Na mesma semana em que o mundo toma ciência de que o carbono na atmosfera atingiu a marca crítica de 400 ppm, a Comissão de Meio Ambiente do Senado aprova a abertura de áreas na Amazônia Legal para o plantio de cana.
Tal decisão, contrária aos princípios da própria comissão, soa como uma provocativa demonstração de poder da aliança que colocou na sua presidência uma pessoa sem uma trajetória de defesa do ambiente e do desenvolvimento sustentável. Segue o desmonte da governança socioambiental do país, usada como moeda de troca no vale-tudo da velha política.
A decisão de não estender as plantações de cana à Amazônia foi uma conquista da sociedade, fruto de debate qualificado em que os argumentos da Academia, movimento socioambiental e empresariado progressista fundamentaram o decreto presidencial que criou, em 2009, o zoneamento agroecológico da cana. Foi proibida a expansão de canaviais e implantação de novas usinas não só na Amazônia, mas também no Pantanal e na bacia do Alto Paraguai. O zoneamento tem uma lógica ao mesmo tempo econômica e ambiental.
A liberação da cana na Amazônia não tem lógica. Não é necessidade econômica, é apego ao atraso. Nem interessa ao setor sucroalcooleiro, cuja agenda estratégica requer desenvolver tecnologia para aumentar a produtividade e gerar etanol com a celulose do bagaço, multiplicando a produção sem aumentar a área plantada.
O etanol passou por um período crítico, sem crédito e com a redução de 25% para 20% de sua adição à gasolina, um ciclo agora que dá sinais positivos de estar se encerrando. Mas a cana tem outros produtos relevantes e guarda o potencial de ser usada como biomassa na produção de energia, até agora inerte pois o governo prefere manter maior despesa e poluição com termelétricas.
A comissão joga por terra garantias dadas à sociedade e aos mercados externos de que a produção de cana não desmata a Amazônia. Despreza a agenda do futuro e remete a uma repetição do ciclo colonial.
O Brasil deve definir sua estratégia de desenvolvimento num tempo de mudanças que já começaram e se aceleram. Mas o ambiente político atual é inóspito para definições estratégicas. Petróleo e energia, agricultura e florestas, logística e infraestrutura, nada escapa: por mais importante que seja o assunto, termina capturado na discussão política de baixo nível, com interesses eleitorais e financeiros de curto prazo.
As decisões sobre o desenvolvimento do país vão sendo tomadas, no governo e no Parlamento, sem estudos ou pesquisas, sem consulta nem participação, para conservar poderes oligárquicos. Nessa lógica tudo se atrasa, só se antecipa o jogo da barganha política.
Marina Silva, ex-senadora
Fonte: Folha de S. Paulo
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