caracteriza o tradicional comportamento predatório e corrupto das classes dominantes ante o patrimônio público, à frente das instâncias do poder.
Paralelamente, esses mesmos setores, ao longo da história brasileira, colocando o lixo debaixo do tapete e tentando ocultar os seus rabos de palha, têm levantado a bandeira da moralidade, como forma de desviar a atenção e confundir o debate político, sempre que sentem alguma ameaça aos seus interesses econômicos ou aos seus esquemas políticos. Mas marcando a distância ante esses expedientes, típicos da velha UDN e do udenismo, coloca-se para os militantes de esquerda e socialistas, a exigência inarredável de uma postura vigilante, nítida, exemplar, substanciosa e prática, no que se refere aos bens públicos ou coletivos. O combate à corrupção das classes dominante integra o ideário socialista e não pode ser descartado. A denúncia das mordomias foi um dos componentes da luta democrática contra a ditadura de 1964 e mantém a validade. O peleguismo renitente, enraizado na Era Vargas, precisa ser enfrentado em suas variantes atuais e nas irradiações para além do movimento sindical.
8 – Esta é uma pauta para discussão, traçada em linhas gerais, que requer desdobramentos e especificações. E aí se destaca, entre outros tópicos, a situação da juventude e a sua mobilização política.
» Marcelo Mário de Melo é jornalista, foi militante do PCBR e atualmente assessor da Fundação Joaquim Nabuco
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