sexta-feira, 28 de setembro de 2012

O BC, o tripé e as incertezas do mercado - Claudia Safatle


O Comitê de Política Monetária (Copom) derrubou a taxa básica de juros para 7,5% ao ano, mas deixou, no seu rastro, um enorme rol de dúvidas e preocupações. Algumas legítimas, outras nem tanto.

No mercado, as perguntas surgem aos borbotões. Há incertezas sobre a real extensão da mudança do chamado tripé da política macroeconômica - regime de meta para a inflação, taxa de câmbio flutuante e superávit fiscal. Dúvidas sobre a autonomia do Copom para elevar os juros, se a inflação assim o exigir. Teme-se que o governo tenha optado por manter tabelada a taxa de câmbio.

A lista prossegue. O BC não firmou compromisso claro de que vai buscar a convergência da inflação para o centro da meta, de 4,5%, no próximo ano nem em 2014, e nas indicações feitas até agora não explicitou como o faria. As expectativas estão desancoradas. É forte a percepção de que a inflação está reprimida - por uma série de incentivos fiscais, como a isenção e redução do IPI sobre automóveis, e pelo adiamento do reajuste de preços dos combustíveis. Uma hora, quando os incentivos forem retirados, ela vai aparecer.

Para Fraga, há "desvios" do modelo do tripe econômico

O ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga, da Gávea Investimentos, comunga de algumas dessas inquietações, que poderiam ser resumidas numa só indagação: o BC trabalha hoje com o regime de meta de inflação ou tem metas múltiplas - para os juros, para o câmbio, para o crescimento - e guarda uma certa flexibilidade quanto à inflação?

"Me preocupa um BC que é percebido como tendo metas múltiplas. O governo, claramente, tem. Isso, porém, foge ao controle do BC e traz custos", disse Fraga ao Valor. Se ficar claro, por exemplo, que o governo trabalha com taxa de câmbio fixa, será cobrado um preço sob a forma de prêmio de risco na taxa de juros.

"Esse é um modelo perigoso. Os países que sobrevivem com câmbio fixo têm elevada taxa de poupança, juros muito baixos - e o nosso ainda é muito alto - e acumularam quantidades enormes de reservas", disse.

Os dados divulgados no relatório de inflação do Banco Central, ontem, apontam - no cenário de referência - uma variação do IPCA persistentemente acima do centro da meta até o terceiro trimestre de 2014. A inflação chega a 5,2% este ano, cai para 4,9% em 2013 e sobe para 5,1% até o período indicado de 2014, consumindo, assim, praticamente, o restante do governo de Dilma Rousseff.

Pelas contas que constam do relatório, a inflação segue essa trilha, mesmo considerando um ganho de 0,5 ponto percentual com a redução das tarifas de energia no próximo ano. Sem tal contribuição, então, a inflação para o ano que vem chegaria a 5,4%.

Longe de ser um economista dogmático, Fraga acha que há "desvios" em relação ao regime amparado no tripé que vigorou nos últimos 13 anos. "Há um conjunto de indicadores que sugerem, não que se acabou com o regime, mas que ele está sendo flexibilizado e perdendo um pouco da sua coerência original", comentou.

No sistema de metas, o BC deve perseguir a meta de inflação definida pelo governo, suavizando os ciclos econômicos e mantendo, com as ferramentas próprias, a estabilidade financeira. Não caberiam, aí, outros objetivos.

"Eu me identifico um pouco com esse caminho (do BC que reduziu os juros), pois considero que os juros elevados eram a principal distorção da economia brasileira. Só acho que é preciso um pouco de cuidado. Você começa a escorregar, escorregar e num determinado momento você se vê em uma situação meio complicada", ponderou o ex-presidente do BC.

"Me preocupa essa história do câmbio e do adiamento da convergência da inflação para a meta, principalmente levando-se em conta que a inflação está se beneficiando de medidas que não são recorrentes", disse, referindo-se ao incentivo do IPI para carros, cujos preços caíram, à postergação do reajuste dos combustíveis e à queda das tarifas de energia no ano que vem.

"Fala-se em choque de oferta quando o índice sobe, mas não se está levando em conta essas medidas pontuais e não recorrentes, que são da mesma família", comentou.

Para ele, também não está claro se a desvalorização do real frente ao dólar, de março para cá, decorreu das medidas que o governo tomou, de controle cambial, ou se foram fruto da piora das relações de troca, da deterioração da percepção do Brasil no exterior e do impacto, em geral, da situação mundial. "O câmbio subiu e talvez não tenha nada a ver com as medidas do governo."

O BC, corretamente, identificou que o mundo estava desacelerando em 2011 quando, em agosto, de forma inesperada, começou a cortar a Selic, reconheceu. "Mas algumas coisas mudaram de lá para cá", assinalou ele, "a começar pela ênfase do governo em defender uma determinada taxa de câmbio".

Depois de cortar os juros em cinco pontos percentuais, de 12,5% para 7,5% ao ano, o crescimento este ano será de 1,6%, conforme prognóstico do relatório de inflação, em uma combinação singular ao mesmo tempo que o desemprego está em baixa e a inflação em alta.
Para Fraga, essa é uma clara indicação de que não é o BC que está bloqueando o crescimento econômico. "Meu diagnóstico hoje é de que temos problema do lado da oferta" e é aí que as questões têm que ser resolvidas.

O BC traçou cenários onde a inflação encosta no centro da meta no terceiro trimestre de 2013, quando cai para 4,6%, e depois sobe. Isso não significa, porém, que ficará de braços cruzados olhando a inflação descarrilhar. A favor da autoridade monetária - e com isso Fraga concorda - estão o acerto no ano passado e a constatação, a posteriori, de que as medidas macroprudenciais - que tanto barulho causaram no debate sobre taxa de juros - foram, de fato, prudenciais e não substitutas da Selic.

Quando perguntado sobre se os juros vão ficar estáveis ou podem subir em 2013 - quando o crescimento estará mais forte, o presidente do BC, Alexandre Tombini, costuma responder: a inflação é que vai dizer. Do contrário, o Brasil corre o risco de ficar como o México, que passou anos com a taxa de inflação na metade superior da banda sem obter crescimento. O que seria ruim para ele e péssimo para a presidente.

Fonte: Valor Econômico

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