Há vários perigos nas mudanças no Ministério dos Transportes. O principal é deixar tudo como está. O Brasil tem uma logística deplorável, o ministério tem casos recorrentes de corrupção, não investe o que pode do orçamento por ineficiência, e o número de mortes em estradas do país equivale à queda de dois aviões de 160 passageiros a cada três dias. O maior risco é mudar um pouco para ficar tudo como está.
Um levantamento feito pelo site Contas Abertas para a coluna mostra que o Ministério dos Transportes deixou de investir R$47 bilhões desde 2002. Até o primeiro semestre de 2011, o Ministério investiu em média 57% do que estava no orçamento. O pior ano do período foi 2003, com apenas 29%. O melhor ano foi 2010, quando chegou a 78%. Veja o quadro que postamos no blog.
O Brasil precisa de um renascimento no Ministério dos Transportes. Uma nova forma de gerir, planejar, pensar, agir, contratar. A presidente Dilma Rousseff criou uma oportunidade para seu governo, sua biografia e o país quando reagiu às denúncias. Pode perder a chance, se nomear um escolhido com a ajuda do mesmo ministro que caiu. A presidente não pode se deixar intimidar pelas ameaças de votos contrários no Congresso. Se fizer isso, com seis meses de governo, pode ficar sentada esperando o dia da entrega da faixa presidencial porque não governará o Brasil. Ou ela comanda sua base, ou será prisioneira dela.
Os números são inclementes. Eles revelam que, pela falta de estradas decentes no Brasil, morrem 33 mil pessoas por ano em acidentes, se forem somados os dados da Polícia Rodoviária Federal - das vítimas fatais no local - e os do Ministério da Saúde, de acidentados que chegam aos hospitais mas não resistem aos ferimentos. A ineficiência e a corrupção do Ministério dos Transportes não só desperdiçam e desviam dinheiro público, mas também matam.
O órgão não tem sido nem a sombra do que o Brasil precisa. Não tem visão estratégica na economia dos transportes. O impacto econômico da falta de visão integrada na logística mina a produtividade das empresas e a competitividade do Brasil no mercado global. As denúncias da "Veja", O GLOBO e "IstoÉ" provocaram demissões de autoridades suspeitas. O que o vídeo da revista "IstoÉ" mostra é doloroso. O então ministro aprova uma estradinha feita para agradar um político que vai para o seu partido e diz: "Rapaz, tu num tá nem no partido e já está conseguindo arrancar coisas aqui, imagina quando estiver no partido." Ao seu lado, no mesmo conluio, estava o notório Valdemar Costa Neto. Ele não aparece, é a voz que se ouve ao fundo. Tem tido voz naquele ministério. Como Nascimento já exerceu o cargo três vezes, 5,5 anos no total, perdendo apenas para Mário Andreazza em tempo no cargo, pode-se imaginar quanta coisa foi "arrancada" do órgão, pelos mais variados motivos que não o interesse público. O que o atraiu ao posto foi fazer uma estrada para lá de controversa, a BR-319, no seu estado do Amazonas, apenas para pavimentar suas eleições.
O Ministério dos Transportes não pode empilhar obras de estradas; precisa saber aonde o país quer chegar. Tem que ter uma visão gerencial de qual a melhor forma, o melhor modal, a mais eficiente integração entre os modais, mirando dois objetivos: estradas mais seguras para garantir vidas; logística mais eficiente para a economia. Nos últimos 10 anos, o comércio exterior brasileiro deu um salto de 238%. Aumentou também o trânsito de mercadorias para consumo interno. A ineficiência logística vai para o preço, vira inflação que é paga pelos consumidores. A incompetência do Ministério dos Transportes pesa no bolso do consumidor.
O Brasil quer ser grande, eficiente e competitivo. Como fazer isso? Não é protegendo os interesses da família Diniz com R$4 bilhões para a fusão do Carrefour com o Pão de Açúcar. Não é também despejando bilhões sobre a família Batista, dona do JBS-Friboi. Agora que ela é a maior empresa de carnes do mundo e sócia do BNDES, um dos batista quer dar novo passo: o "Júnior" vai virar político para tentar ser governador de Goiás. O BNDES acredita que irrigando alguns com dinheiro subsidiado formará os campeões nacionais, que conduzirão o capitalismo brasileiro na globalização. O Ministério dos Transportes drena a competição de todas as empresas, as que têm ou não benção do banco estatal. Para que o Brasil, como um todo, seja um campeão, é estratégico que tenha boa logística.
O Brasil tem 212 mil quilômetros de estradas pavimentadas enquanto a Índia tem 1,5 milhão, segundo o Instituto Ilos. O Brasil tem 29 mil quilômetros de ferrovia, e a Índia, 63 mil. A Índia tem 38% da extensão territorial do Brasil. Vou poupar o leitor de outras comparações que nos humilham mais.
O senador Blairo Maggi falou a palavra errada antes de recusar o cargo: "continuidade". Tudo o que o Ministério dos Transportes não precisa é "continuidade". Precisa de rupturas. Quem tem o poder de fazer este corte chama-se Dilma Rousseff.
FONTE: O GLOBO
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