Mesmo com alguns sinais positivos, como a aprovação na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do fim do voto secreto para a eleição do presidente do Senado e das comissões, permanecem mostras preocupantes de que deputados e senadores insistem em velhos hábitos já rejeitados pela voz das ruas.
O presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves, por exemplo, voltou a usar um avião da FAB para ir de Natal a Brasília, dando carona. Mesmo que esteja dentro da norma, pois ia de seu estado para Brasília, e que as caronas nada acrescentem ao custo do voo para a FAB, falta ao presidente da Câmara o bom senso de não dar demonstrações de arrogância num momento em que qualquer passo dos políticos está sob a lupa da opinião pública.
Não há qualquer necessidade de usar um avião da FAB quando os voos comerciais normais são acessíveis, e o deputado tem cota de passagens a seu dispor. Só mesmo o hábito de utilizar mordomias, juntamente com a necessidade de demonstrar força política no seu reduto eleitoral, explica decisão tão equivocada.
Outro que demonstrou que está no cargo para cuidar de seus interesses pessoais foi o suplente da ministra Marta Suplicy, o senador Antonio Carlos Rodrigues, do PR paulista, que, aliado do mensaleiro Valdemar Costa Neto, impediu a votação de proposta de emenda à Constituição que torna automática a perda do mandato de parlamentar nas hipóteses de improbidade administrativa ou de condenação por crime contra a administração pública, conhecida como a PEC dos Mensaleiros.
Com o pedido de vista, conseguiu adiar para agosto a discussão da mudança que colocaria imediatamente na cadeia, além de seu cupincha, os deputados petistas José Genoino e João Paulo Cunha, e Pedro Henry, do PP. Por fim, mesmo sabendo que no Congresso a tendência majoritária, da qual fazem parte muitos petistas, é que as reformas só valham a partir da eleição municipal de 2016, a presidente Dilma continua na defesa intransigente do plebiscito para a realização de reformas ainda em 2014, jogando para o Congresso a culpa de não termos reformas imediatas, quando não há mesmo prazo para aprová-las em tempo hábil, dentro das atuais regras constitucionais.
Agindo assim, a presidente arrisca-se a ter o Congresso contra o Executivo na volta dos trabalhos, piorando a crise política em que seu governo está envolvido. Parece faltar a todos juízo para enfrentar os momentos tensos que temos pela frente.
Quem fala fino
Chico Buarque, ao apoiar a candidatura de Dilma Rousseff em 2010, disse uma frase sobre o governo brasileiro que ficou famosa: "Ele não fala fino com Washington, nem fala grosso com a Bolívia". O que parecia uma qualidade de nossa política externa mostrou-se, no entanto, um defeito, pelo menos em relação a nossos vizinhos bolivarianos.
De fato, não falamos grosso com a Bolívia, nem com o Paraguai, nem com a Venezuela, mas deveríamos fazê-lo em algumas situações. Se antes tínhamos um "complexo de vira-lata" nas relações internacionais, segundo diagnóstico do ex-presidente Lula, hoje temos um "complexo de gorila".
Temos receio de sermos vistos como imperialistas na América do Sul e nos submetemos a vários vexames desnecessários e inaceitáveis. Agora mesmo ficamos sabendo que aviões da FAB usados por autoridades brasileiras, inclusive o ministro da Defesa, Celso Amorim, foram revistados abusivamente por agentes antidrogas do governo da Bolívia.
O acinte aconteceu não uma única vez, mas três, e somente então o governo brasileiro fez um protesto formal, que só se tornou público dois anos depois, quando o fato foi revelado pela imprensa.
A Bolívia já expropriou uma refinaria da Petrobras, e ficou por isso mesmo. Agora, recusa-se a permitir que o senador oposicionista Roger Pinto Molina, asilado há mais de um ano na embaixada em La Paz, embarque para o asilo político em Brasília. E nós, no nosso "complexo de gorila", vamos falando fino com nossos vizinhos.
Fonte: O Globo
Nenhum comentário:
Postar um comentário