Flavia Lima e Tainara Machado
SÃO PAULO - O baixo crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) do primeiro trimestre, além da decepção causada pelo pífio resultado, estampou a fragilidade do modelo econômico adotado pelo governo da presidente Dilma Rousseff. No detalhe, o PIB cresceu 0,55% em relação ao quarto trimestre de 2012, um pouco abaixo da alta de 0,64% alcançada no quarto trimestre do ano passado. Para economistas consultados pelo Valor, contudo, o governo não vai alterar a política econômica pelo menos até o fim de 2014.
Para diferentes analistas, os principais indicadores de esgotamento do modelo adotado pelo governo foram a alta de apenas 0,1% no consumo das famílias, o percentual recorde de crescimento que "vazou" para o exterior (1,7 ponto percentual) e mais uma queda no PIB industrial, sempre na comparação com o quarto trimestre de 2012, com ajuste sazonal. Por outro lado, eles avaliam que ainda é cedo para interpretar o aumento do investimento como uma mudança permanente.
Os economistas reconhecem que o governo já saiu de um modelo apenas focado no consumo e passou a mirar também a oferta e o investimento, mas sugerem que é preciso acelerar o ritmo e ir além da gestão microeconômica para "girar a chave". Para dois economistas de tendências opostas - Luiz Gonzaga Belluzzo e José Márcio Camargo - um crescimento mais consistente passa por combinar aumento de juros e desvalorização do real.
O primeiro sugere um caminho paulatino de mudança; o segundo, algo mais ágil. Mas nada mudaria no curto prazo, ainda que o aumento de 5% na taxa de câmbio ao longo do mês de maio até quarta-feira - o que ocorreu sem intervenções do Banco Central -, já possa ser um sinal de novos tempos no governo.
Na avaliação de Belluzzo, professor da Unicamp e da Facamp, a receita de combinar depreciação cuidadosa do câmbio e elevação gradual dos juros é necessária, porém difícil. "Vamos ter que fazer as duas coisas ao mesmo tempo e esse é o problema. O que não dá é pensar que o mercado naturalmente se ajusta, pois isso significaria que não aprendemos nada com a crise", afirma, ressaltando que não vê solução de curto prazo para o quadro de baixo crescimento.
Interlocutor frequente do governo, Belluzzo diz que a armadilha de baixo crescimento é resultado de vinte anos de câmbio valorizado. "Demos sorte nos anos 2000 com o cenário externo favorável às exportações, mas esse efeito já está muito atenuado e a capacidade de multiplicar renda e emprego a partir daí caiu", afirma.
O economista avalia que os efeitos deletérios do câmbio apreciado podem ser sentidos de forma espalhada sobre os componentes do PIB, afetando desde a competitividade da indústria até os investimentos. "Como é que você vai atrair o investimento privado? O cara olha essa taxa de câmbio e compara com os nossos competidores e vai investir onde? É uma quebra de confiança", diz.
Camargo, economista da Opus Investimentos e professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) diz que os incentivos à demanda concedidos pelo governo elevam ainda mais as pressões de custos em uma economia que já se vê diante de uma série de gargalos, o principal deles a baixa qualidade da infraestrutura. Ao mesmo tempo, o país convive com crescimento reduzido desde o fim de 2011, o que em sua avaliação pode ser atribuído à baixa expansão da oferta, especialmente da indústria, no período. Assim, é preciso elevar juros para conter a inflação e, ao mesmo tempo, criar incentivos para reanimar o setor manufatureiro.
Para Camargo, contudo, a alternativa possível neste momento - desvalorização cambial acompanhada de aumento de juros -, não parece estar na mesa do governo. O resultado, diz ele, pode ser a necessidade de um ajuste das condições macroeconômicas em 2015.
Camargo lembra que apenas a desvalorização nominal do câmbio tende a produzir mais inflação - a real, obtida com ganhos de competitividade e redução de custos, não. Se acompanhada de aumento de juros, contudo, a inflação tenderia a desacelerar. O economista lembra que o resultado seria aumento da taxa de desemprego, o que apesar de pouco popular, em sua avaliação é necessário para adequar os ganhos de salários ao aumento de produtividade. "Seria um ajuste com base em redução do salário real, mas faz parte dos limites que a economia impõe", afirma. Para Camargo, quanto mais tempo os desequilíbrios na economia brasileira persistirem, mais duro será o ajuste.
O real valorizado não foi a única causa, mas ajuda a explicar a forte queda das exportações, de 6,4% no primeiro trimestre deste ano, e a alta de 6,3% das importações no período. Os dois movimentos combinados resultaram em uma contribuição bastante negativa do setor externo para o PIB no período, afirma o economista-chefe do Banco ABC Brasil, Luis Otávio Leal. Pelos seus cálculos, 1,7 ponto porcentual do aumento da demanda "vazou" para o setor externo, o que significa dizer que sem essa influência negativa, a economia teria crescido 2,3% no primeiro trimestre do ano, em vez de alta de 0,55% em relação ao quarto trimestre, feitos os ajustes sazonais.
Para Leal, o desempenho do setor externo não é uma tendência e pode ter sido influenciado por questões pontuais, como a alta das importações de petróleo por causa do atraso do registro de desembarques de óleo e derivados. Já o crescimento da demanda das famílias, que deixou alta de 1% no quarto trimestre do ano passado para subir apenas 0,1% no primeiro trimestre de 2013, pode ser algo mais duradouro. "Aqueles níveis de crescimento trimestral superiores a 0,5% não devem mais ocorrer, é provável que a demanda passe a avançar a um ritmo mais próximo de 0,3% daqui para frente".
Ainda assim, com crescimento de no máximo 2,5% esperado para este ano, Leal acredita que o governo deveria se concentrar menos no resultado de 2013 e mais nas reformas microeconômicas que geram aumento de produtividade. Nesse campo, diz, o governo está no caminho certo, ao melhorar os termos para os leilões de infraestrutura e unir esforços para a aprovação da MP dos Portos, que moderniza o setor, por exemplo. Para ajudar, diz, ele deveria reduzir os gastos públicos em despesas correntes, o que ajudaria a conter a demanda que acelera inflação.
Guilherme Loureiro, economista e estrategista para o Brasil do Barclays, concorda que a surpresa negativa do lado do consumo das famílias pode se transformar em fonte permanente de preocupação. Segundo o economista, entre os dados que reforçam o quadro de que o consumo pode se manter enfraquecido nos próximos trimestres, impondo dúvidas com relação à sustentabilidade do processo de aceleração do próprio investimento, destacam-se os primeiros sinais de que o mercado de trabalho está perdendo o fôlego, a desaceleração do crédito privado e os indicadores menos robustos de confiança tanto do consumidor quando dos empresários.
(Colaborou Juliana Elias, de São Paulo)
Fonte: Valor Econômico
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