Lavagem de dinheiro e formação de quadrilha são os dois pontos que dominaram
a atenção dos juízes do Supremo Tribunal Federal neste 29º dia de julgamento do
processo do mensalão, pontos que podem ser decisivos na definição final sobre o
núcleo político petista, acusado de comandar o esquema criminoso, especialmente
o ex-ministro José Dirceu, definido como o "chefe da quadrilha" pelo
Ministério Público.
As ministras Cármen Lúcia e Rosa Weber, por enquanto em minoria nesse item,
abriram divergência com o relator e o revisor afirmando que não houve formação
de quadrilha no esquema do mensalão. Ambas alegaram em seus votos que a
formação de quadrilha ou bando se define pela associação permanente para a
prática de crimes. Para Rosa Weber , o que caracteriza esse tipo de crime
"não é a perturbação da paz pública em si", mas a decisão "de
sobreviver à base dos produtos auferidos em ações criminosas indistintas".
Acompanhando a divergência, a ministra Cármen Lúcia disse que o que
caracteriza o crime de quadrilha é a prática de "crimes em geral, o que
não vislumbrei". Para ela, a acusação do Ministério Público de que o
esquema previa "pequenas quadrilhas com outras quadrilhas" não
convence, e o que houve foi "reunião de pessoas para práticas criminosas,
mas para atender a vantagens especificas de alguns réus, e não para atingir a
paz social".
Por essa definição do que seja "formação de quadrilha", é de se
supor que as duas ministras verão da mesma forma a acusação contra o núcleo
político do PT nesse ponto específico. Esse crime, porém, tem penas pequenas,
de 1 a 3 anos, e sua inexistência eventual não deve influenciar muito na
condenação final dos réus considerados culpados.
Mas, se for vencedora, essa tese fará perder força a acusação inicial da
Procuradoria-Geral da República, que define José Dirceu como o "chefe da
quadrilha", embora nada impeça que os membros do núcleo político sejam
considerados responsáveis pela corrupção ativa dos parlamentares, em regime de
coautoria, e não de quadrilha.
Haverá também a redução da carga política pejorativa que a expressão
"chefe da quadrilha" faz o ex-ministro José Dirceu carregar.
A outra causa de controvérsias no Supremo tem sido a lavagem de dinheiro,
embora o único caso em que houve placar apertado tenha sido o do deputado
federal João Paulo Cunha, condenado por 6 a 5.
Nos demais resultados, não houve um mínimo de quatro votos absolutórios até
o momento para abrir caminho a embargos infringentes que, em tese, podem
provocar um novo julgamento pelo próprio STF.
A discussão entre os ministros é sobre se a condenação por corrupção passiva
já engloba o ato de esconder o dinheiro, perfazendo um crime só, ou se a
tentativa de ocultar a propina caracteriza uma lavagem de dinheiro.
Alguns casos foram fáceis de definir, quando o réu enviou alguém em seu
lugar para receber o montante ou se utilizou mecanismos financeiros para
escamotear esse dinheiro, como nos casos do uso das corretoras Bonus Banval ou
Garanhuns, em que houve concordância sobre a caracterização de lavagem de
dinheiro. Mas houve questionamentos também sobre se determinado réu tinha noção
de que a origem daquele dinheiro era ilegal, fato básico para haver a intenção
de lavar o dinheiro.
Embora pareça improvável que qualquer um dos envolvidos num esquema dessa
dimensão não soubesse que estava envolvido em uma tramoia, houve ministros que,
em dúvida, votaram a favor da absolvição do réu.
Mesmo que atitudes como essas irritem o relator Joaquim Barbosa, são elas
que definem a independência do Supremo. Mesmo as discussões mais evitáveis
estão servindo para demonstrar que ali naquele colegiado cada cabeça é uma
sentença, e todos têm a liberdade de discordar. Essas divergências de
entendimento sobre a caracterização de crimes fazem com que os resultados de 10
a 0 ou 8 a 2 na condenação dos réus, como tem acontecido com frequência durante
este julgamento, sejam fruto de um consenso nascido da jurisprudência da Corte,
o que faz com que as críticas eventuais percam a força diante de maioria tão
acachapante.
Esses placares tão definitivos servem também para evitar embargos
infringentes, que poderiam retardar a execução das eventuais penas aos réus.
Fonte: O Globo
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