Fernando Collor foi um presidente viril, de temperamento esportivo e gestual afascistado. Afetava uma modernidade caricata -a gravata Hermès, o uísque Logan, a brilhantina no cabelo. Itamar Franco tinha o seu topetinho. Démodé, mas autêntico. Até nisso, foi uma espécie de anti-Collor.
Collor decretou que os carros nacionais não passavam de carroças. Itamar tratou de reabilitar o Fusca -a carroça-símbolo da nacionalidade, de um país popular.
Para o registro histórico, o presidente do Fusca, do pão de queijo e... do Plano Real figura ao mesmo tempo como interregno e elo entre os governos dos dois Fernandos. A despeito da delinquência e do gangsterismo que marcaram a gestão Collor, há uma continuidade entre a liberalização da economia que ele patrocinou e a modernização capitalista com a reforma do Estado que o professor FHC iria promover em termos mais consequentes e duradouros.
Vice de um outsider pelo PRN, um partido fantasma, Itamar, a seu modo também aventureiro, teve a sorte de chegar ao comando do país com o impeachment de Collor. E teve o mérito de não interferir no laboratório do plano de estabilização que FHC levou a cabo com seus meninos-prodígio a partir de maio de 1993, até parir o real em 1994.
Recorde-se: antes de Fernando Henrique, Itamar teve três ministros da Fazenda (Gustavo Krause, Paulo Haddad e Eliseu Resende) em apenas cinco meses.
O presidente acidental conseguiu fazer de seu breve mandato um período de entendimento político e de reconstrução da terra arrasada deixada pelo estilo atlético-imperial do antecessor.
Apesar disso, Itamar nunca deixou de ser um político provinciano, movido por pequenas mágoas. Também não parece absurdo ver esse nacionalista extemporâneo como um Forrest Gump, imerso numa inconsciência virtuosa, ou bem-sucedida, protagonista involuntário de algo que não compreendia.
FONTE: FOLHA DE S. PAULO
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