Principal colégio eleitoral, maior orçamento municipal, capital financeira e
berço dos dois principais polos da política nacional, é natural que São Paulo seja
o centro das atenções nesta campanha.
O foco restrito à cidade, no entanto, não explica o que está em jogo na
disputa pelas outras 5.567 prefeituras. Desavisados do que se passa no entorno,
os paulistanos nunca entenderão o resultado de suas próprias urnas.
O azarão da disputa, Celso Russomanno, tem sido associado ao obscurantismo.
Como o eleitor nada sabe, se deixa manipular por um enganador.
Voto indicará projeto coletivo ou individual de mudança?
Mas não é a fé pentecostal que explica a ignorância, mas a falta de
informação. Bastou alguém explicar ao eleitor que Russomanno propõe-se a cobrar
tarifa de ônibus mais cara de quem mora mais longe que o candidato começou a
desidratar.
Para entender se a perda de votos será suficiente para tirá-lo do primeiro
turno, uma olhada no entorno mostra que não se trata de fenômeno paulistano.
No pano de fundo da campanha, o discurso que criminaliza a política vai de
Edir Macedo à alta magistratura. Ao esquema petista escancarado no banco dos
réus, soma-se o mensalão do PCC, restrito às páginas da "Folha de
S.Paulo" e ao cotidiano da periferia da capital.
Os exemplos mais eloquentes de que a São Paulo de Russomanno não é uma ilha
são os favoritos em Curitiba e Campo Grande. Ratinho Jr. quebrou uma
polarização de duas décadas da política paranaense, entre Jaime Lerner e
Roberto Requião.
Fez carreira numa família de comunicadores e, assim como seu congênere
paulistano, também exerceu vários mandatos parlamentares antes de se aventurar
na disputa majoritária na capital.
Nada de braçada entre os evangélicos, promete câmeras de vigilância nas ruas
e creches à noite para que os pais que trabalham de dia possam estudar. Não
quer que sua mulher exerça função na prefeitura para cuidar dos três filhos.
Vende-se como novidade.
Em Campo Grande, o candidato que chegou para quebrar a polarização entre PT
e PMDB, veio do mesmo PP por onde passou Russomanno e disse ao repórter
Guilherme Soares Dias (Valor, 28/09/2012) que ambos compartilham visão de
mundo: "Somos dois radialistas que entramos na política por uma questão de
justiça".
Não poderia haver candidato mais antenado com a eleição do mensalão.
Enquanto o Judiciário faz política, os políticos prometem fazer justiça. O
justiceiro de Campo Grande virou notícia mundial por ter provocado a detenção
do diretor do Google que não retirou do ar vídeos que considerou ofensivos a
sua honra.
Os comunicadores da hora tiveram em Micarla de Souza, prefeita de Natal, uma
precursora. Apresentadora de TV e herdeira de um grupo de comunicação, Micarla
ganhou a eleição em 2008 pelo PV contra as máquinas federal, estadual e
municipal. Prometeu renovar a política no Estado que tem a política mais
oligarquizada do país, mas loteou o governo de gente de televisão sem
conhecimento da máquina pública e chegou ao final do mandato com a maior
rejeição entre os prefeitos de capital.
Mas esta campanha não é feita apenas de comunicadores desvinculados de
máquinas partidárias. Rio, BH e Porto Alegre dão folgadas dianteiras a
prefeitos candidatos à reeleição bem avaliados, ainda que a oposição dê sinais
de vida, alguns eloquentes, em suas capitais.
É a avaliação que se faz das atuais administrações que continua a ser o
principal balizador do voto. Em alguns lugares, como em São Paulo, a rejeição
ao prefeito é tamanha que o discurso do novo alimentou um candidato como
Russomanno. Mas em outras cidades foram as máquinas partidárias bem azeitadas
que capitalizaram essa rejeição.
No Recife, o favorito é candidato do popularíssimo governador, mas até
Eduardo Campos chega à reta final da campanha acossado pelo discurso do novo.
Na capital que deu mais de 30% dos votos a Marina em 2010 e onde o PT cavou sua
própria cova numa escolha atabalhoada de candidato a sucessão, é um tucano que
usa chinelo de dedo e militou no PV a única ameaça a uma vitória no primeiro
turno de Geraldo Julio (PSB).
O discurso do novo caiu no colo da direita. Basta ver de onde vêm Russomanno
(PRB), Bernal (PP) e Ratinho (PSC). Onde a esquerda, em sua versão mais
radical, tem chances de ganhar não é um candidato novo que se apresenta mas um
ex-prefeito. É o caso de Belém, onde o PSOL deve fazer de um ex-petista o
primeiro prefeito de sua história.
Edmilson Rodrigues confronta a noção de que é a promessa de satisfação
imediata que dá as cartas em todo o território nacional. Minoritário em sua
aliança, o candidato do PSOL promete radicalizar o orçamento participativo
levando a população da periferia a lotar a Câmara Municipal em votações
importantes.
Esta disputa ruma para uma taxa de reeleição mais baixa do que a de 2008.
Naquele ano, a crise mundial ainda estava fora das milhas territoriais do país.
Os atuais prefeitos conviveram com taxas mais baixas de crescimento da economia
que afetaram seus investimentos.
Esta é a primeira eleição municipal depois de década de mudanças na metade
inferior da pirâmide social. Nas famílias chefiadas por analfabetos a renda
cresceu 88% e naquelas encabeçadas por quem tem mais de 12 anos de estudo caiu
11%. A renda de pretos e pardos aumentou 66% e 85%, respectivamente, enquanto a
dos brancos, cresceu 47%. A do Nordeste cresceu 72% enquanto a do Sudeste,
cresceu 45%.
Houve ganho de renda, mas este já foi corroído pela prestação da TV de
plasma e do carro e pela conta do celular. Quando sai de casa este cidadão não
consegue se locomover nem encontra creche para seu filho.
A diminuição das desigualdades, que ainda não afetou quem tem ganhos de
capital, aumentou a massa de cidadãos que pode pagar um bilhete de ônibus e que
deixa de morrer na indigência para procurar o atendimento público de saúde. O
que parece incomodar essa nova classe média de que tanto se fala é que se os
serviços públicos municipais já eram ruins, com o aumento de usuários ficaram
ainda piores.
É natural que o eleitor queira mudar. As urnas de domingo vão mostrar se
essa mudança indica algum projeto coletivo ou vai regar a horta do
individualismo.
Fonte: Valor Econômico
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